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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 19-10-2017   Regulamento bruxelas. Competência internacional.
1- De acordo com o disposto no art. 8.º do Regulamento Bruxelas II, é competente conhecer da acção de regulação das responsabilidades parentais o Tribunal do Estado-Membro onde os menores residiam à data da instauração da acção.
2-Tendo resultado apurado que os menores estão a residir em França, com a mãe, desde 05.07.2014, onde também viveu o progenitor até ao regresso deste a Portugal (em Setembro de 2014), dever-se-á entender que os mesmos têm a sua residência habitual, de forma estável, no referido pais, pelo que o Tribunal português carece de competência internacional para apreciar a presente acção.
Proc. 1892/15.4T8CSC.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Francisca da Mata Mendes - Eduardo Petersen Silva - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. n° 1892/15.4T8CSC.L1
Acórdão
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório
Nos presentes autos de regulação das responsabilidades parentais C… move contra L… pelo Tribunal a quo foi proferida, em 29.02.2016, a seguinte decisão:
«Resulta dos elementos carreados para os autos que as crianças M… e F…, nascidos, respectivamente, a 01.06.2008 e 05.05.2012, se encontram a residir em França, com a mãe, desde 05.07.2014, aí frequentando a escola desde o ano lectivo de 2014/2015.
Mais se apurou que as crianças e a progenitora residem, na mesma cidade onde residiam com o progenitor, até este ter regressado para Portugal, verificando-se, por conseguinte, que a residência habitual das crianças se consolidou em França.
Ora, estabelece o art° 9°, n° 1 do RGPTC que para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo for instaurado.
Por seu turno, elenca o art° 3°, do mesmo normativo, as providências tutelares cíveis, consignando na sua al. c) a regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Acresce que, nos termos do art° 8°, n° 1 do Regulamento CE n° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
Dispõe, ainda, o art° 17° do Regulamento CE n° 2201/2003 do Conselho que o tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência nos termos do presente regulamento e para o qual o tribunal de outro Estado-Membro seja competente, por força do presente regulamento, declara-se oficiosamente incompetente.
No caso sub judice, e confirme supra referido, resulta dos autos que as crianças têm a sua residência habitual em França, circunstância que já se verificava à data da instauração do processo.
Assim e nos termos dos supra citados artigos, competente para a presente acção são os tribunais franceses, mais concretamente, aquele com competência territorial na área de residência das crianças.
Face ao exposto, é este Tribunal internacionalmente incompetente para a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças Maria e Formoso.
A infracção das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do Tribunal, em conformidade com o disposto no art° 96°, al. a), do Código de Processo Civil.
Trata-se de uma excepção dilatória cuja procedência implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar, em conformidade com o disposto nos arts 576°, n° 1 e n° 2 e 99° n° 1, ambos do Código de Processo Civil).
Acresce que a dita excepção pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente, como decorre do art° 97°, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais julgo verificada a infracção das regras da competência internacional e, em consequência, absolvo a requerida da instância.
Custas pelo requerente.»
O requerente recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
I- Veio o Tribunal a quo julgar verificada a infracção das regras da competência internacional, o que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não pode o Recorrente concordar.
II- A presente Acção foi intentada com o intuito de regular as Responsabilidades Parentais quanto aos seus dois filhos menores, pelo facto da R. se ter deslocado para França com os mesmos, sem o consentimento do Recorrente.
III- Bem sabendo a R. que o Recorrente teria de regressar a Portugal, pois o vínculo laborai que o mantinha temporariamente em França, estava para terminar, não tendo condições de continuar naquele país.
IV- Assim, em Setembro de 2014, o Recorrente, regressou, definitivamente, a Portugal, tendo a R. se mantido naquele País, com os dois filhos menores de ambos e também sem o acordo do Recorrente.
V- Apenas com a Conferência de Pais, realizada em 23 de Setembro de 2015, teve o Recorrente conhecimento de que os menores já se encontram na escola, não tendo informação de quaisquer outros pormenores relacionados com o seu quotidiano.
VI- Julga-se difícil de acreditar que, só pelo facto de as crianças estarem em França, matriculados numa escola, seja possível considerar que os mesmos já se encontram completamente integrados naquele País, de modo a terem já criado laços de amizade e de referência, em detrimento de todo o tempo que passaram em Portugal e de todo o dia- a- dia que aqui desenvolveram, desde que nasceram.
VII- A ligação dos menores ao modo de vida, à cultura e à língua portuguesas, é manifestamente maior, em comparação a uma eventual ligação que existirá com o País onde, neste momento, se encontram.
VIII -Já para não falar nas condições da habitação que constituía a casa de morada de família, em detrimento do dormitório em que os menores se encontram em França, que deixa muito a desejar.
IX-De realçar que, à data da propositura da presente Acção, o Recorrente não tinha sequer certezas de onde se encontravam os seus dois filhos menores, dado a R. não permitir qualquer contacto com os mesmos.
X-Mais, sem ser a inscrição na escola, a R. nada mais provou, relativamente aos laços de amizade e referência, encontram-se socialmente integrados, não terem qualquer problema com a língua francesa que aprenderam muito rápido, nem quanto à assistência médica pública garantida.
XI -Pelo que, nos termos do n.° 3 do artigo 12.° do Regulamento (CE) n° 2201/2003, de 27 de Novembro, dada a ligação dos menores e respectivos progenitores com Portugal, face à nacionalidade portuguesa de todos e à residência portuguesa, acrescido do facto de os menores terem vivido muito mais tempo em Portugal do que aquele que estão em França, não se pode considerar que as crianças mantenham uma maior relação de proximidade com o Estado francês.
XII- Logo, tendo em linha de conta o superior interesse dos menores e, em particular o critério da proximidade consagrado no considerando (12) do mencionado Regulamento, não se considerando que o facto de estarem a estudar em França é suficiente para provar que é lá que as crianças têm a sua Residência Habitual e que é com este País que têm uma maior relação de proximidade, não deve ser a competência internacional aferida pelo disposto no artigo 8° do Regulamento, mas sim, pelo disposto no n° 3 do artigo 12° do mesmo.
XIII- Não obstante sempre se dirá que, o Recorrente manifestou, por diversas vezes, a sua discordância, primeiro quanto à ida para França e segundo quanto à sua permanência, o que foi liminarmente ignorado pela R., apesar de saber que o Recorrente ia ficar desempregado e via-se forçado a regressar a Portugal.
XIV- Mesmo em Portugal o Recorrente sempre tentou junto da R. fazer com que esta regressasse, procurando manter o contacto com os menores, o que sempre foi impossibilitado pela R.
XV- Pelo que, nos termos do n° 11 do artigo 2° e artigo 10° do Regulamento, estando perante um caso de deslocação e retenção ilícitas dos seus dois filhos menores, os Tribunais portugueses continuam a ser competentes para apreciar a questão objecto dos presentes autos.
XVI-Ora, no caso em apreço, nem as crianças foram, nem se mantiveram, legalmente, em França, pois tal carece do consentimento do Recorrente - que nunca foi dado!
XVII- Pelo que, consagra o art.° 10.° do Regulamento que Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes (sublinhado nosso).
XVIII- Não se verificando quaisquer dos requisitos previstos na lei, dado que não há consentimento de um dos progenitores, os menores não residem em França Iká pelo menos um ano aquando da instauração da Acção e, nada foi provado nos autos que confirme que os menores se encontram integrados no seu novo ambiente.
XIX-Neste sentido se tem pronunciado diversa jurisprudência, nomeadamente, emanada desse Venerando Tribunal, já devidamente identificada em sede de Alegações, para onde se remete, com vista à economia processual.
XX -Face ao exposto, nos termos do n.° 11 do art.° 2.° e do art.° 10.° do Regulamento (ou caso assim não o seja entendido, do n.° 3 do art.° 12.° do mesmo Regulamento), deve a Sentença em causa ser revogada e, por conseguinte, se deve considerar que os tribunais portugueses são internacional e territorialmente competentes para apreciar o objecto dos autos aqui em causa.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, revogada a Sentença recorrida, com as legais consequências.
A requerida contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O Ministério Público contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1 - O critério da proximidade, que conduz à atribuição de competência ao Estado-Membro da residência habitual da criança, está indissociavelmente ligado à prossecução do superior interesse da criança.
2- Sendo certo que o conceito de «residência habitual» não se encontra definido no Regulamento, devendo ser determinado pelo juiz em cada caso, é igualmente clara a distinção entre «residência habitual» e «residência de origem», sendo esta preterida relativamente àquela, precisamente porque o interesse' superior da criança elege como decisivo o critério da proximidade.
3 - Assim, e mesmo que, culturalmente, no caso concreto, as crianças ainda tenham maior ligação a Portugal do que à França (o que se desconhece mas é admissível), não seria o facto de terem residido mais tempo em Portugal do que aquele que corresponde à sua permanência em França a assumir relevância para a definição da sua residência habitual e, consequentemente, para a atribuição da competência de um determinado Estado-Membro.
4 - No caso, as crianças M… e F…, actualmente com oito e quatro anos de idade, permanecem em França desde os seus seis e dois anos de idade, respectivamente.
5 - A M… ingressou na escolaridade obrigatória já em França.
6 - O tempo de permanência do F… em França é já igual àquele que viveu em Portugal.
7 - A ruptura do casal parental ocorreu depois de as crianças terem ido residir para França.
8 - As crianças não mantêm relação de proximidade com o progenitor, já que este apenas coabitou com elas no período que mediou entre Julho e Setembro de 2014, em França - até Julho porque trabalhava com carácter de permanência nesse país, depois de Setembro porque regressou a Portugal.
9 - À data da propositura da acção - 12-06-2015 - residiam em França há cerca de um ano.
10 - O art. 12°, n° 3 do Regulamento, não se aplica no caso concreto, já que pressupõe a verificação cumulativa das situações previstas nas suas alíneas a) e b). Tal não acontece no caso concreto, pois a competência de Portugal não foi aceite explicitamente ou de forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo foi instaurado.
11 - No caso, não ocorreu qualquer retenção ilícita das crianças. Quando as crianças, acompanhadas da mãe, viajaram para França no intuito de aí morar, foram residir na casa que o pai habitava, em Marselha. A progenitora agiu no âmbito de um relacionamento de casal com o ora recorrente, ainda que este tenha ficado desagradado com tal reunificação familiar.
12 - Foi o ora recorrente quem decidiu voltar a Portugal após a chegada a França da mulher e das filhas.
13 - Quando propôs a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o progenitor não referiu tal questão, muito menos accionou os mecanismos previstos para o regresso das crianças (art. 11 ° do Regulamento que tem vindo a citar-se).
A sentença recorrida fez correcta aplicação do direito, não merecendo reparo.

II- Importa solucionar a seguinte questão : A instauração da presente acção no Tribunal português integra uma infracção às regras de competência internacional?

III- Apreciação
Os factos com interesse para apreciação da questão enunciada são os acima indicados no que concerne à residência dos menores.
Os progenitores e os menores residiram em Portugal e têm nacionalidade portuguesa.
O progenitor dos menores foi trabalhar para França em Maio de 2009.
Em Julho de 2014 a progenitora e os menores foram residir com o requerente em França.
Os menores estão a residir em França, com a mãe, desde 05.07.2014, aí frequentando a escola.
A menor M…frequenta a escola em França desde o ano lectivo de 2014/2015 ( vide fls. 92).
O progenitor dos menores regressou a Portugal em Setembro de 2014. A presente acção foi instaurada em 12.06.2015.
Atento o disposto no art. 72° do Regulamento ( CE) n° 2201/2003 de 27 de Novembro de 2003 ( Regulamento Bruxelas II), dever-se-á aplicar ao caso concreto o referido Regulamento.
De acordo com o disposto no art. 8°, n°1 do Regulamento Bruxelas II, é competente conhecer da presente acção, o Tribunal do Estado-Membro onde os menores residiam à data da instauração da acção.
Ora, da análise dos autos, resulta que os menores têm a sua residência, de forma estável, em França, onde vivem desde Julho de 2014.
A menor M… frequenta a escola em França desde o ano lectivo 2014/2015 Deveremos, assim, concluir que os menores têm a sua vida organizada em França, onde residiam há quase um ano à data da instauração da acção.
Não cumpre, nesta fase, apreciar qual dos progenitores reúne as condições mais adequadas para assumir a guarda dos menores, o que só deverá ser efectuado no processo instaurado no Tribunal competente.
A situação em apreço não configura uma retenção ilícita das crianças ( vide definição estabelecida no n° 11 do art. 2° do referido Regulamento). Ocorreu, antes, uma separação dos progenitores, tendo o recorrente regressado a Portugal.
Mesmo que assim não se entendesse, não foram accionados mecanismos com vista ao regresso das crianças ( vide arts. 10° e 11° do citado Regulamento).
O art. 12°, n°3 do Regulamento em apreço permite uma extensão da competência, em matéria de responsabilidade parental, quando a criança tenha uma ligação especial com determinado Estado-Membro. Mas, para tal, é necessária a aceitação da competência por todas as partes ( conforme resulta da alínea b) do preceito em análise), o que não verifica no caso em apreço.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.

IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, levando-se em atenção a decisão referente ao apoio judiciário.
Registe e notifique.
Lisboa, 19 de Outubro de 2017
Francisca Mendes
Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Sumário:
1- De acordo com o disposto no art. 8° do Regulamento Bruxelas II, é competente conhecer da acção de regulação das responsabilidades parentais o Tribunal do Estado-Membro onde os menores residiam à data da instauração da acção.
2-Tendo resultado apurado que os menores estão a residir em França, com a mãe, desde 05.07.2014, onde também viveu o progenitor até ao regresso deste a Portugal ( em Setembro de 2014), dever-se-á entender que os mesmos têm a sua residência habitual, de forma estável, no referido país, pelo que o Tribunal português carece de competência internacional para apreciar a presente acção.
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