Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 11-10-2017   Declarações de parte. Princípio da livre apreciação da prova.
1 – Desde a entrada em vigor do actual CPC – aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho – as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova.
2 – Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da acção, e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respectivas declarações serão, em princípio, insuficientes, só por si, desacompanhadas de outras provas, para as sustentar.
Proc. 568/16.0T8FNC.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Paula de Jesus Santos - Maria João Romba - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo 568/16.0T8FNC.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1- Relatório
J… intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, a seguir a forma de processo comum, contra M…. Ld., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €6.123,24, acrescida das retribuições vincendas.
Alega, para tanto, que no dia 20-10-2015, nos escritórios da Ré, o representante legal desta despediu-o ilicitamente, dizendo-lhe verbalmente que estava farto , que se fosse embora e que vá para o raio que o parta. Posteriormente, recebeu uma carta enviada pela Ré onde consta a rescisão do seu contrato por abandono de trabalho, tendo respondido por carta, através da qual formalizou a rescisão do contrato com justa causa, quando na verdade já tinha sido despedido.
Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação
A Ré contestou por impugnação e deduziu reconvenção, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de 1.175,18€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da aquisição das passagens aéreas a que se referem os autos e do pagamento da estadia do Autor em Londres.
Fundamenta o seu pedido no abandono do trabalho por parte do Autor, numa altura em que já tinha garantido a sua presença em vários certames internacionais relacionados com a hotelaria e o turismo, adquirindo passagens e garantindo estadias em unidades hoteleiras.

Foi proferido despacho que convidou ao aperfeiçoamento da contestação/reconvenção, sendo apresentado novo articulado.
Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.

Foi admitida a reconvenção.

Foi dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.

A sentença decidiu:
1. Julgo improcedente por não provada a presente ação, e, em consequência, absolvo a R. do pedido.
2. Julgo parcialmente procedente a reconvenção, e, em consequência:
2.1. Condeno o A. a pagar à R. a quantia de €1.106,18 (mil, cento e seis euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo pagamento de dívida.
2.2. No mais, absolvo o A. do restante pedido.
O A. beneficia de isenção de custas na ação e na reconvenção nos termos do art.º 4º, nº 1, alínea h) do RCP.
Custas da reconvenção pela R. na proporção do respetivo decaimento- artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC. (sic)

Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. Não deverá ser considerado provado que no dia 4.11.2015 foram-lhe entregues por C…. dois cheques, um no valor de €503,25 e outro no valor de €585,92, bem como um recibo de quantia referente a falta de pré-aviso, descontando €1.074,89, certificado de trabalho e recibos de vencimento, tendo assinado os documentos juntos a fls. 67 e 67 pois tal está em manifesta contradição (independentemente da datação de tais documentos) com os ponto 1.7. e 1.8 da mesma matéria, nos termos dos quais só em 6.11.2015 foi o A. notificado da carta em que era aludido despedimento por abandono do posto de trabalho.
2. Deverão ser dados como não provados os factos consignados nos pontos 2.1, 2.2, 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6, pois tal resulta do depoimento claro e preciso do A. quanto à sua situação financeira, humilhação e dificuldades económicas, enquanto a negação dos factos relativos ao despedimento se estribou nos depoimentos das testemunhas C…. e E…, trabalhadora e um parceiro comercial da R. não sendo credível que a testemunha C…, que tinha dado início à situação, podendo ouvir, não se tenha interessado pelo desenrolar da mesma, certo é que uma das testemunhas depõe que não existiu nenhuma discussão e outra que a ouviu em alta voz.
3. Deverá a segunda versão da contestação/reconvenção ser dada como não escrita por extemporânea.
4. Ainda quanto à reconvenção sempre teria sido possível alterar o nome do passageiro nas passagens aéreas, o que não terá sido feito por razões que o A. desconhece, mas apenas imputáveis à R.
5. Os hotéis foram reservados no sítio Booking sem despesas de cancelamento, e sob condição de pagamento ao balcão pelo que, qualquer despesa inerente, não poderá ser imputada ao AO que se verifica, por exemplo pelo doc junto pela R (vd. Fls 44v).Quanto à viagem a Lisboa, à BTL, o A. foi substituído pela Srá Dá A….. No dia 21 ou 22 de Outubro de 2015, a D° C… telefonou ao A., questionando-o relativamente às viagens e hotéis já reservados, ao que este esclareceu que não havia despesas de cancelamento e quanto às viagens que era apenas necessário alterar o nome do passageiro.
6. O hotel na Alemanha para a ITB em Berlim nunca foi reservado.
Assim, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, condenada a R. pelo despedimento ilícito da A., com as legais consequências e absolvido este do pedido reconvencional .
A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Os autos foram aos vistos às Exmas Desembargadoras Adjuntas. Cumpre apreciar e decidir

II – Objecto
Nos termos do disposto nos art 635 n 4 e 639 n1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1, n 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. E assim sendo, da análise do elenco das conclusões apresentadas pela Ré e recorrente, retira-se que este Tribunal é chamado a decidir
- se deve corrigir o relatório da sentença recorrida (questão prévia);
- se a 2ª versão da contestação/reconvenção deve ser dada como não escrita, por extemporânea;
- se o Tribunal a quo errou na resposta à matéria de facto, quanto aos factos impugnados;
- se o Autor foi despedido;
- em caso afirmativo, acerca dos créditos peticionados e indemnização por danos não patrimoniais.

III - Fundamentação de Facto
A - Matéria de Facto Provada
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1. O Autor entrou ao serviço da Ré em 15-01-2015, passando a trabalhar sob as suas ordens e direcção.
2. Foi-lhe atribuída a categoria de assistente de vendas.
3. Auferia a retribuição base de €1.074,89, a que acrescia o valor mensal de €58,35 referente ao subsídio de refeição.
4. No dia 20-10-2015, cerca das 9h00, nos escritórios da Ré, que se situam na sua sede social, o Autor foi abordado pela D. C… trabalhadora da Ré, que lhe transmitiu o pedido do Dr. M…., gerente da Ré, para que traduzisse uma mensagem de um cliente em sueco, uma vez que o Autor domina aquela língua.
5. O Autor procedeu à aludida transcrição, tendo-lhe sido solicitado pelo legal representante da Ré, Dr. M…, se podia passar a escrito a mesma, ao que o Autor anuiu, tendo-lhe entregue para o efeito a referida tradução escrita.
6. O Autor dirigiu-se ao gabinete do Dr. M…e transmitiu-lhe verbalmente o conteúdo da mensagem.
7. Por carta datada de 3-11-2015 e expedida sob a forma de carta registada com A/R pela Ré, e que o Autor recepcionou em 6-11-2015, foi o mesmo notificado de que se encontrava denunciado o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré por aquele se ter ausentado por um período superior de 10 dias consecutivos.
8. Após esta carta, o Autor recebeu um telefonema da Ré pedindo-lhe que se dirigisse ao hotel.
9. No dia 4-11-2015 foram-lhe entregues por C…. dois cheques, um no valor de €503,25 e outro no valor de €585,92, bem como um recibo de quantia referente a falta de pré-aviso, descontando €1.074,89, certificado de trabalho e recibos de vencimento, tendo assinado os documentos juntos a fls. 67 e 67v.
10. Em 25-11-2015, o Autor dirigiu à Ré uma carta em que formaliza a resolução do contrato de trabalho, com invocação de justa causa.
11. A Ré respondeu à carta referida em 10, tendo por carta datada de 14-12-2015, feito referência a uma carta não recebida pelo Autor.
12. Depois do dia 20-10-2015, o Autor abandonou as instalações da Ré, só tendo aí comparecido no dia 4-11-2015 para os fins referidos em 9. e depois dessa data nunca mais aí compareceu.
13. A Ré já havia adquirido as passagens aéreas para o Autor para que este se deslocasse à Bolsa de Turismo de Lisboa, no período compreendido entre 1-03-2014 e 4-03-2016.
14. A Ré tinha adquirido também as passagens áreas na TAP Portugal e na Ibéria, para que este se deslocasse à ITB em Berlim, no período compreendido entre 8 e 11 de Março de 2016.
15. Também adquiriu as passagens aéreas na TAP Portugal e na Ryanair, para que o Autor se deslocasse à WTM, em Londres, tendo pago a estadia no City Lodge London.
16. Tais reservas e pagamentos antecipados resultaram da estratégia que o sector hoteleiro adopta, de modo a que os custos nas deslocações sejam mais baratos e seja possível, com antecipação, garantir a presença nestes certames internacionais, sendo que a Ré estaria representada pelo Autor.
17. A Ré despendeu a quantia de €131,41 para que o Autor se deslocasse à BTL de Lisboa.
18. Bem como a quantia de €395,93 para que o Autor se deslocasse à ITB Berlim.
19. Despendeu ainda a quantia de €578,84 (€198,91 + €201,93 + €178,00) para que o Autor se deslocasse e pernoitasse em Londres.
20. Não foi possível à Ré realizar a troca de passageiros nas passagens áreas adquiridas e cancelar a reserva hoteleira efectuada.

B - Matéria de Facto não Provada
São os seguintes os factos que a primeira instância considerou não provados
1. Na ocasião referida em 5., o Dr. M….disse ao Autor, em tom elevado, que queria a tradução por escrito.
2. Quando se dirigiu ao escritório do Dr. M… este dirigiu-lhe aos berros as seguintes palavras: Estou farto, farto, farto, disto, farto de si, farto da sua engonhice. Pensava que ia ser o salvador disto tudo mas afinal não faz nada, está há seis meses e ainda não fez nada, a ocupação baixou devido à sua engonhice, nós devíamos estar cheios, a Madeira está cheia e nós estamos vazios. Para você fazer um contrato que se faz em 5 minutos demora 3 dias. O Hotel está novo e os clientes não têm qualquer razão para dizer mal do Hotel e você dá-lhes razão. Nunca faz nada do que lhe pedem, não faz cá falta nenhuma e quem não está bem muda-se.
3. Enquanto falava dessa forma, o Dr. M… desferia violentos murros na sua secretaria, continuando a dizer que estava farto.
4. Tais murros atemorizaram o Autor, que, em face da personalidade violenta do Dr. M…, temia que este o agredisse.
5. Vá-se embora, vá para o raio que o parta, disse-lhe ainda o Dr. M…
6. As palavras proferidas pelo Dr. M… foram ouvidas por outros trabalhadores da Ré. 7. À carta respondeu a Ré por carta datada de 14-12-2015, fazendo apelo a uma outra carta não recebida, a qual aludia à rescisão contratual por abandono do posto de trabalho.
8. O Autor sentiu-se humilhado, insultado e ofendido.
9. Passando a sobreviver com dificuldades económicas.
10. Aproveitando o facto de o Autor se encontrar no seu gabinete, o legal representante da Ré, Dr. M…. referiu ao mesmo que existiam situações que teriam que ser corrigidas, nomeadamente no que respeitava às vendas que estavam a ser efectuadas pelo Autor e em relação aos objectivos que haviam sido traçados aquando da contratação do mesmo pela Ré.
11. Tanto mais que as unidades hoteleiras exploradas pela Ré foram alvo de renovações estéticas e ao nível do conforto, que justificavam que as mesmas tivessem taxas de ocupação mais elevadas em relação às que tinham, à semelhança da ocorrência e face ao número de turistas que acorriam à Madeira na data dos factos.
12. Tal justificaria que o Autor relevasse maior empenho no exercício das suas funções.
13. Facto este que lhe foi transmitido pelo legal representante da Ré, Dr. M…..
x
A primeira instância referiu ainda que
Tudo o que mais vem alegado consubstancia factos repetidos, irrelevantes, juízos de valor, conclusões ou matéria de direito.
IV - Apreciação do Recurso
1.Pretende desde logo o Apelante, como questão prévia suscitada no início das alegações, que do relatório da sentença conste que o Autor respondeu à contestação/reconvenção, ao contrário do ali afirmado.
Os recursos visam a impugnação de decisões, através da sua reapreciação por um tribunal hierarquicamente superior, visando um novo julgamento sobre a matéria de facto e/ou de direito impugnada.
In casu, o Apelante não retira qualquer consequência jurídica do lapso da primeira instância vertido no relatório da sentença, quanto à resposta à contestação, não impugnando a decisão por essa via. Ou seja, não pretende uma alteração do decidido com a alteração que defende. E assim sendo, nada cumpre ordenar a esse propósito.
2.A segunda questão que é colocada à apreciação deste Tribunal é a de saber se a 2á versão da contestação/reconvenção deve ser dada como não escrita por extemporânea.
Alega que, na sequência do convite para apresentação de nova reconvenção com a indicação do valor, a Ré excedeu-se e apresentou uma nova contestação /reconvenção integralmente alterada, fora do prazo para apresentação da mesma. (sic)
O Mmo Juiz a quo proferiu despacho nos termos do qual (...) deve a R. reformular o seu pedido reconvencional, de forma a peticionar a condenação do A. numa quantia económica determinada.
Cumpre ainda referir que constitui um ónus do réu-reconvinte indicar o valor processual do pedido reconvencional.
Essa indicação é obrigatória por decorrer de expressa imposição legal, sob pena de não o fazendo, a reconvenção não poder ser atendida (art. 583, n° 2 do CPC).
Ora analisada a contestação, constato que não foi indicado na mesma o valor da reconvenção.
Face ao exposto, convido a R. a vir apresentar no prazo de 10 dias nova contestação/reconvenção corrigida nos termos acima referidos.
A Ré apresentou nova contestação/reconvenção.
A análise comparativa de ambas as peças processuais - a contestação/reconvenção original e a corrigida, na sequência do referido despacho - não permite concluir como o faz o Apelante. Na verdade, não existem diferenças significativas entre ambas, a não ser quanto àquilo que o Tribunal mandou corrigir, a saber, quanto à formulação de um pedido determinado e quanto à indicação do valor da causa.
Constata-se também que a contestação/reconvenção aperfeiçoada deu entrada em juízo no prazo estabelecido para o efeito.
Em face do exposto, cumpre concluir pela improcedência do recurso nesta parte.
3.0 Apelante expressa impugnar a matéria de facto, pretendendo seja considerado não provado o facto descrito sob o ponto 9. dos factos provados - No dia 4.11.2015 foram-lhe entregues por C.. dois cheques, um no valor de €503,25 e outro no valor de €585,92, bem como um recibo de quantia referente a falta de pré-aviso, descontando €1.074,89, certificado de trabalho e recibos de vencimento, tendo assinado os documentos juntos a fls. 67 e 67v. - por entender que tal está em contradição com os factos considerados provados sob os pontos 7. - Por carta datada de 3.11.2015 e expedida sob a forma de carta registada com A/R pela Ré e que o Autor recepcionou em 6.11.2015, foi o mesmo notificado de que se encontrava denunciado o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré por aquele se ter ausentado por um período superior de 10 dias consecutivos. - e 8. - Após esta carta, o Autor recebeu um telefonema da Ré pedindo-lhe que se dirigisse ao hotel. - da mesma matéria.
Quanto a esta questão, antes do mais, cumpre atentar que ela não tem qualquer relevância para a decisão do recurso, não sendo aliás retirada pelo Apelante qualquer consequência jurídica da alteração.
Por outro lado, não se vislumbra qualquer contradição, a qual apenas se registaria se o facto que se pretende ver alterado não fosse por alguma forma compaginável com os demais factos. E no caso em apreço desconhecemos se o Autor se deslocou entretanto à Ré e teve conhecimento verbal da denúncia do contrato, acabando por receber os quantitativos referidos em 9. Repare-se, aliás, que segundo a fundamentação da matéria de facto levada a efeito pela primeira instância, os factos 9. e 8. foram considerados provados por acordo.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso.
Pretende também o Autor se considerem provados os factos descritos sob os pontos 1 a 6 dos não provados.
Fundamenta a sua pretensão nas suas próprias declarações, considerando que não devem ser atendidas as declarações das testemunhas C… e E….., que são, respectivamente, uma trabalhadora e um parceiro comercial da Ré, e cujo depoimento, na sua perspectiva, se mostrou contraditório entre si, por a primeira ter afirmado que a conversa entre o Dr M… o Autor ocorreu em tom de voz normal e o segundo ter declarado que ouviu um burburinho, uma discussão, não podendo, por consequência, o tribunal optar por nenhum destes depoimentos, antes pelas declarações do Autor.
É a seguinte a fundamentação dos factos levada a efeito pela primeira instância: O Tribunal formou a sua convicção da seguinte forma:
(...)
2. Quanto aos factos não provados:
2.1. a 2.6.- nos depoimentos das testemunhas C… e E…. que contrariaram as declarações de parte do A., sendo que aquelas foram consideradas credíveis.
(...)
x
Valoração das declarações de parte do A. e dos depoimentos das testemunhas: -Declarações de parte do A: as mesmas não foram considerados convincentes relativamente aos factos ocorridos no dia 20.10.2015, porquanto os mesmos foram desmentidos pelas testemunhas C… e E…, que se encontravam perto do gabinete do representante legal da R., a uma distância de cerca de 3 metros e declararam que não ouviram qualquer discussão em voz alta e o som de murros na secretária.
-C…. declarou que teve conhecimento presencial e funcional dos factos a que depôs, em virtude de ser empregada de escritório da R. desde fevereiro de 2014.
Depôs de forma isenta e idónea, razão pela qual o tribunal considerou credível o seu depoimento.
-E…. declarou que teve conhecimento presencial dos factos a que depôs, em virtude de se encontrar presente no dia 20.10.2015 no Hotel Windsor (explorado pela R.) por razões profissionais.
Depôs de forma isenta e idónea, razão pela qual o tribunal considerou credível o seu depoimento. (sic)
Determina o art. 662 do CPC que 1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de um preceito imperativo, sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso do alcançado pela primeira instância.
Cumpridos que estão os ónus a que se refere o art. 640 do CPC, cumpre apreciar o recurso.
Este Tribunal, para melhor esclarecimento, ouviu a totalidade da prova. Porém, antes de passar à sua análise crítica, vejamos o que diz a lei.
Nos termos do disposto no artigo 341 do C.Civil, As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. No entanto, a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas.
(...)
A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
A lei processual civil consagra, em matéria de prova, dois princípios: o da disponibilidade das provas e o da livre apreciação judicial das provas2. De acordo com o primeiro princípio, o juiz deve apoiar a sua decisão nas provas carreadas pelas partes para o processo, embora a lei lhe atribua o poder de ordenar as diligências que entenda necessárias para a descoberta da verdade. De acordo com o segundo princípio, o juiz pode apreciar livremente as provas, quer no tocante à sua admissibilidade, quer no que respeita ao seu valor probatório.
Quanto à prova testemunhal, o artigo 396 do C.Civil determina que [A] força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (sic)
Por sua vez, a prova por declarações de parte surgiu legalmente regulada com a entrada em vigor do actual CPC - Lei 41/2013, de 26 de Junho - estando prevista no artigo 466.
Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão, aliás à semelhança daquela que era já a prática dos tribunais.
É, portanto, inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova. Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da acção, e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respectivas declarações serão, em princípio, insuficientes só por si, desacompanhadas de outras provas, para as sustentar.
Assim, a par do depoimento de parte, consagrou a lei a possibilidade de se considerarem as declarações das partes quanto a matéria que lhes é favorável, ainda que entendida a valoração deste meio de prova com grano salis.
No presente caso, este tribunal ouviu as declarações do Autor, que confirmou os factos que pretende ver provados, mas cujo depoimento foi infirmado pelas declarações das referidas testemunhas C…. e E….. A primeira, empregada de escritório da Ré, afirmou que estava no departamento de reservas desta, onde existe barulho do telefone, e não ouviu a conversa havida entre o Autor e M…., embora tenha detectado a sua existência, mas cujo tom reputou de normal. Quanto à segunda testemunha, que não trabalha para a Ré mas tem relações comerciais com a mesma (sócio de uma agência de viagens), estava junto da secção de reservas e percebeu que existia um burburinho numa sala ali próxima, mas declarou que não ouviu gritos ou pancadas em mesas.
Ou seja, a versão trazida aos autos pelo Autor - e que a si competia fazer prova, de acordo com a regra de repartição do ónus da prova que resulta do disposto no artigo 342 n1 do C.Civil - não se confirma, pelo contrário, é infirmada pela demais prova produzida, sendo certo que o tribunal, apesar de a testemunha C… ser trabalhadora da Ré, não tem razões para considerar que o seu depoimento não foi verdadeiro, tanto mais que enquadrado na linha do depoimento da outra testemunha inquirida. Nem se diga que ambos os depoimentos são contraditórios entre si porque a testemunha C.. também afirmou que, na altura, encontrava-se num local com barulho e que estava atarefada por estar a substituir um colega, pelo que não estava com a sua atenção concentrada no que se passava entre o Autor e M...
Portanto, improcede o recurso, nesta parte.
Pretende ainda o Apelante se considere, quanto ao ponto 20. dos factos provados, que nas passagens aéreas sempre seria possível alterar o nome do passageiro e que, quanto às reservas dos hotéis, o cancelamento não comportava despesas, sendo que, ademais, o hotel na Alemanha nunca foi reservado.
Não indicou qualquer prova para sustentar o alegado (no decurso do julgamento pretendeu juntar documento para fazer prova desta matéria, mas tal documento não foi admitido, por decisão que transitou em julgado), sendo certo que o documento que refere, e junto a fls 44 vº é o mesmo que foi tido em consideração pela primeira instância para fundamentação do facto a que se refere o ponto 19., e que, quanto ao ponto 20, o Tribunal considerou o depoimento da testemunha C…, o qual não foi infirmado pelo Autor, razão pela qual improcede, nesta parte, o recurso.
4.Pretende o Apelante seja considerado que foi despedido ilegitimamente, com as obrigações indemnizatórias decorrentes de tal ilicitude. E pretende também se conclua pela sua absolvição do pedido reconvencional formulado pela Ré. Esta pretensão dependia da procedência do recurso que incidiu sobre a matéria de facto, no qual, como supra exposto, decaiu.
E assim sendo, nada resulta dos factos provados que nos permita concluir pela existência de uma situação de despedimento. De facto, esta forma de resolução do contrato de trabalho pressupõe a existência de uma declaração de vontade da entidade empregadora nos termos da qual se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro ...'. Se não resultar provada uma declaração de vontade de rescindir o contrato, não podemos falar em despedimento. E dos factos provados nada resulta nesse sentido.
Relativamente às demais questões, as mesmas estão prejudicadas pelo resultado do recurso.
V- Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por J…, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do Apelante. Registe e notifique.
Lisboa, 11-10-12017
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes

Sumário
1 - Desde a entrada em vigor do actual CPC - aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho - as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova.
II - Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da acção, e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respectivas declarações serão, em princípio, insuficientes, só por si, desacompanhadas de outras provas, para as sustentar.
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