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 - ACRL de 26-09-2017   Desconhecimento do paradeiro no estrangeiro do devedor de alimentos a menor. FGADM.
Ocorrendo incumprimento da prestação de alimentos e sendo inviável a sua efectivação ao abrigo do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por ser desconhecido o paradeiro no estrangeiro do devedor de alimentos a menor, não ocorre fundamento para o arquivamento dos autos, que devem prosseguir para apreciação do pedido de fixação de uma prestação de alimentos, a favor da menor, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Proc. 12594/10.8T2SNT-B.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Carla Inês Câmara - Higina Castelo - José Capacete -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo nº 12594/10.8T2SNT-B- Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Família e Menores de Sintra -
Recorrente: M…………………-
Recorridos: Ministério Público.

Sumário:
Ocorrendo incumprimento da prestação de alimentos e sendo inviável a sua efectivação ao abrigo do artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por ser desconhecido o paradeiro no estrangeiro do devedor de alimentos a menor, não ocorre fundamento para o arquivamento dos autos, que devem prosseguir para apreciação do pedido de fixação de uma prestação de alimentos, a favor da menor, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
M…………………requereu nos autos de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais que:
- Se julgue verificado o incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, no tocante à falta de pagamento das pensões alimentícias devidas à menor, desde Maio de 2013 até Novembro de 2016, por parte do requerido;
- Dada a impossibilidade de tornar efectiva a prestação de alimentos, nos termos do artigo 48º do RGPTC, se ordene a realização de inquérito social sobre a situação económica da requerente e do seu agregado familiar;
- Uma vez reunidos os pressupostos legais com vista à atribuição e pagamento da pensão de alimentos devidos à menor, a assegurar pelo Estado através do Fundo de garantia de Alimentos devidos a menores, se notifique o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, para que este providencie junto do Centro Regional de Segurança Social da área da residência da requerente, com vista a iniciar o pagamento da pensão que seja fixada pelo Tribunal.
Alega, para tanto, que o requerido, tendo ficado obrigado por sentença a contribuir com €40,00 mensais, a título de pensão de alimentos, nunca as pagou, desconhecendo a requerente o seu paradeiro, tendo obtido informação de que foi deportado em 2006 para o seu país natal, a Guiné-Bissau, onde vive desde então (fls 12 a 17).
Foram realizadas diligências tendentes ao apuramento da situação profissional do requerido, as quais se revelaram infrutíferas (fls 11 e 23).
Aberta vista ao Ministério Público, veio este a promover a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Veio então a ser proferida a seguinte decisão:
«Nos presentes autos em que é requerente M………….. e requerido ………….. verifica-se que este último reside e trabalha no estrangeiro. Dada esta situação, não é possível acionar os mecanismos previstos no art. 482 do RGPTC. Assim, determino o arquivamento do processo.
Sem custas.
Notifique.

Notifique a requerente para se dirigir à DGAJ (forneça a morada completa) no sentido de acionar os mecanismos previstos na Convenção de Nova Iorque para cobrança da pensão de alimentos fixada a favor do filho menor uma vez que o requerido vive e trabalha no estrangeiro.»

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando as seguintes conclusões:
1 - A impossibilidade da satisfação pelo devedor das quantias em dívida, enquanto requisito para que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) suporte as prestações de alimentos devidos a menor residente em Portugal, traduzindo na necessidade de uma tutela urgente e eficaz a cargo do Estado, verifica-se quando da factualidade provada resulta que não é viável com o recurso a procedimento previsto no art. 48°, da RGPTC, obter a cobrança coerciva das prestações alimentares vencidas e vincendas (incidente de descontos - intra-processual).
2 - Ao legitimar a intervenção do FGADM quando, a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em divida pelas formas previstas no artigo 48°,do RGPTC, o legislador disse quanto queria, bastando-se com a demonstração da impossibilidade - prática ou de facto - do credor obter o pagamento das prestações por uma das formas previstas no art. 48°, do RGPTC, não exigindo portanto, que seja feita prova da frustração da cobrança do crédito de alimentos no âmbito de eventual execução para tanto movida.
3 - Não é requisito da lei (Lei n.º 75/98, de 19/11 e do DL n.º 164/99, de 13/05), para que o Estado pague através do FGADM, a prestação devida pelo obrigado a alimentos, que seja impossível a cobrança coerciva mediante recurso a uma ação executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos no estrangeiro, ao abrigo da Convenção Internacional de Nova Iorque.
4 - O art. 69º, n.º 1 da CRP reconhece às crianças o direito à proteção da sociedade e do Estado.
5 - A lei da garantia de alimentos (Lei n.º 75/98, de 19/11), regulamentada pelo DL n.º 164/99, de 13/05, visou precisamente, assegurar, conforme expresso no preâmbulo deste último diploma, o direito das crianças à proteção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral, direito este constitucionalmente consagrado (art. 69º).
6 - Este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação, a quem deve ser concedida a necessária proteção. Desta conceção resultam direitos individuais, desde logo, o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais, e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (art. 24º da CRP).
7 - Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado, as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
8 - Trata-se afinal de, reconhecida a inviabilidade da cobrança efetiva e célere da prestação alimentar, garantir que a criança em dificuldades dela não fica privada, assegurando o Estado o pagamento de uma prestação substitutiva.
9 - Ora, nos presentes autos, o tribunal recorrido deu por findo o processo por considerar que o mesmo era inútil ou impossível, na medida em que a Requerente deveria obter a satisfação da sua pretensão com recurso à Convenção de Nova Iorque, relativa à cobrança de alimentos no estrangeiro.
10 - Esta Convenção (aprovada em Portugal, para adesão, pelo D.L. n.º 45942, de 28/09/1964), como se refere no seu preâmbulo, visa fazer face à urgência na solução do problema humanitário que se levanta para as pessoas carecidas de alimentos cuja tutela legal se encontre no estrangeiro, visando resolver os problemas e superar as dificuldades legais e práticas que a instauração de ações de alimentos ou a execução das decisões no estrangeiro dão lugar.
11 - Cabe realçar que, conforme decorre do n° 2, do art. 1º da Convenção, os meios de direito previstos na presente Convenção completam, sem os substituir, todos os outros existentes em direito interno ou em direito internacional.
12 - Assim sendo, um instrumento jurídico internacional criado para reforçar os direitos do credor de alimentos não pode, afinal, constituir obstáculo à promoção desses direitos.
13 - Com o devido respeito por opinião contrária, tendo o Tribunal de Família e Menores sido chamado a diligenciar pelo cumprimento de uma decisão que reconhecera o direito do menor à prestação de alimentos por parte do seu progenitor, não pode agora demitir-se de tal função, remetendo-o para meios cuja viabilidade de sucesso, em tempo útil, não estará razoavelmente demonstrada.
14 - No caso dos presentes autos, ignora-se o actual paradeiro certo do devedor, apenas se sabendo (informação não certificada pelo Tribunal a quo), que o mesmo foi deportado para a Guiné-Bissau, em 2006, não existindo elementos nos autos, que permitam vaticinar que a Requerente conseguirá, através da intervenção da DGAJ, obter, pelo accionamento da Convenção de Nova Iorque, dentro dos próximos meses, quiçá, dentro de um ano ou mesmo mais, o recebimento daquilo a que o devedor, ora Requerido, ficou obrigado por decisão judicial.
15 - Perante toda a factualidade constante dos autos, deveria o Tribunal a quo, ter julgado verificado o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, no tocante à falta de pagamento da pensão de alimentos à menor, por parte do Requerido, acionando o FGADM, com vista ao cumprimento por parte deste, da pensão alimentícia, em substituição do obrigado, ora Requerido,
16 - em vez de, ter determinado, o arquivamento do processo.
17 - Neste sentido, vide Ac. TRL, de 28/01/2016, in www.dgsi.pt, Ac.TRC, de 14/05/2015, in www.dgsi.pt, Ac. TRC, de 11/12/2012, in www.dgsi.pt.
18- Posto isto, e salvo melhor opinião em contrário, entendemos que a decisão recorrida, violou as disposições constantes nos art. 24º, n.º1, 69º, n.2 1 e 2, da CRP, bem como os artigos 1º e 3º, da Lei n.º 75/98, de 19/11,
19° pelo que, deve a decisão recorrida, ser revogada e substituída por outra que reconheça verificado o incidente de incumprimento por parte do Requerido, no tocante ao pagamento da pensão de alimentos devidos à filha menor; julgue verificada a impossibilidade de cobrança dos mesmos, pelos meios previstos no art. 48º, do RGPTC e, seja acionado o FGADM.

Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, propugnando pela
improcedência da apelação.

Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir é a de saber se, encontrando-se o obrigado à prestação de alimentos a menor ausente no estrangeiro, em paradeiro desconhecido, sendo inviável efectivação da prestação e alimentos nos termos do artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, tal determina o arquivamento dos autos de incumprimento.

OS ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO SÃO OS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO QUE ANTECEDE.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Dispõe o artigo 1º da Lei nº 75/98 de 19.11, com a epígrafe «Garantia de Alimentos devidos a menores» que «1. Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação».
O pagamento de tais prestações, nos termos do artigo 6º nº 2, da mesma Lei, é assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores. Tal Lei nº 75/98 veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n2 164/99 de 13.05, o qual dispõe no seu Artigo 3.º, com a epígrafe «Pressupostos e requisitos de atribuição» que:
«1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.2 do Decreto-Lei n.2 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.»
O mencionado artigo 189º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro dispunha sobre os meios de tornar efectiva a prestação de alimentos, nos seguintes termos:
«1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte:
a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente;
b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2 - As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.»
Actualmente, dispõe o artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível ( RGPTC, Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro), nos seguintes termos: «1 - Quando a pessoa judicialmente
obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento,
observa-se o seguinte: a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública; b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário; c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários. 2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las.»
Assim, não sendo possível efectivar a prestação de alimentos pelos meios identificados no referido artigo 48º do RGPTC, verificados os demais pressupostos a que alude o artigo 3º, nº 1, do DL. 164/99 de 13 de Maio, cabe ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, assegurar o pagamento das prestações de alimentos.
Na situação em apreço, sendo desconhecido o paradeiro do obrigado a prestar alimentos, o qual de acordo com informação prestada pela requerente foi deportado para a Guiné-Bissau, onde residirá, em local que a requerente desconhece, não é possível, como refere a decisão recorrida, accionar os mecanismos do artigo 48º do RGPTC.
O que cabe aferir é se, residindo o devedor em país estrangeiro, deverá esgotar-se, ainda, designadamente por via do recurso aos mecanismos de cobrança de alimentos no estrangeiro, as possibilidades de efectivação de tal prestação pelo requerido e apenas depois de lançar mão de tais mecanismos e comprovada a impossibilidade de obter tal pagamento, se poderá accionar o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Considerou a decisão recorrida, depois de determinar o arquivamento do processo, dever notificar-se a requerente para se dirigir à DGAJ, com vista a ser accionado pela mesma
«os mecanismos previstos na Convenção de Nova Iorque para cobrança da pensão de alimentos fixada a favor do filho menor, uma vez que o requerido vive e trabalha no estrangeiro», informação esta ( de que trabalha no estrangeiro), que não se encontra comprovada ou sequer indiciada nos autos, que são omissos tal propósito.
Esta Convenção, aprovada em Portugal, para adesão, pelo Decreto-Lei n.º 45942, de
28.9.1964, resultou da necessidade de resolver um «problema humanitário que se levanta para as pessoas carecidas de alimentos cuja tutela legal se encontra no estrangeiro.». Considerou a mesma que «a instauração de acções de alimentos ou a execução das decisões no estrangeiro dá lugar a grandes dificuldades legais e práticas.», tendo como pretensão «prever os meios que permitam resolver estes problemas e superar tais dificuldades.»
Dispõe, no seu artigo 1.º «1. A presente Convenção tem por objecto facilitar a uma pessoa, designada aqui como credora, que se encontra no território de uma das Partes Contratantes, a prestação de alimentos a que se julgue com direito em relação a outra, designada aqui como devedora, que está sob a jurisdição de outra Parte Contratante. Os organismos que serão utilizados para este efeito são designados por autoridades expedidoras e instituições intermediárias. 2. Os meios de direito previstos na presente Convenção completam, sem os substituir, todos os outros existentes em direito interno ou em direito internacional.»
Residindo o devedor de alimentos em paradeiro desconhecido no estrangeiro, deverá accionar-se esta Convenção e só comprovada a impossibilidade de efectivação da prestação de alimentos com recurso aos mecanismos previstos na mesma, caberá fazer intervir o Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores?
A resposta é negativa.
De facto, nem a Lei 75/98 tal prescreve, nem o Decreto-Lei 164/99 que a regulamenta tal prevê, bastando-se com a impossibilidade de obter a satisfação das quantias em divida pelas formas previstas no artigo 1892 do DL 314/78 de 27.10, a que corresponde o actual 48º do RGPTC.
Fazer depender o accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, da verificação de impossibilidade de cobrança dos alimentos ao abrigo da Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, ou de outros quaisquer mecanismos conferidos pelo direito internacional, é exigir mais do que a lei estatuí e é conferir às normas que prevêem a intervenção de tal Fundo uma interpretação que as mesmas não consentem.
A Lei 75/98 e o D.L. 164/99 que a regulamenta, apenas prevêem como pressuposto da intervenção do Fundo a impossibilidade de cobrança de alimentos por via do desconto no vencimento, rendas, pensões, subsídios, comissões.
Aliás, a Lei 75/98 faz depender a sua aplicação da residência do menor em território nacional (artigo 1º, nº 1), independentemente do local de residência do devedor de alimentos.
Acresce que, como decorre do artigo 1º, nº 2. da Convenção, os meios de direito previstos na mesma completam, sem os substituir, todos os outros existentes em direito interno ou em direito internacional.
Sendo desconhecido o paradeiro do devedor de alimentos, dificilmente se conseguiria, sequer, dar cumprimento ao preceituado na referida Convenção. A requerente desconhece o local de residência do requerido e nas diligências que efectuou o tribunal recorrido, «face à ausência de elementos de identificação do progenitor (..) reportou 27 resultados e nenhum diz respeito ao requerido» ( pag. 23).
Pretendendo a Convenção imprimir «urgência na solução do problema humanitário que se levanta para as pessoas carecidas de alimentos cuja tutela legal se encontra no estrangeiro.», não se alcança como concretizar o pagamento de alimentos, dando-se guarida atempada a tal direito, considerando a previsível frustração das diligências a realizar.
«Assim, um instrumento jurídico internacional criado para reforçar os direitos do credor de alimentos não pode, afinal, constituir obstáculo à promoção desses direitos.
Ou seja, face à necessidade concreta da perceção dos alimentos por parte do menor, a invocação da aludida Convenção só faz sentido se ela se apresentar como meio efetivo e concreto de obtenção dessa prestação por parte do devedor.», pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.01.2016.1 Refere-se nele, ainda: «Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo o tribunal de família e menores sido chamado a diligenciar pelo cumprimento de uma decisão que reconhecera o direito do menor à prestação de alimentos por parte do seu progenitor, não pode demitir-se de tal função, remetendo-o para meios cuja viabilidade de sucesso, em tempo útil, não está razoavelmente demonstrada.».
Sufragamos integralmente tal entendimento.
Nada obsta, todavia, a que tal Convenção seja accionada, em complemento das diligências tendentes à verificação dos pressupostos para a satisfação pelo Fundo das prestações devidas e que, resultando de tais diligências o paradeiro do requerido, seja o Fundo reembolsado pelo mesmo das quantias que entretanto venha a pagar (6º, nº 3, da Lei 75/98 e artigo 5º do DL 164/99).
Nestes termos, tem que proceder a apelação, revogando-se a decisão recorrida, cabendo ao Tribunal recorrido dar prosseguimento aos autos.

DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e em revogar a sentença recorrida.
Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 26-07-2017
Carla Câmara
Higina Castela
José António Capacete
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