Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 13-07-2017   Alimentos a filho por parte de progenitor preso. Equidade. Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor.
Não estando demonstrada uma situação de impossibilidade definitiva de o progenitor prestar alimentos ao menor - e a prisão preventiva não tem esse carácter de definitividade - se deverá, lançando mão da equidade, fixar um quantitativo, face às necessidades do alimentando, para que, assim, verificada que seja a não satisfação de alimentos da parte do progenitor, se possa desencadear a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.
Proc. 1081/15.8TVD-D.L1 2ª Secção
Desembargadores:  Tibério da Silva - Ezaguy Martins - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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PROC. N° 1081/15.8TVD-D.L1
2ª Secção
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I
No Proc. de Alteração das Responsabilidades Parentais n° 1081/15.8T8TVD, pendente na Comarca de Lisboa Norte, Torres Vedras-Inst. Central – 2ª Sec., F. Men. - J1, relativo ao menor G..., nascido a 05-03-2009, filho de L... e de D..., foi, na Conferência de Pais datada de 15-12-2015, estabelecido o seguinte regime provisório (com destaque nosso):
«1. Dado que o progenitor se encontra preso preventivamente, o menor Gonçalo Alexandre ficará a residir com a mãe sendo a mesma responsável pelos atos da vida corrente do menor e ainda responsável exclusivamente quanto aos atos de particular importância para a vida do mesmo.
2. Nos próximos 3 (três) meses o menor poderá estar com os avós paternos nos dias hora e horas a acordar previamente entre a mãe e os mesmos.»
Na Conferência de pais e avós paternos ocorrida em 14-03-2016, foi fixado o seguinte regime provisório:
«O menor poderá estar com os avós paternos através de supervisão da Segurança Social, em regime a ser calendarizado pela mesma, após audição da progenitora e dos avós paternos.»
O progenitor veio, como se retira de fls. 7 e 8 deste traslado, dizer, entre o mais, que continua preso preventivamente, não tendo rendimentos que lhe permitam suportar qualquer valor, a título de alimentos, relativamente ao filho menor.
Em 20-06-2016, a progenitora veio apresentar requerimento, solicitando a fixação de um valor provisório, a título de prestação de alimentos, defendendo a necessidade dessa prestação, como forma, em último caso, de desencadear o accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, citando, a propósito, o Ac. do STJ de 22-05-2013.
Foi, em 01-07-2016, proferido o seguinte despacho:
«Fls. 239 - A progenitora L... veio requerer que o Tribunal fixe uma quantia a título de alimentos provisórios.
O progenitor encontra-se preso preventivamente.
O mesmo foi notificado da possibilidade de proceder ao pagamento de alguma quantia e respondeu que não tem capacidade para prestar alimentos ao filho por se encontrar preso (cfr. fls. 40 e 117).
O Ministério Público promoveu no sentido de, neste momento, não existirem elementos que permitam fixar um regime provisório a título de pensão de alimentos.
Por ora, com vista a apurar se o requerido se encontra a auferir alguma quantia no Estabelecimento Prisional, notifique o Diretor do EP onde o mesmo se encontra para que informe, com a brevidade possível, se está a ser paga alguma quantia ao requerido por trabalhos/serviços que o mesmo preste nesse estabelecimento.»
Foi obtida a resposta constante de fls. 20, dando-se conta de que o recluso não se encontra a trabalhar, dispondo actualmente da quantia de 1,81€ no Fundo
de Uso Pessoal (FUP).
Foi ainda prestada a informação de fls. 21, no sentido de não ser possível
garantir que o recluso em apreço venha, em algum momento da execução da pena, a poder exercer função laboral remunerada, sendo que, aquando das funções laborais, os reclusos auferem €2,10 por dia.
Em 09-11-2016, foi proferida decisão, na qual se concluiu que:
«(...) dado o progenitor do menor estar preso e no EP não exercer qualquer trabalho remunerado, estando o trabalho prisional preferencialmente vocacionado para reclusos condenados, dependente da avaliação do percurso dos reclusos e, neste momento, o progenitor não reunir requisitos para o efeito de poder prestar função laboral remunerada no âmbito prisional, entendemos que se encontra demonstrada a impossibilidade do progenitor poder contribuir com uma prestação de alimentos, pelo que, se indefere o requerido que seja fixado a título provisório uma prestação de alimentos a favor do menor G..., sem prejuízo da progenitora poder instaurar, enquanto a situação da detenção do progenitor perdurar, uma ação para fixação de alimentos em relação a algum dos familiares indicados no art.º 2009.° do Código Civil.»
Inconformada com esta decisão, dela recorreu a progenitora, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«1 - O dever de alimentos aos filhos menores é um verdadeiro dever fundamental dos progenitores, directamente decorrente do artigo 36.° da Constituição da República Portuguesa.
2 - O regime imposto pelo artigo 1878.º do Código Civil obriga legalmente os pais a velarem pela segurança e saúde dos filhos, assim como, proverem ao seu sustento.
3 - Só com a fixação de alimentos se respeitam os superiores interesses dos menores e se cumprem os princípios consagrados na lei fundamental (nº 5 do artigo 36 e 69 da Constituição da república Portuguesa) e decorrentes do direito comum.
4 - Não deverão ser accionados outros obrigados a prestar alimentos ao menor conforme dispõe o artigo 2009.° do Código Civil, enquanto não for fixada a prestação de alimentos a cargo do principal obrigado e mesmo não cumprir tal obrigação, sendo que a não ser fixada impede o accionamento do FGADM,
5 -Deve fixar-se alimentos a favor do menor mesmo não tendo o progenitor temporariamente capacidade de os prestar, permitindo a constituição de uma obrigação, tornando possível a sua exequibilidade num momento posterior.»
Termina, dizendo que deverá ser revogada a decisão, fixando-se uma prestação de alimentos mensal a favor do menor G....
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo o seguinte:
«1- A fixação de alimentos para os efeitos do n° 1 do art° 1878 do CC, tem de obedecer aos requisitos do n° 1 do art° 2004 do CC.
2- O requerido encontra-se recluso em EP que certifica que o mesmo não reúne condições para o desempenho de actividade laborai ou profissional em meio prisional e que possui neste momento de FUP o valor de 1,81 €.
3- A requerente não comprovou nos autos nem forneceu para os mesmos, elementos que permitam concluir que o requerido tenha outros rendimentos que lhe permitam comparticipar nas despesas inerentes ao quotidiano do filho de ambos.
4- Está provado nos autos que requerido não possui capacidade para o exercício de função laboral remunerada, por motivos que não dependem da sua vontade.
5- Os interesses do G..., neste concerne, podem ser acautelados através do uso do mecanismo do art4 2009 do CC.
6- A decisão prolatada regeu-se pelos normativos citados .
7- Não padecendo de qualquer vício ou irregularidade.
8- Razão pela qual deve ser mantida, por imposição legal.
9- Confirmando-se a decisão ora recorrida.
10- Negando-se provimento ao recurso.»
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão central, in casu, a de saber se, estando o menor confiado à guarda da mãe e estando preso preventivamente o progenitor, não deverá fixar-se, tendo em conta a situação deste, uma prestação de alimentos ao menor.
II
Na decisão recorrida, teve-se em conta a seguinte base factual:
O requerido D..., pai do menor G..., encontra-se preso preventivamente no EP de Setúbal, tendo em 15.12.2015 sido fixado por despacho o regime provisório de alteração das responsabilidades parentais no qual o menor ficou a residir com a mãe sendo a responsável pelos atos da vida corrente do menor e ainda a responsável exclusivamente quanto aos atos de particular importância para a vida do mesmo (cfr. fls. 73 e 74, 40 e 117).
Não foi no âmbito desse regime fixado qualquer quantia a título de pensão de alimentos.
Por decisão homologatória de 20.7.2010 da Conservatória do Registo Civil de Cascais o menor tinha ficado a residir com o pai e a progenitora a contribuir com o pagamento da quantia de 75,00€ a título de pensão de alimentos ao menor (cfr. fls. 14 a 18).
Neste momento, o progenitor do menor continua preso e no EP não exerce qualquer trabalho remunerado (cfr. fls.146), estando o trabalho prisional preferencialmente vocacionado para reclusos condenados, dependente da avaliação do percurso dos reclusos e, neste momento, o progenitor não reúne requisitos para o efeito (cfr. fls. 157)
III
Na sentença recorrida, ponderou-se, entre o mais, o seguinte:
«A obrigação de o progenitor pagar alimentos ao filho prevista nos arts. 1874° n°2 e 1878° n°1 do C. Civil, como obrigação com fonte legal que é, deve ser articulada com o disposto no capítulo das disposições gerais relativas aos alimentos previstas nos arts. 2003° a 2014° do C. Civil.
Tal é o que decorre desde logo do disposto naquele art. 2014°, nos seus n°s 1 e 2, que pressupondo a aplicação de tal regime às obrigações de alimentos previstas no art. 2009° - onde se inclui, como ascendente, a do pai em relação ao filho - manda ainda aplicar tais disposições à obrigação alimentar que tenha por fonte um negócio jurídico (n° 1) e a todos os outros casos de obrigação alimentar imposta por lei (n° 2).
Deste modo, é aplicável à obrigação de alimentos por parte do progenitor prevista naqueles arts. 1874° n°2 e 1878°n.º 1 do C. Civil o disposto no art. 2004° n° 1 do mesmo diploma.
Como se dispõe neste preceito, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los.
Ora, está provado que o requerido - porque está detido em estabelecimento prisional e não tem qualquer rendimento - não tem meios que lhe permitem prestar qualquer pensão de alimentos, parece-nos óbvio que, enquanto se mantiver tal situação, falta o pressuposto (existência de meios) para fixar o seu montante e a obrigação de os pagar.
Em reforço deste entendimento, veja-se o disposto no art. 2013° n°1 b) do C. Civil, onde se prescreve que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los - efetivamente, se a obrigação de prestar alimentos cessa quando o devedor não pode continuar a prestá-los, há-de concluir-se (por maioria ele razão) que não deverão ser fixados alimentos quando esteja demonstrada a sua impossibilidade de os prestar, obrigação que certamente não iria, nem podia, cumprir (nos exatos termos aqui referidos, veja-se Tomé d' Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, Quid Juris, 2009, pág. 163).
Será porém que, não obstante tal situação, ainda assim é de fixar a prestação de alimentos, para se poder provocar a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores criado pela Lei 75/98 de 19/11, a qual foi regulamentada pelo Dec, Lei 164/99 ele 13/5?
Entendemos que não.
A intervenção de tal Fundo, como decorre dos arts. 1° e 2° n°2 da Lei 75/98 e do art. 3° n°1 a) e nº 3 do Dec. Lei 164/99, tem natureza subsidiária, na medida em que pressupõe a prévia fixação judicial de uma prestação de alimentos.
Por sua vez, a fixação judicial ela prestação de alimentos pressupõe a acima referida existência de meios por parte do titular da obrigação de os prestar.
Logo, não existindo meios por parte do obrigado, não se pode fixar a prestação de alimentos e, por isso, não poderá fazer-se intervir aquele Fundo.
Se também estivesse traçado para estes casos referidos por último, tal regime preveria ou permitiria logo a demanda, chamada ou intervenção inicial do Fundo, sem necessidade de, falaciosamente, se exigir a fixação dos alimentos a uma pessoa que já se sabe que não tem qualquer possibilidade económica de os pagar.».
A Recorrente defende, como ressalta das suas conclusões, que o dever de alimentos aos filhos menores é um verdadeiro dever fundamental dos progenitores, directamente decorrente do artigo 36.° da Constituição da República Portuguesa; que o regime imposto pelo artigo 1878.° do Código Civil obriga legalmente os pais a velarem pela segurança e saúde dos filhos, assim como, proverem ao seu sustento e só com a fixação de alimentos se respeitam os superiores interesses dos menores e se cumprem os princípios consagrados na lei fundamental (n.° 5 do artigo 36° e 69° da Constituição da República Portuguesa) e decorrentes do direito comum, não devendo ser accionados outros obrigados a prestar alimentos ao menor, conforme dispõe o artigo 2009.° do Código Civil, enquanto não for fixada a prestação de alimentos a cargo do principal obrigado e mesmo não cumprir tal obrigação, sendo que, a não ser fixada, impede o accionamento do FGADM.
O Ministério Público pugna pela manutenção da sentença, com a mesma base de argumentos da decisão recorrida.
O caso tem sido discutido na doutrina e jurisprudência, conforme se retira dos elementos citados na sentença.
A Recorrente citou, nas suas alegações, o Ac. do STJ de 22-05-2013, proferido no Proc. 2485/10.8TBGMR.GI.S1, Rel. Gabriel Catarino, publicado em www.dgsi.pi, em cuja sumário se exarou o seguinte:
«I - A lei estabelece uma obrigação legal, a cargo dos pais, de contribuírem para o sustento dos filhos, a qual decorre do estabelecimento de uma relação natural ou biológica constituída e tutelada pelo direito, a relação paternal.
II - Independentemente do interesse do menor e para além dele, a lei constitui uma obrigação de prestação de alimentos que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores, não colhendo a tese de que não tendo o progenitor condições económicas para prover ou materializar o conteúdo do direito definido, se deva alienar o direito e aguardar pela superveniência de um estado económico pessoal que lhe permita substanciar, no plano fáctico-material, a exigência normativa que decorre da sua condição de progenitor.
III - A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua.
IV - É pressuposto necessário, etapa prévia indispensável da intervenção subsidiária do FGADM, que a pessoa visada, para além de estar vinculada por lei, à obrigação de alimentos, tenha ainda sido, judicialmente, condenada a prestá-los ao menor, em consequência de uma antecedente decisão, mesmo que não transitada em julgado.
V - A abstenção ou demissão do tribunal da obrigação/dever de definir o direito a alimentos, que é medida e equacionada em função das necessidades do menor e das condições do obrigado à prestação, conduzirá a uma flagrante e insustentável desigualdade do menor perante qualquer outro, que tenha obtido uma condenação do tribunal ao pagamento de uma prestação alimentar e que o obrigado, inicialmente capaz de suportar a prestação, deixou momentaneamente de a poder prestar.»
De acordo com o disposto no art. 1878°, n°1, do C. Civil, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Nos termos do art. 36°, n°s 3 e 5 da CRP, os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos (3) e têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos (5).
Conforme se exarou no Acórdão citado:
«O dever irrefragável e inafastável que recai sobre os pais de contribuírem para o sustento dos filhos, não pode ceder à argumentação da impossibilidade de averiguação do tribunal do qualitativo com que, ou com quanto, deve contribuir. Constituem-se patamares de diversa qualificação e parametrização o dever dos pais e o correlativo direito dos filhos a prestar alimentos e a exigi-los, respectivamente, da quantificação que esse dever deve ou pode ser exigido em cada situação ou em cada momento.
[...]
Não colhe a tese de que não tendo o progenitor, considerado devedor da prestação alimentar, condições económicas para prover ou materializar o conteúdo do direito definido, se deva alienar o direito e aguardar por superveniência de um estado económico pessoal que lhe permita substanciar, neste plano fáctico¬material, a exigência normativa que decorre da sua condição de progenitor e, pour cause, obrigado a contribuir para um dos segmentos em que se desdobra e completa a responsabilidade parental.».
No Ac. do STJ de 27-09-2011 (Rel. Gregório de Jesus), Proc. 4393/08.3TBAMD.LI.S1, também publicado em www.dgsí.pt e mencionado no aresto a que nos vimos referindo, vincou-se que:
«[...] a essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua.»
Ainda no Ac. do STJ de 22-05-2013, é referido que «uma das concretizações mais marcantes deste direito fundamental dos filhos menores à prestação alimentar, por parte dos seus progenitores, encontra-se na instituição pelo Estado de uma prestação social substitutiva, com vista ao reforço da protecção social dos menores carenciados, expressa no regime do Fundo de Garantia de Alimentos
Devidos a Menores, constante da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio.» e pondera-se, seguidamente, em que «não tendo sido fixada a prestação de alimentos, a cargo do requerido, na sentença que regulou o exercício do poder paternal, não pode o Fundo de Alimentos Devidos a Menores assegurar o pagamento de prestações alimentares que, oportunamente, não foram estabelecidas, 'a pretexto da sua carência económica, o que seria susceptível de vedar ao filho carenciado o acesso a tal prestação social, com o argumento de que não existiria pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor.'»
Dispõe-se no nº1 do art. 14 da lei n° 75/98, de 18-11:
«1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação».
Partindo-se do preceituado no art. 2004, nº1, do C. Civil (no qual se preceitua que Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los), afirmou-se, no aresto em apreço, que, não possuindo o pai condições económicas, por razões de ordem familiar, que lhe facultem materializar o direito à prestação alimentar, nem por isso o órgão encarregado de determinar e definir o direito se poderá abster de afirmar a existência desse direito, no presente, permitindo a constituição de uma obrigação que, não podendo ser logo executada, possibilite, a sua exequibilidade em momento posterior, ou quando existirem condições económicas para a prestação poder ser efectivamente concretizada.
De outro modo - também se refere neste Acórdão - ficarão os menores desprotegidos, deixados às contingências de apoios de familiares e amigos. E criar-se-ia uma situação de desigualdade relativamente a outro menor que tenha obtido uma condenação do tribunal ao pagamento de uma prestação alimentar que o obrigado, inicialmente capaz de suportar, deixou momentaneamente de poder satisfazer.
No que tange ao que prescreve o art. 2004° do C. Civil quanto à medida de alimentos, tendo em conta as possibilidades de quem tenha de os prestar, refere-se no Acórdão o seguinte:
«Argumentar-se-á que prescrevendo o artigo 2004.º do Código Civil que os alimentos devem ser medidos e proporcionados à capacidade do obrigado à prestação, então não tendo este possibilidades não devem ser atribuídos ou fixados alimentos.
A este raciocínio (silogístico primário) repontar-se-á que o artigo 2004.º do Código Civil só estabelece os critérios da fixação da prestação de alimentos e não a determinação e definição de quem a ele tem direito. Deixar-se-ia de cumprir um dever jurisdicional se se deixasse de definir o direito do menor aos alimentos, com o argumento que não se tem possibilidade de determinar quantitativamente esse direito ou de se definir a medida do direito. A medida ou a quantificação da prestação alimentar é uma consequência da definição de um direito, neste caso do direito a alimentos. Só depois de se definir que o menor tem direito a alimentos a que se poderá derivar e sequenciar para a sua quantificação.»
Já no Ac. do STJ de 12-07-2011 (Rel. Helder Roque), Proc. 4231/09.OTBGMR.GI.S1, igualmente publicado em www.dgsi.pt, se tinha considerado que:
«Ao fixar a medida dos alimentos devidos a menores, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor actual dos rendimentos, no momento e, conjunturalmente, auferidos pelo obrigado (...)».
Considera-se, neste aresto, que há que ter em conta factores como a capacidade laboral futura do obrigado a alimentos.
Deve, assim, o Tribunal «definir se o menor tem direito a alimentos e de acordo com as respectivas necessidades, atribuir um montante, tendo em consideração, com ponderação e recurso a critérios de equidade» (ainda o citado Ac. do STJ de 22-05-2013)
No caso que nos ocupa, está o progenitor preso preventivamente, estando o menor à guarda da mãe. Ora, não estamos perante uma situação de incapacidade definitiva para prover ao sustento do menor por parte do progenitor, legalmente obrigado a isso, tal como sucede com o pai que esteja momentaneamente (e, às vezes, como é sabido, por largo tempo) desempregado e, por isso, impedido de prestar alimentos ao filho, o que não tem obstaculizado, de acordo com muita jurisprudência, a que se fixe uma prestação alimentícia (veja-se, a título de exemplo, o Ac. da R.C. de 24-03-2015 (Rel. Jorge Arcanjo), Proc. n° 1014/08.8TMCBR-M.C1, em no qual se refere ser essa a posição maioritária da Relação de Coimbra «porque, em síntese, se trata de um direito fundamental e irrenunciável dos menores e a intervenção do FGADM (Lei 11° 75/98 de 19/11) pressupõe a prévia condenação do obrigado a alimentos», aí citando Remédio Marques, no sentido de que, em casos que tais, não terá lugar a aplicação do art. 2004º, n°1, do C. Civil). E acrescenta-se, nesse aresto:
«O princípio da proporcionalidade (art.2004 n°1 CC) contende com a medida da obrigação e não com a obrigação propriamente dita, devendo intervir depois de salvaguardado o limite mínimo da obrigação de alimentos que incumbe ao progenitor, independentemente das suas condições sócio-económicas,
indispensável à sobrevivência e desenvolvimento do menor (superior interesse).».
Considera-se, de acordo com esta linha jurisprudencial, que, não estando demonstrada uma situação de impossibilidade definitiva de o progenitor prestar alimentos ao menor - e a prisão preventiva não tem esse carácter de definitividade - se deverá, lançando mão da equidade, fixar um quantitativo, face às necessidades do alimentando, para que, assim, verificada que seja a não satisfação de alimentos da parte do progenitor, se possa desencadear a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.
IV
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos termos necessários à atribuição de uma pensão alimentícia ao menor, por parte do progenitor.
- Sem custas.
Lisboa, 13-07-2017
(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
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