Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 22-06-2017   Insolvência qualificada como culposa. Grau de culpa.
1 - A insolvência de uma sociedade comercial deve forçosamente ser qualificada como culposa quando provada factualidade subsumível à previsão de qualquer uma das als. do n° 2 do art. 186° do GIRE.
2 - Sendo a insolvência qualificada como culposa, deve o juiz na sentença identificar necessariamente quais as pessoas/administradores afectadas por tal qualificação e, sendo várias e existindo subjacente factualidade pertinente , fixar o respectivo grau de culpa ;
3 - A fixação do grau de culpa referida em 5.2., não pode deixar de ter efeitos no âmbito de graduação/diferenciação das medidas aplicadas aos afectados pela insolvência qualificada como culposa, de acordo com as alíneas b) e c), do n° 2,do art° 189°, do CIRE .
Proc. 12803/14.4T8LSB-B.L1 6ª Secção
Desembargadores:  António Manuel dos Santos - Francisca da Mata Mendes - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Processo n° 12803/14.4T8LSB-B.L1
Apelação em processo comum e especial (2013)

ACORDAM OS JUIZES NA II SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. - Relatório.
Na sequência da prolação pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Barreiro, 2a Sec. , de sentença - em 30/1/2015 - de declaração judicial como insolvente de M..., Lda. veio um dos credores
reclamantes - S... - requerer [ ao abrigo do n°1, do art° 188°, do CIRE ] que a insolvência seja qualificada como culposa, para tanto considerando resultar dos autos factualidade que integra a previsão das alíneas a), b), d), e), f) e h) , todas do n.° 2 , do Artigo 186°, do CIRE,
1.1.- Também o Administrador da Insolvência, ao abrigo do disposto no art. 188°, n.° 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( doravante designado apenas por CIRE), veio apresentar parecer fundamentado, nele concluindo pela formulação de uma proposta no sentido de a insolvência decretada dever ser qualificada como culposa [ justificando o referido parecer ao considerar que dos autos resultavam indícios que permitem integrar a insolvência nas situações previstas nas als. b) e i) , do n.°2 , do artigo 186° do CIRE.
1.2 - Já o Ministério Público, pronunciando-se sobre o parecer do Exm° Administrador da insolvência, veio pugnar pela qualificação da insolvência como culposa, pois que, dos elementos recolhidos nos autos, pertinente era considerar verificados os pressupostos de facto das alíneas b), d), e) e f) , todas do n.°2 do artigo 186° do CIRE.
1.3. - Citados os Ex-representantes legais da insolvente R..., M... e D... [requeridos e indicados corno sendo aqueles que deviam ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa], apresentaram todos, em conjunto, oposição à impetrada qualificação da insolvência como culposa, pugnando pela sua qualificação como meramente fortuita.
Para tanto, e no essencial, deduziram oposição por impugnação motivada, considerando não resultarem dos autos a prova de quaisquer factos susceptíveis de integrarem a previsão das alíneas b), d), e f), todas do n.°2 do artigo 186° do CIRE.
1.4.- Proferido despacho saneador, tabelar, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, peças estas que não foram objecto de qualquer reclamação e, designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, veio a mesma a iniciar-se a 9/11/2016 e a concluir-se em 8/2/2017, tendo os respectivos trabalhos decorrido (em razão do teor das respectivas actas) com observância dos formalismos legais devidos.
1.5. - Por fim, conclusos os autos - em 24/2/2017 - para o efeito, foi proferida a sentença, cujo excerto decisório é do seguinte teor :
(...)
IV. Dispositivo
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Qualificar a insolvência de M..., Lda., como culposa;
b) Julgar afectados pela qualificação da insolvência como culposa R.... M... e, na qualidade de herdeiros de D..., D..., I... e J... ;
c) Decretar a inibição de R... e de M... para administrar patrimónios de terceiros por um período de três anos;
d) Decretar a inibição para o exercício do comércio de R... e de M... pelo período de três anos, bem como, pelo mesmo período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
e) Determinar a perda de quaisquer créditos que os afectados tenham sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condenar os mesmos na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
,9 Condenar R... e M... em indemnização aos credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património ;
g) Condenar, na qualidade de herdeiros de D..., R..., D..., I... e J..., em indemnização aos credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do património da herança.
Custas pela massa insolvente, nos termos do disposto nos artigos 303.° e 304. ° do GIRE.
Registe e notifique.
Após trânsito, cumpra o disposto no n.° 3 do artigo 189. °, do C1 RE, comunicando à Conservatória respectiva, para registo.
Barreiro, 16-03-2017
1.6. - Inconformados com a sentença identificada em 1.5., da mesma apelaram então R... e M..., apresentando os recorrentes na respectiva peça recursória as seguintes .
1) Deve ser alterada a redacção do facto Provado n° 6 ;
2) Deve ser eliminado do facto provado n° 25 ,por contradição com os factos provados n° 37, 38, 39 e 40 , o seguinte: « sem qualquer contrapartida para a insolvente, nomeadamente sem qualquer compensação pelas prestações já pagas, no valor de cerca de € 50.000,00»;
3) Deve ser aditado ao facto provado n° 12 « dava instruções e ordens ao administrador e trabalhadores de M... sobre o funcionamento do laboratório»; Depoimento gravado em CD audio cod 09.11.2016, inicio 12.03.35, M... aos 112' 38 e Depoimento gravado em CD audio cod 09.11.2016, N... a 04' 32;
4) Deve ser dado por provado o facto Não Provado com o n° 13 com a seguinte redacção: «A. R.... Lda, pagou € 356.855, 75 relativos a salários e antiguidade dos ex-trabalhadores de M..., Lda, que a demandaram judicialmente na qualidade de sócia daquela, nos Tribunais de Trabalho de Évora e Barreiro»;
5) O Tribunal a quo não se pronunciou ( não tendo dado como não provados nem como provados) sobre factos articulados e a acta n° 65 de 27 de Abril 2012 - junta aos autos com a oposição- relativos ao exercício não remunerado da gerência da insolvência por parte do apelante R..., que deve ser dado como provado;
6) O Tribunal a quo não se pronunciou ( não tendo dado como não provados nem como provados) factos articulados e provado por documento que: « B..., Aparelhos e Reagentes de Laboratório, Lda, para além de suspender o fornecimento, intentou contra M..., Lda uma injunção para cobrança da quantia de €230.654,56 ( duzentos e trinta mil, seiscentos e cinquenta e cinquenta e seis cêntimos), que corre termos no Tribunal Cível da Comarca do Montijo , Proc. n° 72027/12.2YIPRT» pelo que deve ser dado como facto provado;
7) Deve ser dado com provado, aditando ao facto provado n° 20, que «se despediram 27 trabalhadores de M..., Lda, e os restantes 21 foram integrados no A. R..., Lda». Depoimento gravado em CD audio cod 09.11.2016, inicio 12.03.35, M... aos 46' 04
8) Na sentença do Tribunal a quo são dois os motivos da qualificação: transferência de facturação para outra sociedade e a aquisição de um veículo BMW, pelo valor de cerca de €200.000,00 quando já havia salários em atraso;
9) O valor total das análises realizadas no dia 6 de Novembro de 2013, pelos documentos juntos com a p.i., foi de € 17,40 ( dezassete euros e quarenta cêntimos). Nada mais foi provado;
10) A facturação de M..., Lda, em 2011/2012 passou a englobar a facturação do laboratório G..., Lda, de Évora e do laboratório R..., Lda (facto provado n° 34), que assumiu a realização das análises a cargo destes laboratórios, bem como integrou os seus trabalhadores, assumindo a sua antiguidade (facto provado n° 35);
11) O Laboratório G..., Lda, e o Laboratório M..., Lda, e o Laboratório A, R..., Lda, já procediam, há vários anos, reciprocamente, a execução técnica de análises de colheitas(facto provado n° 36);
12) A sociedade A. R..., Lda, é sócia da insolvente ( facto provado n° 5) e nesta qualidade, foi demandada judicialmente na qualidade de sócio da insolvência no tribunal de Trabalho de Évora, proc. n° 331/14.2TTEVR, tendo pago a quantia de € 146.902,86 de salários em atraso e indemnizações de antiguidade dos ex-trabalhadores da insolvente, e no Tribunal de Trabalho do Barreiro, proc. n° 638/13.6TTBRR, na acção intentada por quinze trabalhadores da insolvente M..., Lda, tendo pago a quantia de € 209.952,87 de salários em atraso e indemnizações de antiguidade dos ex-trabalhadores da insolvente, conforme documentos nos autos;
13) Tal como a insolvente M..., Lda, integrou os trabalhadores e os trabalhos dos laboratórios G..., Lda, de Évora e do R..., Lda, também o sócio da insolvente A. R..., Lda, que os sustentava a todos, integrou nos seus quadros os trabalhadores de M..., Lda, em número de 21, que não invocaram justa causa de despedimento na insolvente;
14) Em Novembro de 2013, o Lab M..., Lda, não tinha a menor capacidade para efectuar análises, essencialmente porque não tinha trabalhadores -27 despediram-se e os 21 que ficaram foram integrados no R..., Lda. Depoimento gravado em CD audio cod 09.11.2016, inicio 12.03.35, M... aos 46'04:
15) Não se entende, com o Tribunal invoca a lógica de grupo e diz que houve desvio de análises, quando as facturas de análises apresentadas somam € 17,40;
16) Consta dos factos provados com os n° 37, 38, 39 e 40, que a renda inicial, a reserva, o seguro e demais encargos do contrato de locação do BMW foi pago mediante a entrega de um veículo de passageiros, propriedade da A..., S.A., as rendas posteriores foram pagas por entidades que não a insolvente, a partir de Abril de 2013, como se comprovou nos autos pela junção de catorze documentos de transferência bancária. No decurso do PER, o contrato de locação financeira foi transferido para outra sociedade;
17) A insolvente não teve qualquer prejuízo, pois não despendeu um cêntimo com o contrato de locação do veículo BMW;
18) A sentença não determina o grau de participação dos apelantes R... e F..., não refere o grau de responsabilização dos mesmos gerentes na insolvência.
19) D..., embora reformado e ter cessado as funções de gerentes em 27.07. 2012 ( Facto Provado n° 7 ), na prática era quem continuou a exercer, de facto, diariamente a gerência da sociedade insolvente( Factos Provados n° 7 e 8);
20) O recorrente R... Palma entrou para a gerência da insolvente após a cessação de funções de seu Pai ( facto provado n° 8) , limitava-se a transmitir as ordens e directivas do Pai, D... - (Facto Provado n° 10);
21) O recorrente em 16.11.2013 requereu em Juízo o PER (processo Especial de Recuperação) (Facto provado n° 1), tendo a insolvência foi decreta em 30.1.2015 ( Factos provados n° 2 e 3);
22) Entre o início de funções de gerente de Rui Palma e a declaração da insolvência decorreram 18 meses;
23) O recorrente R... foi catapultado para a gerência da sociedade sem qualquer formação ou treino específico, sem qualquer experiência anterior no exercício de funções, não tinha qualquer autonomia na tomada de qualquer decisão, e menos ainda poder contrariar a vontade e o querer do Pai, o verdadeiro e único gerente. Tudo o que havia a decidir era-lhe imposto por ordem do Pai, limitando-se a transmitir as ordens e directivas do Pai, D... ( Facto Provado n° 10). Depoimento gravado em CD audio cod 9.11.2016, N... a 1,03',30; Depoimento gravado em CD audio cod 09.11.2016, inicio 12.03.35, M... aos 10'51;
24) No facto provado 11, Maria F..., exercia funções na área da contabilidade e era a quem os funcionários desta área se reportavam. Nada mais.
25) Qual a intervenção da M... na gerência da insolvente? O Tribunal não o diz;
26) A sentença do Tribunal a quo ignorou factos públicos e notórios, as medidas tomadas pelo Ministério da Saúde com a publicação das Tabelas MCDT, em Setembro de 2011, na sequência do Memorando de Entendimento entre a República Portuguesa e a Comissão Tripartida CEBCE/FMI acordado para 2012 e 2013, o depoimento de várias testemunhas, da TOC que elaborou o Relatório, as Tabelas MCDT juntas com a oposição, e essencialmente do Estudo da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) que analisou o reflexo da aplicação das tabelas MCDT aos laboratórios de análises clinicas, e o reflexo que a entrada em vigor das mesmas tiveram no sector das análises clinicas ( Factos provados n° 29 a 34);
27) A facturação de M... só subiu com a incorporação do Laboratório G..., Lda e R..., Lda, tendo trabalhadores desses laboratórios passado para o M.A. Morgado que assumiu a antiguidade;
28) O A R..., Lda, foi demandado judicialmente na qualidade de sócio da insolvência no tribunal de Trabalho de Évora, proc° n° 331/14.2TTEVR, tendo pago a quantia de € 146.902,86 de salários em atraso e indemnizações de antiguidade dos ex-trabalhadores da insolvente, e no Tribunal de Trabalho do Barreiro, proc° n° 638/13.6TTBRR, na acção intentada por quinze trabalhadores da insolvente M..., Lda, tendo pago a quantia de € 209.952,87 de salários em atraso e indemnizações de antiguidade dos ex-trabalhadores da insolvente, conforme documentos nos autos.
29) Nas circunstâncias evidenciadas dos autos pela introdução das Tabelas MCDT que baixaram as receitas, em dois anos, em 74/prct., (36/prct./ano) a quebra de clientela, o aumento das taxas moderadoras, a quebra nas comparticipações, a crise nacional, foram factores inesperados que obrigaram os gerentes da insolvente a tomar todas as precauções e procuraram honrar os seus compromissos, pelo que não agravaram a situação de insolvência.
30) A sentença não determina o grau de participação dos apelantes R... e F..., não refere o grau de responsabilização dos mesmos gerentes na insolvência;
31) Tendo o Tribunal a quo dado como provado de que quem tomava as decisões de gestão da insolvente, mesmo após a sua renúncia á gerência, era o D..., qual era o papel na gestão da insolvente dos gerentes inscritos, R... e M..., não explicou criticamente qual a intervenção de cada um dos gerentes, qual o grau de culpa de cada um;
32) Não passavam de marionetas puras, como os próprios alegaram na oposição e o demonstraram todos os depoimentos, quer dos próprios quer das testemunhas;
33) A inibição aplicada é uma sanção excessiva, que nada nos autos a justifica aplicar-se a qualquer dos sentenciados, é uma injustiça a todos os títulos, face aos factos;
34) A insolvência é fortuita;
35) Não está demonstrado o nexo de casualidade entre a conduta incumpridora dos gerentes da insolvente, consistente na contribuição desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;
36) Não se verifica a factualidade integrativa das als. b), d), e) e O do n.° 2 do art.° 186.°do CIRE.
37) Mal andou o Tribunal a quo ao proferir sentença decretando a qualificação de insolvência como culposa por disposição de património a favor de terceiros;
38) Pelo que nenhuma factualidade provada nos presentes autos permite concluir que os apelantes agiram com culpa;
39) O Tribunal a quo fez errada interpretação do artigo 186.° n.°s 1 e 2 al. b), d), e) e f) do C.I.R.E., pelo que deve ser revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser a insolvência qualificada como fortuita;
40) A sentença é nula porquanto o M juiz a quo não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar (art.° 668.° n.° 1 alínea d) do CPC);
41) Assim se não entendendo, o que apenas por mera hipóteses académica se enuncia, deverão as penas de inibição ser revistas para o mínimo legal.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se que seja revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, seja a presente insolvência qualificada como fortuita ; assim se não entendendo deve ser reduzida ao mínimo legal as sanções aplicadas.
1.7.- Tendo sido apresentadas contra-alegações pela Credora S..., nas mesmas conclui a recorrida que se impõe a confirmação da sentença apelada, aduzindo que a sentença fez uma correcto julgamento de facto e de direito, não havendo violação de qualquer dispositivo legal.

Thema decidendum
1.8. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. art°s. 635°, n° 3 e 639°, n° 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no art° 5°, n°1 e 7°,n°1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se a saber :
a) Se a sentença apelada padece do vício de nulidade.
b) Se devem introduzir-se alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo ;
c) deve a sentença apelada ser revogada, sendo a insolvência qualificada como fortuita ;
d) Se as inibições aplicadas aos apelantes , porque excessivas, devem reduzir-se ao mínimo legal.

2. - Motivação de Facto.
Em sede de sentença, fixou o tribunal a quo a seguinte factualidade:
A) PROVADA.
2.1. - Em 16-11-2013, a sociedade M..., Lda. deu entrada em juízo de um processo especial de revitalização.
2.2. - Por decisão proferida em 18-06-2014, ultrapassado o prazo das negociações sem que tivesse sido possível alcançar um acordo com os credores, foi declarado o encerramento do PER, nos termos do artigo 17°-G, n.°1 do CIRE.
2.3. - Na sequência do parecer apresentado pelo Administrador Judicial Provisório, por sentença de 30-01-2015 foi declarada a insolvência de M..., Lda.
2.4.- A sociedade M.... Lda. foi constituída em 05-06-1975 e tem como objecto a exploração de um laboratório de análises clínicas.
2.5. - Com o capital social de €500.000,00, detido por M... - Sociedade Gestora de Participações Sociais. SA, com uma quota de €350.000,00 e por A..., Lda., com uma quota de €150.000,00.
2.6. - Na constituição foram designados gerentes: M... e D....
2.7. - Pela Ap. 5 de 22-07-2012 encontra-se registada a cessação de funções de gerente por renúncia à gerência de D....
2.8. - Pela Ap. 6 de 22-07-2012 encontra-se registada a designação como gerente de R....
2.9. Era D... quem tomava as decisões e quem dava ordens no topo da pirâmide, mesmo após a renúncia à gerência.
2.10. - Rui Palma exercia funções na área financeira, transmitia as directivas e ordens do pai, D....
2.11.- M... exercia funções na área da contabilidade e era a quem os funcionários desta área reportavam.
2.12.- A..., companheira de D..., exercia funções na A..., Lda..
2.13.- A sociedade A.... Lda. tinha como sócias a M..., SGPS, com duas quotas no valor total de 433000,00€ e a M... - Prestação de serviços Médicos, S.A., com uma quota de 180.000,00€.
2.14. - A insolvente, bem como as sociedades A..., Lda., M... SGPS e M... - Prestação de serviços Médicos, S.A. não apresentavam as suas contas consolidadas.
2.15. - Até ao ano de 2013 (a certidão comercial junta aos autos é desta data) foram sempre depositadas as contas da sociedade.
2.16. - Em 2012, a insolvente apresentou uma facturação de cerca de €2.943.000,00, custos operacionais no valor de cerca de €2.932.000,00, apresentando um resultado liquido positivo de cerca de € 10.000.00.
2.17. - Em 2012, a insolvente apresentou uma facturação de cerca de €3.184.000,00, custos operacionais no total de cerca de €3.144.00,00. apresentando um resultado liquido positivo de cerca de €33.000,00.
2.18. - Em 2013, a insolvente apresentou uma facturação de cerca de €2.480.000,00, custos operacionais no valor de cerca de €3.105.000,00, apresentando um resultado liquido negativo de cerca de €625.000,00.
2.19. - No início de Setembro de 2013, vários trabalhadores da insolvente tinham retribuições em atraso relativas aos salários de Junho, Julho e Agosto de 2013, bem como o Subsidio de Natal de 2011, 2012 e parte do subsídio de férias de 2013.
2.20. - Vários trabalhadores com tal fundamento efectuaram no início de Setembro ( 04-09-2013 ) a resolução com justa causa do seu contrato de trabalho.
2.21. - Em Julho de 2013, os gerentes da insolvente deram ordens aos seus trabalhadores para não adquirirem mais reagentes, sem os quais a sociedade não podia laborar.
2.22. - Algumas das análises clinicas realizadas pela insolvente foram facturadas em nome da sociedade A..., Lda. e as comparticipações do SNS e ADSE foram consequentemente entregues a esta sociedade.
2.23. - Em 2012, a insolvente celebrou um contrato locação financeira com vista à aquisição de um veículo BMW, pelo valor de €198.906,81, a que correspondia uma prestação mensal de cerca de €3.000,00.
2.24. - Tal veículo não foi utilizado no exercício do objecto social da insolvente mas no uso privado do Sr. D....
2.25. - O contrato de locação financeira, já na pendência do PER, foi cedido à sociedade I... - Compra, Venda e Gestão de Imóveis, S.A., cujo gerente é Rui Palma, sem qualquer contrapartida para a insolvente, nomeadamente sem qualquer compensação pelas prestações já pagas, no valor de cerca de €50.000,00.
2.26. - A posição contratual foi cedida com autorização do Administrador Judicial Provisório.
2.27. - Na actividade do laboratório, parte do dinheiro pago pelos utentes referente a taxas moderadoras era colocado num envelope e entregue directamente ao Sr. D... ou a Maria F..., directora financeira.
2.28. - Trimestralmente era facturado à insolvente por uma empresa agro-pecuária do Sr. D... a realização de eventos.
2.29. - Em 2011, a ACSS/MS (Administração Central do Sistema de Saúde) alterou as tabelas do SNS em cerca de 40/prct., pela publicação da Tabela MCDT Convencionados- Nova Tabela - 1 de Julho de 2011, a da Tabela MCDT Convencionados- Nova Tabela - 1 de Setembro de 2011, agravamento acentuado posteriormente pela Tabela MCDT Convencionados- Nova Tabela - 6 de Outubro de 2011, a Tabela MCDT Convencionados-Nova Tabela - 1 de Novembro de 2011 e a Tabela MCDT Convencionados- Actualização das Taxas moderadoras - 1 de Janeiro de 2012.
2.30. - Em simultâneo, verificou-se um aumento das taxas moderadoras, - Tabela MCDT Convencionados- Actualização das Taxas moderadoras - 1 de Janeiro de 2012 - e uma redução na prescrição e realização de exames, análises e meios complementares de diagnóstico.
2.31. - A ADSE baixou no princípio de 2012 a sua tabela cerca de 25/prct.. 2.32. - As seguradoras clientes da ora insolvente - Medis e Multicare - também baixaram as suas tabelas a vigorar em 2012.
2.33. - A despesa do Serviço Nacional de Saúde com análises clinicas diminuiu entre 2001 e 2012, 36/prct..
2.34. - A facturação do M..., Lda., em 2011/2012 passou a englobar a facturação do laboratório G..., Lda. de Évora e do laboratório R..., Lda.
2.35. - A M..., Lda. assumiu a realização das análises a cargo destes laboratórios, bem como integrou os seus trabalhadores, assumindo a sua antiguidade.
2.36.- O laboratório G..., Lda., e o Laboratório M..., Lda., e o Laboratório A. R..., Lda., já procediam, há vários anos, reciprocamente, a execução técnica de análises de colheitas.
2.37. - O veículo foi adquirido em regime de leasing, através do contrato n.° 41006, celebrado em 28-12-2012.
2.38. - A insolvente não pagou a renda inicial nem a reserva do veículo BMW.
2.39. - O pagamento da primeira renda foi feita mediante a entrega de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, propriedade da A....
2.40. - As rendas respeitantes ao contrato de Leasing n° 410061 a partir de Abril de 2013 foram pagas por outras entidades que não a insolvente. 2.41. - Foram reconhecidos créditos no valor de €3.515.235,29.
B) - NÃO PROVADA.
2.42. - A falta de pagamento de salários foi intencional.
2.43. - Os eventos aludidos em 2.27 eram fictícios e não foram realizados.
2.44. - Os veículos com as matrículas … e … foram vendidos à A..., com o intuito de ocultar património da insolvente.
2.45. - Os gerentes da insolvente apesar das solicitações do Administrador de Insolvência não entregaram os veículos apreendidos, propriedade da insolvente, com as matrículas …, …, …, nem colaboraram na localização dos bens.
2.46. - A requerida Maria F..., embora gerente de direito da sociedade, nunca participou em qualquer reunião ou assembleia geral, nem deu ordens ou instruções, e consequentemente nunca interferiu, directa ou indirectamente na gestão da insolvente.
2.47.- Apenas foi nomeada gerente dada a necessidade de existirem dois gerentes para que na falta de um o outro pudesse acudir com uma assinatura.
2.48.- O requerido R... do C..., não participou em qualquer reunião ou assembleia, nem intervinha em qualquer matéria.
2.49. - Em 2011/2012, o BCP cortou o factoring e os fornecedores de reagentes e equipamentos impuseram restrições ao fornecimento.
2.50. Paralelamente, e quando se pressupunha que a situação indicava um certa acalmia e recuperação, uma parte dos trabalhadores começaram a avisar os pacientes de que o laboratório ia fechar.
2.51. - Deram início à passagem dos pacientes para outra unidade, forneceram dados aos postos de colheita e aliciaram-nos a mudarem-se para a concorrência, nomeadamente para o C....
2.52. - Em Setembro de 2013, a insolvente trabalhava apenas com dois postos de colheita: Alcácer do Sal e Montijo, o que levou uma redução das análises solicitadas.
2.53. - A saída de vários trabalhadores em Setembro de 2013 e a redução do número de análises, determinou que o laboratório da insolvente, em Novembro de 2013, funcionasse apenas como posto de colheita.
2.54. - Passando o laboratório da A..., Lda. a realizar as análises e a suportar as rendas dos postos, os salários dos ex-trabalhadores da insolvente e todos os custos com a colheita de produtos para análises.
2.55. - O requerido R... Palma subscreveu o contrato de locação financeira n° 410061 com o BMW Bank GMBH, Sucursal Portuguesa, em 28.12.2012, sem se ter apercebido do modelo do veículo do preço, nada lhe tendo sido dito sobre as condições de pagamento.
2.56. - O requerido D... nunca recebeu qualquer vencimento ao longo dos anos da sua gerência efectiva da insolvente, tendo os sócios decidido recompensá-lo em final de mandato, tendo sido acordado que o pagamento da reserva do veículo, a primeira renda e o residual seriam suportados por ele.
2.57. - A insolvente não liquidou qualquer valor referente ao contrato de leasing.
2.58. - O valor das taxas moderadores entregue em dinheiro à administração não dava entrada nas contas da insolvente.
3 - Da invocada NULIDADE da sentença apelada.
Concluem os recorrentes ( aludindo ao art.° 668.°,n.° 1, alínea d), do CPC pretérito) , no âmbito da apelação interposta, que a sentença é nula porquanto o M° juiz a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar
A sentença é nula, diz-nos a alínea d), do n°1, do art° 615°, do actual
CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento .
O vício/nulidade referido, como é consabido, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (1).
Para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do n°1, do art° 615°, do CPC, mais não são do que as que alude o n°2, do art° 607°, e art° 608°, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo questões a que alude a alínea d), do n°1, do art° 615°, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a questões jurídicas ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e , sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615°, n° 1, al. d), in fine.
Postas estas breves considerações, e tendo-se esmiuçado no âmbito das alegações recursórias dos apelantes a identificação das questões jurídicas que o tribunal a quo em sede de sentença, devendo tê-lo feito, não resolveu/solucionou, certo é que não foram as mesmas de todo descobertas/encontradas.
É que, para todos os efeitos, caso integrem os apelantes na previsão do art° 615°, n°1, alínea d), do CPC, um pretenso não julgamento pelo tribunal a quo de concretos pontos de facto, fazem-no erradamente, pois que o referido vício antes cabe na previsão do art° 662°, n°2, alínea c), do CPC, não dando lugar à nulidade da sentença.
Já incumbindo ao tribunal a quo - na sentença apelada - resolver a questão da qualificação da insolvência de M..., Lda , a verdade é que, compulsada a sentença recorrida, nela encontra-se a respectiva solução, ainda que não do agrado dos apelantes.
Em razão do acabado de expor, e sem necessidades de mais considerandos, porque inúteis, improcedem portanto as conclusões recursórias dos apelantes interligadas com a invocada nulidade da sentença, vício adjectivo que de todo não padece.

3.1 - Se In caso se impõe a alteração da decisão proferida pelo tribunal uo e relativa à matéria de facto.,
Analisadas as alegações e conclusões recursórias dos apelantes R... C... e M..., e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugnam os recorrentes diversas respostas/julgamentos da primeira instância e tendo por objecto concretos pontos de facto da referida decisão, considerando para tanto terem sido todos eles correctamente julgados.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observaram e cumpriram os apelantes as regras/ónus processuais a que alude o art° 640°, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que consideram como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pelos apelantes indicadas, procederam os mesmos, outrossim, à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancoram a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do mérito da deduzida impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo.
A impugnação dos apelantes tem por objecto :
- os pontos de facto vertidos nos itens 2.6., 2.12 , 2.20, 2.25 e 2.54, todos do presente Acórdão;
- dois l iietos alegados, mas não objecto de julgamento.
3.1. - Dos pontos de facto vertidos nos itens 2.6., 2.12 e 2.25, todos do presente Acórdão.
Constando do item 2.6. que Na constituição (de M.... Lda. ) foram designados gerentes: M... e D... , impetram os recorrentes que a redacção do referido ponto de facto seja alterada.
Sucede que, quer em sede de alegações, quer sobretudo de conclusões recursórias, não indicam os recorrentes qual a redacção que, no seu entender , deve ser conferida ao item 2.6., não precisando também - por arrastamento - qual o meio probatório concreto [ qual o específico doc., junto a fls. y ] que ampara e obriga à nova redacção do ponto de facto impugnado.
Logo, nos termos do art° 640°, n°1, alíneas b) e c), do CPC, vai a impugnação dos apelantes, nesta parte, rejeitada.
Já o item 2.12 da motivação de facto , rezando tão só que A..., companheira de D..., exercia funções na A..., Lda, é pretensão dos impugnantes que deve o mesmo passar a dizer que A..., companheira de D..., exercia funções na A..., Lda, e dava instruções e ordens ao administrador e trabalhadores de. M... sobre o funcionamento do laboratório .
A ancorar a alteração do ponto de facto correspondente ao item 2.12, invocam os apelantes os depoimentos testemunhais de M... [ funcionária da insolvente durante cerca de 21 anos ] e de N... [ exerceu funções na insolvente desde meados de 2008 a 2013 ].
Ouvidos ambos os referidos depoimentos, certo é que confirmou a testemunha M..., que a A... chegou a exercer funções na insolvente como administradora - dando ordens e instruções - do laboratório da A..., precisamente antes do início de funções do N....
Também a testemunha N..., confirmou que a A... dava instruções, designadamente no laboratório da A....
Na sequência e com base em ambos os referidos depoimentos, justifica-se assim que o item 2.12. passe a integrar a seguinte redacção : A..., companheira de D..., exercia funções na A..., Lda., dando instruções e ordens a trabalhadores_
Seguindo-se a análise da impugnação dirigida para o ponto de facto do item 2.25. [ O contrato de locação financeira, já na pendência do PER, foi cedido à sociedade I... - Compra, Venda e Gestão de Imóveis, S.A., cujo gerente é Rui Palma, sem qualquer contrapartida para a insolvente, nomeadamente sem qualquer compensação pelas prestações já pagas, no valor de cerca de €50.000, 00 ], é entendimento dos apelantes que deve o mesmo ser amputado do excerto alusivo a sem qualquer contra partida para a insolvente nomeadamente sem qualquer compensação pelas prestações lá pagas, no valor de cerca de 650.000, 00 .
É que, para os apelantes, tal excerto mostra-se em contradição com a factualidade inserta nos itens 2.38. [ A insolvente não pagou a renda inicial nem a reserva do veículo BMW ] , 2.39. [ O pagamento da primeira renda foi feita mediante a entrega de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, propriedade da A... ] e 2.40. [ As rendas respeitantes ao contrato de Leasing n° 410061 a partir de Abril de 2013, foram pagas por outras entidades que não a insolvente ].
Com todo o respeito pelo entendimento dos apelantes, não se descortina aonde é que está a contradição.
Desde logo , não refere o item 2.25. que todas as prestações já pagas aquando da transferência do contrato de locação financeira para a I..., tenham sido efectivamente suportadas - pagas - pela M..., Lda.
Depois, e sendo certo que a insolvente não pagou a renda inicial nem a reserva do veículo BMW , e , a partir de Abri] de 2013, foram as rendas pagas por outras entidades que não a insolvente , a verdade é que o veículo foi adquirido - em regime de leasing - através do contrato celebrado em 28-12-2012.
Por último, ainda que resultasse ( que não resulta) dos itens 2.38., 2.39. e 2.40, que a insolvente não tivesse despendido um único cêntimo no pagamento das rendas devidas pelo contrato de locação financeira, tal não obriga por si só a concluir que à M..., Lda. , não era devida uma qualquer compensação pelas prestações já pagas, e no valor de cerca de €50.000,00.
Logo, improcede a impugnação nesta parte.
3.2. - Dos pontos de facto vertidos nos itens 2.20, 2.54., e do pretendido adicionamento de dois novos pontos de facto.
Rezando o item 2.20., que vários trabalhadores com o fundamento indicado em 2.19 efectuaram no início de Setembro (04-09-2013 ) a resolução com justa causa do seu contrato de trabalho, pretendem os apelantes que ao ponto de facto referido seja acrescentado que se despediram 27 trabalhadores de M..., Lda, e os restantes 21 foram integrados no A. R..., Lda».
Por sua vez, tendo o tribunal a quo julgado não provado o item 2.54. [ Passando o laboratório da A..., Lda. a realizar as análises e a suportar as rendas dos postos, os salários dos ex-trabalhadores da insolvente e todos os custos com a colheita de produtos para análises ] , impetram os impugnantes que deva o referido ponto de facto integrar o rol dos factos provados, mas com a seguinte redacção : A. R.... Lda, pagou € 356.855, 75 relativos a salários e antiguidade dos ex-trabalhadores de M..., Lda, que a demandaram judicialmente na qualidade de sócia daquela, nos Tribunais de Trabalho de Évora e Barreiro .
Por fim, é entendimento/pretensão dos apelantes que ,ao rol dos factos provados, devem ser adicionados outros dois, rezando cada um deles o seguinte
- R... exercia a gerência da insolvente, sem remuneração;
- B..., Aparelhos e Reagentes de Laboratório, Lda, para além de suspender o fornecimento, intentou contra a insolvente M..., Lda , uma injunção para cobrança da quantia de € 230.654,56, que corre termos no Tribunal Cível da Comarca do Montijo , Proc° n° 72027/12.2YIPRT.
Ora, começando pelo item 2.20., importa não olvidar que, não cabendo de todo ao tribunal da Relação realizar um segundo ou uni novo julgamento [ na sequência da impugnação de decisão de facto do tribunal a quo ] , exigível não é que o Tribunal de 2a instância incida a sua atenção sobre a pertinência de se introduzirem alterações de pormenor em concretos pontos de facto impugnados, sobretudo se tais alterações se revelam à partida serem manifestamente inócuas e de todo irrelevantes para alterar o julgado.
É que, se a reapreciação de concreta matéria de facto, é inócua, à luz das diversas soluções plausíveis das várias questões de direito, e atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que o ad quem indefira tal pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis . (3)
O acabado de referir, aplica-se precisamente à alteração pretendida pelos apelantes para o item 2.20, porque manifesto é o carácter desprezível - para a decisão da causa - do acrescento almejado.
Seguindo-se o item 2.53. da motivação de facto, e além de a redacção que os apelantes pretendem conferir-lhe estar muito afastada do âmbito inicial do ponto de facto, extravasando-o completamente , acresce ainda que o documento junto a fls. 97 e 98 dos autos está também longe de revelar/comprovar um qualquer pagamento , revelando tão só que concreta acção judicial viu a respectiva instância extinguir-se na sequência de transacção realizada pelas partes.
Destarte, a impugnação dos apelantes, também nesta parte improcede.
Finalmente, no tocante à pretendida recondução ao rol dos factos provados de outros dois [ R... exercia a gerência da insolvente, sem remuneração , e a B..., Aparelhos e Reagentes de Laboratório, Lda, para além de suspender o fornecimento, intentou contra a insolvente M..., Lda , uma injunção para cobrança da quantia de € 230.654,56, que corre termos no Tribunal Cível da Comarca do Montijo, Proc° n° 72027/12.2YIPRT ] , reconhece-se que ambos foram pelos apelantes alegados na oposição e, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, podem contribuir para a solução de mérito.
Por outra banda, estão ambos, em parte, alicerçados em prova documental (a fls. 65 e 95/96 ) idónea.
Logo, nesta parte, a impugnação procede.
Consequentemente, ao rol dos factos provados devem ser adicionados outros dois, com as seguintes redacções :
2.41. A) R... exercia a gerência da insolvente, sem remuneração
2.41. B) B..., Aparelhos e Reagentes de Laboratório, Lda, intentou contra a insolvente M..., Lda , uma injunção para cobrança da quantia de € 230.654, 56, que corre termos no Tribunal Cível da Comarca do Montijo, Proc°n° 72027/12.2YIPRT.

4.- Motivação de Direito
4.1.- Se deve a sentença apelada ser revogada na parte em que qualificou como culposa a insolvência da devedora M..., Lda.
Analisando a sentença apelada, constata-se que a qualificação, como culposa, da insolvência de M..., Lda, se baseou, no essencial, no pressuposto de que a factualidade provada obrigava a considerar como verificada a previsão das alíneas b), d), e) e fO, do n° 2, do art° 186°, do GIRE .
Já para os apelantes, todavia, não permite de todo a factualidade assente concluir do modo como o fez a Exma Juiz em sede de sentença , e isto porque, no essencial, não decorre de todo da apontada factualidade a verificação de qualquer nexo de casualidade entre a pretensa conduta incumpridora dos administradores da insolvente e a criação ou agravamento da situação de insolvência, além de que, não integrando também a mesma factualidade a previsão das als. b), d), e) e O do n.° 2 do art.° 186.°do GIRE, não resulta ainda da mesma que os apelantes tenham agido com culpa;
Percebida a ratio e/ou o cerne da discordância dos apelantes em relação à sentença recorrida, vejamos, de seguida, se aos recorrentes assiste razão.
4.1.1. - Da insolvência culposa. com base no disposto no n°1. do art° 186°. do GIRE e alíneas bl. dl, e) e f), do n° 2.
Antes de mais, importa começar por tecer breves considerações sobre a problemática da verificação e consequente declaração, como culposa, de uma concreta insolvência.
Ora, em primeiro lugar, em face do disposto no art° 3°, n°1, do CIRE, É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. .
Em rigor, portanto, o conceito básico de estado/situação de insolvência, traduz-se na impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações vencidas , reconduzindo-se assim à incapacidade de cumprir . (4)
A insolvência é qualificada como culposa ou,fortuita ( cfr. art° 185°) , sendo que, porque apenas define o legislador quando se justifica a sua qualificação como culposa, em todas as restantes situações, por exclusão de partes, a insolvência será então meramente fortuita . (5)
Já a insolvência culposa, mostra-se definida no n°1, do art° 186°, do CIRE, rezando tal disposição legal que A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência .
Na sequência da referida definição, necessário é, para que se possa subsumir concreta factualidade na previsão do n°1, do art° 186°, que dos autos de insolvência resultem factos que apontem/demonstrem que : a) a impossibilidade do insolvente de cumprir as obrigações vencidas decorre de uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou dc direito ; b) a referida conduta tenha criado ou agravado a situação de insolvência; c) a mesma conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo que conduziu à insolvência ; d) ainda a conduta, aludida , tenha sido dolosa , ou , pelo menos, praticada com culpa grave.
Em suma, em sede do n°1, do art° 186° do CIRE, como que estabelece o legislador uma noção geral de insolvência culposa, circunscrevendo-a aos casos de conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores, mas exigindo ainda a verificação de um nexo de causalidade entre a referida conduta e a situação de insolvência, ou seja, há-de a mesma - tal conduta - ter contribuído para a criação ou pelo menos para o agravamento da situação de insolvência.
Ciente de que a prova de todos os pressupostos que da respectiva definição ( no n° 1, do artigo 186°) constam, pode revelar-se difícil de atingir/alcançar (6), logo o legislador, no n° 2 seguinte, vem estatuir que Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de facto ou de direito, tenham praticado alguns dos factos elencados nas diversas alíneas desse número.
Ou seja, através do n° 2 do citado art° 186°, vem o legislador
estabelecer diversas presunções de insolvência culposa, impondo apenas como
pressuposto que o insolvente não seja uma pessoa singular, e partindo do preconceito ( como o refere em sede de preâmbulo do DL n° 53/2004, de 18 de Março) de que a prática de determinados actos pelos respectivos administradores são em regra necessariamente desvantajosos para a empresa
Em razão do n° 2, supra referido, logo a doutrina (7) , e , bem assim, a jurisprudência (8), passou a considerar que, ao empregar o advérbio sempre, tal implicava que a presunção (9) nele fixada e no que aos comportamentos nele referidos concerne, revestia necessariamente uma natureza inilidível ou iuris et de fure ( cfr. art° 350°, n°2, do Código Civil ), isto é, as situações no normativo elencadas/previstas determinavam, inexoravelmente ( quais presunções absolutas, não admitindo prova em contrário ), a atribuição de carácter culposo à insolvência, presumindo-se não apenas a existência de culpa, 'nas também a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou o agravamento do estado de insolvência. (10)
Em todo o caso, ainda que no âmbito da aplicação do n° 2, do art° 186°, e como bem notam Carvalho Fernandes e João Labareda (11), certo é que as várias alíneas no preceito referidas exigem sempre urna ponderação casuística, e isto sem prejuízo de todas elas, prima fatie, envolverem , por via directa ou indirecta, efeitos negativos para o património da insolvente, geradores ou agravantes da situação de insolvência, tal como a define o art° 3°.
Dito isto, e para enveredar pela qualificação da insolvência como culposa, considerou a Exma Juiz a quo que se provava in casu facttispecie das alíneas 1 l, 4), e) e ff, do n°2, do art° 186°, do CIRE, tendo para tanto alinhado - em parte - as seguintes cornsiderações :
(...)
Relativamente ao preenchimento da alíneas b), d), e) e f) alegaram os requerentes que a insolvente reduziu a aquisição de reagentes, produto essencial ao desenvolvimento da sua actividade e que prestou serviços que foram facturados e recebidos pela sociedade A..., Lda. reduzindo consequentemente os lucros, exercendo a sua actividade em proveito de terceiros e fazendo uso dos meios técnicos e humanos da insolvente em proveito de terceiros.
Invocaram por fim que a insolvente adquiriu um veículo BMW por cerca de €200.000, 00, numa altura em que não dispunha de meios para o efeito, existindo já vencimentos em atraso. Veículo que serviu apenas para uso pessoal
de D... e como tal para seu proveito próprio e não da sociedade, agravando os prejuízos da insolvente.
(...)
Ainda nesta sequência subcontratou a sociedade A..., Lda. para que realizasse as análises, motivo pelo qual tais serviços passaram a ser facturados e recebidos por aquela entidade, a qual nomeadamente assumiu algumas das despesas da insolvente.
(...)
Já quanto à facturação em nome da sociedade A..., Lda., pelo contrário, conclui-se ter existido um claro exercício da actividade da insolvente em proveito de terceiros e em prejuízo próprio.
Na verdade, resultou demonstrado que a insolvente realizava as análises através dos seus meios técnicos e dos seus funcionários, porém as mesmas eram carimbadas e facturadas em nome da A..., sendo esta sociedade que posteriormente recebia os valores das comparticipações.
E resultou ainda demonstrado que isto sucedeu à margem e para além de um procedimento que era já habitual em que os diversos laboratórios trocavam a realização de algumas análises por forma a optimizar os meios e equipamentos.
A não contabilização destas receitas é susceptível de causar uma diminuição artificial de lucros (al. b) ), traduzindo ainda um exercício da actividade em proveito de terceiros (al. e) ).
E a utilização dos meios técnicos e humanos da insolvente na realização de análises facturadas por terceiros determina ainda um uso dos meios da devedora contrário aos seus interesses e em proveito e para favorecimento de outra empresa, na qual os requeridos têm claro interesse (al. j)).
Tal conduta, integra, assim, sem qualquer dúvida a previsão das alíneas b), e) e f).
Quanto à aquisição do veículo BMW, ficou provado que algumas das prestações foram efectivamente liquidadas por outras entidades que não a aqui insolvente, nomeadamente o valor da primeira prestação que foi liquidado através da entrega de um veículo propriedade de outra empresa ou das prestações pagas a partir de Abril de 2013.
Porém, em relação às demais não ficou demonstrado que tal valor proviesse de terceiros, presumindo-se, assim, que constando das contas da sociedade tenha sido liquidado pela própria.
Assim, a realização de um negócio sem qualquer beneficio para a insolvente, uma vez que o veículo era apenas utilizado em proveito próprio do seu gerente de facto e não no exercício da sua actividade, com um custo mensal de cerca de €3.000, 00 (ainda que nem todas as prestações tenham sido assumidas pela insolvente), numa altura em que a insolvente tinha já vencimentos em atraso, não pode deixar de ser considerado prejudicial, cabendo na previsão das alíneas b) e d).
(...)
Concluindo-se como se concluiu, isto é, que o comportamento apurado é relevante do ponto de vista do preenchimento das alíneas b), d), e) e ,19 do n.° 2, haverá que referir, como já se salientou, que a constatação da existência de culpa, relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa não admite prova em contrário.
Com efeito, foi o próprio legislador quem quis - ao criar o instituto da insolvência culposa - responsabilizar os devedores e administradores, no pressuposto de que, quem assume determinadas funções, deve estar à altura de poder responder, em toda a linha.
Por sua vez, impugnada que foi pelos apelantes a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, certo é que, como se alcança dos itens 3.1. e 3.2., ambos do presente Ac., os ganhos obtidos foram praticamente irrelevantes, mantendo-se a referida decisão no essencial inalterada.
Assim, provado mantém-se que, :
(...)
2.4.- A sociedade M.... Lda. foi constituída em 05-06-1975 e tem como objecto a exploração de um laboratório de análises clínicas.
2.5. - Com o capital social de €500.000, 00, detido por M... - Sociedade Gestora de Participações Sociais. SA , com uma quota de €350.000, 00 e por A..., Lda., com uma quota de €150.000, 00.
(...)
2.22. - Algumas das análises clinicas realizadas pela insolvente foram facturadas em nome da sociedade A..., Lda. e as comparticipações do SNS e ADSE foram consequentemente entregues a esta sociedade.
2.23. - Em 2012, a insolvente celebrou um contrato locação financeira com vista à aquisição de um veículo BMW, pelo valor de €198.906,81, a que correspondia uma prestação mensal de cerca de €3.000, 00.
2.24. - Tal veículo não foi utilizado no exercício do objecto social da insolvente mas no uso privado do Sr. D....
2.27. - Na actividade do laboratório, parte do dinheiro pago pelos utentes referente a taxas moderadoras era colocado num envelope e entregue directamente ao Sr. D... ou a Maria F..., directora financeira.
2.35. - A M..., Lda. assumiu a realização das análises a cargo destes laboratórios, bem como integrou os seus trabalhadores, assumindo a sua antiguidade.
2.36.- O laboratório G..., Lda., e o Laboratório M..., Lda., e o Laboratório A. R..., Lda., já procediam, há vários anos, reciprocamente, a execução técnica de análises de colheitas.
2.37. - O veículo foi adquirido em regime de leasing, através do contrato n. ° 41006, celebrado em 28-12-2012.
2.38. - A insolvente não pagou a renda inicial nem a reserva do veículo BMW.
2.39. - O pagamento da primeira renda foi feita mediante a entrega de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, propriedade da A....
2.40. - As rendas respeitantes ao contrato de Leasing n° 410061 a partir de Abril de 2013 foram pagas por outras entidades que não a insolvente. Ora bem.
Reza o n°2, alíneas b), d), e) e )9, do art° 186°, do CIRE, que Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
(...)
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
(...)
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.
Aqui chegados, e começando pelas alínea b), in fine , e) e f) , todas do n°2, do art° 186° do Cire, inquestionável se nos afigura a verificação do respectivo tatbestand , pois que, tendo a sociedade M.... Lda., como objecto a exploração de um laboratório de análises clínicas, certo é que ao consentirem os seus administradores que as análises clínicas pela empresa realizadas fossem porém facturadas em nome da sociedade A..., Lda. , e que as comparticipações do SNS e ADSE acabassem por ser entregues a esta última sociedade, agiram negocialmente de forma a prejudicar a insolvente e, concomitantemente, em beneficio/proveito de pessoa ( colectiva ) terceira, e com a insolvente especialmente relacionada [ cfr. itens 2.4., 2.5., e 2.22., todos da motivação de facto ].
Dir-se-á que, suportando a M.... Lda, os custos decorrentes de concreta actividade, já as correspondentes contrapartidas vão engrossar o património de uma sociedade terceira, beneficiando-a.
Por sua vez, também a subsunção de parte da factualidade provada [ maxime a vertida nos itens 2.23 e 2.24., ambos da motivação de facto ] , à previsão da alínea d), do n°2, do art° 186°, do CIRE, não pode deixar de considerar-se como justificada.
Na verdade, e tal como bem se decidiu em recente Ac. do Tribunal da Relação do Porto (12) o proveito pessoal ou de terceiros compreende todas as situações em que os bens da sociedade insolvente são colocados à disposição do administrador ou de terceiros, ou seja, a previsão legal é preenchida não apenas quando por negócio jurídico a titularidade do direito sobre os bens da insolvente é transferida para o administrador ou para terceiros, mas também quando independentemente disso é consentido a estes que usem os bens, que deles retirem proveito e utilidade em beneficio próprio e sem qualquer retorno para a insolvente e esta fica, na prática, numa situação equivalente à de não ser proprietária desses bens ou de não ter qualquer direito de gozo dos mesmos.
No seguimento do acabado de expor, e tendo presente as considerações supra tecidas a propósito da natureza da presunção [ necessariamente inilidível ou iuris et de iure - cfr. art° 350°, n°2, do Código Civil ] plasmada no n°2, do art° 186°, do CIRE, no sentido de que todas as situações no normativo elencadas/previstas determinavam, inexoravelmente ( quais presunções absolutas, não admitindo prova em contrário ), a atribuição de carácter culposo à insolvência, presumindo-se não apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou o agravamento do estado de insolvência, a conclusão que de imediato importa retirar é a de que, inevitável e forçosamente, improcedem todas as conclusões recursórias rios apelantes diri£ idas para a revogação da sentença apelada no tocante à qualificação da insolvência como culposa.
Ademais, e como igualmente acima se aflorou, importa não olvidar que , verificando-se fattispecie subsumível a uma qualquer alínea do n°2, do art° 186°, do CIRE, presume-se não apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou o agravamento do estado de insolvência.
Ou seja, para efeitos de qualificação da insolvência, é de todo irrelevante a circunstância de não existir factualidade que aponte para a existência do nexo de causalidade entre o comportamento dos recorrentes e a criação da situação de insolvência, pois, provados factos subsumíveis a alíneas do n°2, do art° 186° , presume-se (legalmente) o referido nexo causal e a culpa dos recorrentes na criação ou, pelo menos, no agravamento da insolvência e, consequentemente , a inevitável qualificação da insolvência como culposa. (13)
Logo, nenhuma censura é a sentença apelada merecedora, ao Qualificar a insolvência de M..., Lda., como culposa .

4.2.- Se as inibições aplicadas aos apelantes , porque alegadamente excessivas, devem reduzir-se ao mínimo legal.
O art° 189°,n°2, do Cire , é expresso em determinar que, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, deve o juiz :
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afectadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respectivo grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afectadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afectados.
Da disposição legal acabada de transcrever, parcialmente, decorre assim que a qualificação da insolvência como culposa determina consequências legais inevitáveis, que decorrem directamente da lei, cabendo apenas ao juiz decretá-las e, sendo o caso, determinar a sua extensão . (14)
E, se com o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.° 173/2009, de 02.4.2009 (15) , foi a alínea b) do n.° 2 do art.° 189°, julgada inconstitucional, com força obrigatória geral [ por violação dos art. °s 26° e 18°, n.° 2, da CRP , na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa , decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente ] , certo é que, com a nova redacção dada ao art.° 189° ,pela Lei n.° 16/2012, de 20.4, o texto da dita alínea b) passou doravante a estar em conformidade com a Lei Fundamental.
Isto dito, importa começar por precisar que nenhum reparo merece a sentença apelada por , em sede de cumprimento da primeira parte da alínea a),do n°2,do art° 189°, do CIRE, ter identificado ambos os apelantes como pessoas afectadas pela qualificação da insolvência como culposa, desde logo tendo presente a factualidade provada e vertida nos itens 2.6., 2.8. e 2.11, do presente Acórdão.
Já a circunstância de , não ter in casu o Juiz fixado/diferenciado o grau de culpa de cada um dos apelantes, de crítica se trata que se revela pertinente, maxime tendo presente que tal diferenciação não pode deixar de ter efeitos no âmbito de graduação das medidas aplicadas de acordo com as alíneas b) e c), do n°2,do art° 189°, do CIRE . (15)
É que, neste conspecto, importa não olvidar que, se a apelante M... foi nomeada gerente da sociedade M..., Lda., logo aquando da sua constituição em 05-06-1975 , já o apelante R... apenas foi designado gerente em 22-07-2012 , exercendo funções na área financeira.
E, se a M... exercia funções na área da contabilidade e era a quem os funcionários desta área reportavam, já o apelante R... exercia funções na área financeira, transmitindo as directivas e ordens do Pai, o D... e que, apesar de ter renunciado à gerência, era quem todavia tomava as decisões e quem dava ordens no topo da pirâmide, mesmo após a renúncia à gerência.
Ou seja, justifica-se assim que, porque substancialmente diverso o grau de culpa entre M... e R... [ desde logo em face da diferença substancial do número de anos em que cada um exerceu o cargo de gerência ] , o período de inibição deste último deva corresponder ao mínimo legal.
Nesta parte, procede assim a apelação, ainda que parcialmente.

5 - Concluindo (cfr. n.º 7, do art° 663°, do CPC).
5.1. - A insolvência de uma sociedade comercial deve forçosamente ser qualificada como culposa quando provada factualidade subsumível à previsão de qualquer uma das als. do n° 2 do art. 186° do CIRE.
5.2.- Sendo a insolvência qualificada como culposa, deve o juiz na sentença identificar necessariamente quais as pessoas/administradores afectadas por tal qualificação e, sendo várias e existindo subjacente factualidade pertinente , fixar o respectivo grau de culpa ;
5.3. - A fixação do grau de culpa referida em 5.2., não pode deixar de ter efeitos no âmbito de graduação/diferenciação das medidas aplicadas aos afectados pela insolvência qualificada como culposa, de acordo com as alíneas b) e c), do n° 2,do art° 189°, do GIRE .

6. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de LISBOA, 6ª Secção Cível, em , julgando parcialmente procedente a apelação :
6.1. - Alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;
6.2. - Confirmar a sentença do tribunal a quo em sede de qualificação da insolvência como culposa ;
6.3. - Reduzir o período de inibição de R... [ para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio ] para o mínimo legal de 2 anos ;
6.4. - Manter, em tudo o mais, a sentença apelada, maxime no tocante à apelante M... .

As custas da apelação ficam a cargo dos =apelantes ( R... e M... ) e da apelada Credora S... , e na proporção, respectivamente, de 8/10 e de 2/10 ( cfr. art° 528°, n°3, do CPC ).

(1) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(2) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do
Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas Jornadas de Processo Civil organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014.
(3) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 19/5/2014, Proc. n° 2344/12.OTBVNG-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, Quid Júris -Sociedade Editora, 2015, 3a Edição, págs. 84 e segs..
(5) Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in Themis, Revista da FDUNL, 2005, edição especial, Almedina, pág. 94, e Maria do Rosário Epifânio , in Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 2014, 6a Edição, pág. 128.
(6) Cfr. Maria do Rosário Epifânio, ibidem, pág. 129.
(7) Vg. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, págs. 678 e seguintes e Luís Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas , anotado, 2? edição, pág. 175.
(8) Vide v.g. o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/12/2010, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4/5/2010 e o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 25/11/2010, todos acessíveis in http://www.dgsi.pt.
(9) Presunções juris et jure, ou antes meros factos índice ou situações típicas de insolvência culposa, no entendimento do acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11.2008, publicado no DR, 2.a Série, n.° 9, de 14.01.

(10) Neste sentido, vide Luís Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 2013, 5 a Edição, Almedina, pág. 248.
(11) In ob. e loc. citados, v.g. pág. 681.
(12) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 7/12/2016, Proc. n° 262/15.9T8AMT-D.P1, e disponível in www.dgsi.pt
(13) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.02.2014-processo 1595/10.6TBAMT-A.P2, e disponível in www.dgsi.pt
(14) Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, pág. 6905.
(15) Publicado no DR, I Série, n° 85, de 04.5.2009, págs. 2518/2523.
(16) Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, pág.

LISBOA, 22/6/2017
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
Francisca da Mata Mendes (la Adjunta)
Eduardo Petersen Silva (2° Adjunto)
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