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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 21-04-2016   Omissão descrição do elemento subjectivo do tipo em acusação particular.
Decidiu bem o tribunal a quo, que não pronunciou o arguido por considerar a acusação particular do assistente era completamente omissa quanto à descrição do elemento subjectivo dos respectivos tipos, ou seja por o respectivo requerimento acusatório não satisfazer os requisitos constantes do art designadamente não descrevendo o elemento subjectivo dos respectivos tipos.° 283.°, n.° 3, al. b), ex vi, art.° 287.°, n.° 2, ambos do C.P.P.
Proc. 751/14.2T9SNT.L1 9ª Secção
Desembargadores:  Almeida Cabral - Rui Rangel - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Recurso n.° 751/14.2T9SNT.L1
Acordam, em conferência, os Juízes da 9.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - Na 1.a Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Sintra - J3, Processo n.° 751/14.2T9SNT, onde é recorrente/assistente M... e arguido R..., discutindo-se a eventual prática de crimes de difamação e injúria, proferiu o Ministério Público, a fls. 96 e sgt. dos autos, despacho de não acompanhamento da acusação particular que havia sido deduzida pelo mesmo assistente.
O arguido, por sua vez, alegando serem falsos os factos imputados pelo assistente, requereu a abertura da instrução, pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
Realizada a instrução, a qual compreendeu, apenas, o debate instrutório, veio, a final, a ser proferido pelo tribunal a quo o seguinte despacho de não pronúncia:
(…)
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - O objecto da instrução
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286. °, n.° 1, do Código de Processo Penal), sendo certo que na decisão instrutória não se julga do mérito da causa, mas tão só dos pressupostos da fase de julgamento.
Isto é, o juiz verifica se se justifica que, com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, o arguido seja submetido a julgamento pelos factos constantes da acusação.
Esta submissão a julgamento não exige a prova no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios da ocorrência do mesmo, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
Nos termos do que dispõe o art. 308. 0, n.° 1, do Código de Processo Penal, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
E, conforme decorre do disposto no art. 283. °, n.° 2, do mesmo código, consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Esta fórmula, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-05-2004, acolheu a orientação da doutrina e jurisprudência seguidas no domínio do Código de Processo Penal de 1929 que não definia o que era indícios suficientes para a acusação. Acrescenta-se no mesmo aresto que considerava-se que eram bastantes os indícios quando existia um conjunto de elementos convincentes de que o arguido tinha praticado os factos incrimináveis que lhe eram imputados; por indícios suficientes entendem-se suspeitas, vestígios, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele. Refere-se ainda no acórdão em referência que, por outras palavras, para sustentar uma pronúncia, embora não seja preciso uma certeza da existência da infracção, é necessário, contudo, que os factos indiciários sejam suficientes, e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo, assim, um juízo de probabilidade do que lhe é imputado [Entre outros, Acs. da Relação de Coimbra de 31/3/93 in C.J. Ano XVIII, Tomo II, pág. 65; de 26/6/63 in JR. Ano 30, 777; de 29/3/66 in JR. 2, Ano 20 pág. 419; da Rel. Lisboa de 28/2/64 in JR. Ano 10 pág. 1171.
Para Figueiredo Dias, só se mostram suficientes os indícios quando em face deles, seja de considerar como altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável que a sua não condenação. Relativamente à referida possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido, acrescenta Germano Marques da Silva que esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.
É também nestes termos que a jurisprudência tem vindo a entender o conceito de indícios suficientes. Conforme se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-04-1985, só constituem indícios suficientes aqueles elementos que, logicamente relacionados e conjugados, formam um conjunto persuasivo, na pessoa que os examina, sobre a existência do facto punível, de quem foi o seu autor e da sua punibilidade. Considerou-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22-10-2008, que são suficientes os indícios, para efeitos de pronúncia, como de acusação, quando a probabilidade de condenação seja maior que a de absolvição, bem como que a probabilidade de condenação é maior que a de absolvição quando, num juízo de prognose antecipada, se possa afirmar que, se os elementos de prova existentes no inquérito ou na instrução se repetirem em julgamento e aí não forem abalados ou infirmados por outros aí produzidos, o arguido será seguramente condenado. Explicita-se ainda no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-05-2010, que indícios suficientes serão referências factuais, sinais objectivos de suspeita, indicações de vestígios, elementos de facto trazidos pelos meios legais probatórios ao processo, que conjugados e relacionados criam a convicção de uma séria probabilidade da condução à condenação do arguido pelo crime que lhe é atribuído, a manter-se todo aquele acervo probatório em sede de julgamento.
Em suma, nas fases preliminares do processo (inquérito e instrução), não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão-só indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, constituindo as provas reunidas nessas fases, pressuposto, não da decisão de mérito, mas da decisão processual da prossecução dos autos para julgamento, onde o julgador deverá ser mais exigente; então exige-se certeza, cimentada através de uma sã apreciação crítica da prova, enquanto que, para o acto provisório da acusação ou da pronúncia, se exige somente aquela convicção.
Analisemos, pois, as questões controversas que se perfilam, suscitadas pelo confronto do texto da acusação particular com a posição assumida pelo arguido requerente da fase de instrução.

II.2 - O enquadramento jurídico penal
Importaria, neste momento, fixar a matéria de facto descrita na acusação particular que se mostra, ou não, suficientemente indiciada, bem como proceder à discussão dos indícios. Sucede que, como a seguir se verá, a apreciação de tais questões encontra-se prejudicada.
O assistente imputou ao arguido a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180. 0, n.° 1, do Código Penal, e de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181. 0, n.° 1, do Código Penal.
Nos termos do que dispõe o art. 180. °, n.° 1, do Código Penal, incorre na prática do crime de difamação quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.
Por seu turno, de harmonia com o disposto no art. 181.° n.° 1, do Código Penal, pratica o crime de injúria quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração.
Trata-se, em ambos os casos, de crime doloso (art. 13. ° do Código Penal).
No caso dos autos, no entanto, a acusação particular é completamente omissa quanto à descrição do elemento intelectual ou cognoscitivo e do elemento volitivo do dolo, sendo ainda omissa no que tange à descrição do dolo da culpa (de onde pudesse extrair-se a referência a uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença do arguido em relação ao bem jurídico protegido pela norma).
Nos termos do que dispõe o art. 285. 0, n.° 3, do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n°s. 3 e 7 do art. 283.°.
E, conforme se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-01-2007, e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-11-2008, a acusação particular sem os elementos do art. 283. 0, n.° 3, e, designadamente, sem a narração dos factos relativos ao elemento subjectivo do crime é manifestamente infundada, competindo ao tribunal de julgamento declarar este vício oficiosamente [cf art. 311. 0, n.° 2, al. a), do Código de Processo Penal].
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n. ° 1/2015, fixou jurisprudência nos seguintes termos: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.° do Código de Processo Penal. ».
Assim, a acusação particular deduzida pelo assistente, caso não houvesse lugar a instrução, teria que ser rejeitada pelo tribunal de julgamento, por ser manifestamente infundada, na medida em que os factos na mesma descritos não constituem crime (cf art. 311. 0, n.° 3, do Código de Processo Penal), por falta do elemento típico subjectivo do ilícito criminal.
Na presente fase processual, porque os factos imputados ao arguido na acusação particular não constituem crime, ao abrigo do disposto no art. 308. °, n.° 1, 2. ° parte, do Código de Processo Penal, impõe-se proferir despacho de não pronúncia.
E, nesta medida, mostra-se prejudicada a apreciação da questão da existência ou não nos autos de indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos constantes da acusação particular, pois sempre a conclusão que se obteria seria a de que tal factualidade não consubstancia a prática de crime.
II.3 - Conclusão
Em suma, os indícios recolhidos em sede de inquérito e de instrução não são suficientes para submeter o arguido a julgamento pelos factos constantes da acusação particular, não sendo de considerar como altamente provável a sua futura condenação ou que esta é mais provável que a sua não condenação.
Não estando suficientemente indiciada a prática pelo arguido de qualquer crime e, nomeadamente, dos crimes que lhe são imputados na acusação particular, resta proferir despacho de não pronúncia.
Ill-Decisão
Por todo o exposto, nos termos do estatuído no art. 308. 0, n.° 1, 2. parte, do Código de Processo Penal, não pronuncio o arguido R.... (...).

Inconformado com o referido despacho, dele interpôs o assistente o presente recurso, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:
(…)
1.° Foi apresentada queixa crime pelo Assistente contra o arguido identificado e constituído nos presentes autos. Findo a fase de inquérito, foi deduzida a acusação particular pelo Assistente, ora Recorrente e, requereu o arguido a abertura da instrução, nos termos legais.
2. Durante o inquérito foram ouvidas as testemunhas indicadas na queixa crime apresentada, tendo o arguido optado por não prestar declarações.
3.° Nomeadamente, a testemunha F..., declarou em 07.04.2015 que confirmava o episódio ocorrido no seu escritório, entre o arguido e o Assistente, ora Recorrente, tendo o arguido começado a dizer para o Assistente que este era um Aldrabão , que o tinha enganado e vigarizado , acrescentando que o Assistente nem sequer respondeu, e quando falou foi em tom calmo, sem qualquer tipo de injúrias para com o arguido.
4.° Mais, a testemunha M..., igualmente em 07.04.2015, declarou que não se recordava do episódio ocorrido no escritório, mas que confirma que nos dias seguintes ouviu outras pessoas comentarem, em que o arguido dizia que o ora Recorrente era um Vigarista, que o tinha enganado, que a Polícia andava atrás dele, tinha sido preso... .
S.a As restantes testemunhas indicadas (que coincidentemente ou não, foram indicadas como testemunhas do arguido num outro processo contra o ora Recorrente) afirmam não ter ouvido nada e nem sequer conhecer o arguido!
6.0 Todos os elementos legalmente previstos em sede de legislação penal foram cumpridos e estão presentes na acusação particular do Assistente, ora Recorrente.
7.° Contudo, o Douto Juiz de Direito entendeu que Em suma, os indícios recolhidos em sede de inquérito e de instrução não são suficientes para submeter o arguido a julgamento pelos factos constantes da acusação particular, não sendo de considerar como altamente provável a sua futura condenação ou que esta é mais provável que a sua não condenação. Não estando suficientemente indiciada a prática pelo arguido de qualquer crime e, nomeadamente, dos crimes que lhe são imputados na acusação particular, resta proferir despacho de não pronúncia . vide decisão instrutória em causa.
8.° Dispõe o artigo 181.° do C.P. que 1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n°s. 2, 3 e 4 do artigo anterior.
9. Ora, o Arguido chamou ao Assistente de Aldrabão e Mentiroso .
10. E também imputou ao Assistente os seguintes factos `foi preso, e que tinha voltado para casa com pulseira electrónica e que os fornecedores vão à procura do ora Recorrente para este pagar o que lhes deve .
11ª. As expressões usadas pelo Arguido, dirigindo-se ao Assistente, são uma grosseria, mas estas expressões são mais que falta de educação, pois o Arguido quis e conseguiu ofender o bom nome e dignidade do Assistente - Aldrabão e Mentiroso são expressões ofensivas, e até mais graves do que a proferida em sede do Processo n.° 13/10.4GBNLS. C1 que deu origem ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-03-2012: A conduta do arguido que, no decurso de uma reunião da assembleia de condóminos, referiu que a assistente é uma «paranóica», primeiro na ausência desta e depois na presença da mesma, preenche o ilícito dos crimes de difamação e injúria.
É manifesto que a acção do arguido se dirige a imputar um facto ou a fazer um juízo de valor depreciativo em relação à queixosa, mas o uso vulgar da expressão não pode caber dentro daquela margem de tolerância que se tem de atribuir à comunicação entre os humanos, muitas vezes com o uso de juízos e palavras desagradáveis.
O que ali se exprime com o uso do vocábulo «paranóica» é, para além de uma grande e lamentável desenvoltura verbal, a intenção de criticar uma pessoa e de a rotular depreciativamente como maluca, anormal. E se a expressão de tal juízo for entendida como normal, isto é, como tolerável, então estaremos a banalizar não só a falta de educação como todos os juízos feridentes da auto estima pessoal e social das pessoas, desculpabilizando tais juízos e palavras sob o manto diáfano do uso normal e frequente;
12.ª. Mais, as expressões foi preso, e que tinha voltado para casa com pulseira electrónica e que os fornecedores vão à procura do ora Recorrente para este pagar o que lhes deve , são a imputação do Arguido ao Assistente da prática de factos que são ofensivos do bom nome e honra e consideração devidos ao Assistente, pois o Arguido afirmou que aquele era um criminoso que até já tinha sido preso pela polícia e que era um caloteiro que devia aos fornecedores!
13.a Perante isto, considera-se que as expressões proferidas pelo Arguido dirigindo-se ao ora Recorrente consubstanciam a prática de um crime de injúrias, pois são mais do que simples falta de educação, tendo a aptidão de ofender a honra e consideração do Assistente, como fizeram.
14.a Dispõe o artigo 180. °, n.° 1 do Código Penal que Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo comete o crime de difamação.
15.a Ora, também o Arguido afirmava perante terceiros residentes no bairro onde também reside e trabalha o ora Recorrente que este é um vigarista , que o tinha enganado , que a Polícia andava atrás dele , que tinha sido preso .
16.a E mais, afirmou perante o contabilista do ora Recorrente, na frente deste que aquele é um Aldrabão , e que o tinha enganado e vigarizado , imputando ao Recorrente um comportamento desonroso!;
17. a Ora, dúvidas não restam igualmente que as expressões proferidas pelo Arguido a terceiros, sobre o Assistente consubstanciam a prática de um crime de difamação.
18. a À prevenção geral cabem objectivos de intimidação para a generalidade das pessoas, simultaneamente protegendo-as com a defesa de actos delituosos, por exigências irrenunciáveis de protecção da comunidade e do papel do ordenamento jurídico para essa mesma protecção.
19. a A prevenção especial pretende actuar sobre o agente para o intimidar, corrigir ou educar, dando-lhe consciência da seriedade da ameaça penal e no sentido de lograr a sua socialização.
20. a Ora, a conduta do arguido é reprovável por ser um comportamento inadmissível, dado atentar contra a honra e consideração do ora Recorrente, sem respeito pela sã convivência em sociedade.
21. a E, por esse motivo, deverá prosseguir o procedimento criminal, revogando-se a decisão instrutória proferida, e pronunciando-se o arguido para que possa responder judicialmente pelos factos por si praticados.
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com todas as devidas e legais consequências, nomeadamente, deverá prosseguir o procedimento criminal, revogando-se a decisão instrutória proferida, e pronunciando-se o arguido para que possa responder judicialmente pelos factos por si praticados, assim se fazendo (...).

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito não suspensivo.

Notificado o Ministério Público da interposição do recurso, apresentou o mesmo a respectiva resposta , onde, a final, formulou as seguintes conclusões:
1. A acusação particular é uma verdadeira acusação, devendo conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis .
2. Entre os factos que devem ser narrados, estão os que respeitam aos elementos subjectivos do crime. os que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor.
3. Não é necessário usar qualquer forma tabelar mais ou menos conhecida, mas é imperioso que se descrevem os factos com o dolo para cada um dos crimes dolosos impu¬tados.
4. Tal não sucedeu com a acusação particular deduzida pelo assistente, que é comple-tamente omisso na descrição do elemento intelectual ou cognoscitivo e do elemento volitivo do dolo dos crimes imputados ao arguido.
5. Pelo exposto, não merece qualquer reparo a douta decisão sob recurso, que não violou qualquer disposição legal.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se
inalterada a decisão recorrida.

Neste Tribunal o Exm.° Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da
rejeição do recurso, pois que o considera intempestivamente interposto.

Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
Efectivamente, contrariamente ao defendido pelo Exm.° Sr. Procurador-Geral Adjunto, com o respeito devido, considera-se que o assistente foi notificado da decisão instrutória,
apenas, no dia 02 de Novembro de 2015, sendo, por isso, tempestivo o recurso.

2 - Cumpre apreciar e decidir:
No presente recurso o assistente/recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo tribunal a quo, que não pronunciou o arguido por considerar a acusação particular completamente omissa quanto à descrição do elemento intelectual ou cognoscitivo e do elemento volitivo do dolo, sendo ainda omissa no que tange à descrição do dolo da culpa
(...).
Porém, a pretensão do assistente/recorrente não pode merecer acolhimento, como se
passa a demonstrar.
O tribunal a quo, como atrás se referiu, não pronunciou o arguido por o respectivo requerimento acusatório não satisfazer os requisitos constantes do art.° 283.°, n.° 3, al. b), ex vi, art.° 287.°, n.° 2, ambos do C.P.P. - diploma onde se integram as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem -, designadamente não descrevendo o elemento subjectivo dos respectivos tipos. E decidiu bem!
Efectivamente, dispõe o art.º 286.°, n.° 1, que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Assim, estando aqui em causa a acusação do arguido feita pelo assistente, a quem este imputa a prática de crimes de difamação e injúria, impunha-se-lhe, no respectivo requerimento, dar cumprimento, designadamente, ao disposto no art.º 281/prct. n.° 3, al. b), isto é, fazer a a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Prevendo as formalidades da acusação, diz o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, págs. 114 e 115, que é elemento essencial da acusação a indicação dos factos que fundamentam a aplicação da sanção. É que são estes que constituem o objecto do processo daí em diante e são eles que serão objecto de julgamento.
Marques Ferreira, por sua vez, diz, também, que o nosso processo penal tem estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação da verdade material. É, pois, pela acusação ou pela pronúncia que se delimita o objecto do processo. O princípio da investigação da verdade material tem de ser exercido nos limites traçados pela acusação ou pela pronúncia, nisto vindo a residir a conciliação do princípio da máxima acusatoriedade com o da investigação oficial.
Temos, deste modo, que o assistente tem que fazer a descrição dos factos e subsumi¬los juridicamente, sob pena de nulidade, como bem resulta do citado art.º 281/prct. n.° 3, ex vi art.º 285.°, n.° 3.
Assim, reportados ao caso dos autos, sendo dolosos os crimes imputados ao arguido, é por demais evidente que ao requerimento acusatório formulado pelo assistente faltam, de todo, os factos referentes ao elemento subjectivo do tipo.
Ora, foi decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 1/2015, de 20 de Novembro de 2014, publicado no D.° R.a n.° 18 - I Série - de 27 de Janeiro, que A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.° 358. ° do Código de Processo Penal.
Por outro lado, visando, embora, o requerimento para a abertura da instrução, também entendeu o mesmo S.T.J. no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 7/2005, publicado no D.° R.a n.° 212, I-A, de 4 de Novembro, que o juiz não deve convidar o assistente a colmatar o seu requerimento de instrução sempre que o mesmo enferme de deficiente narração factual e de direito.
Deste modo, não podendo, em circunstância alguma, vir o arguido a ser punido pela prática dos imputados crimes, aos quais falta a descrição dos factos referentes ao respectivo elemento subjectivo, bem decidiu o Mm.° Juiz recorrido ao não pronunciar o arguido.
No demais, em sede de fundamentação da decisão que aqui importa proferir, invoca-se o disposto no art.° 425.°, n.° 5, segundo o qual os acórdãos absolutórios enunciados no art.° 400.°, n.° 1, al. d), que confirmem decisão de primeira instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.
Ora, uma decisão de não pronúncia é, inquestionavelmente, equiparada a uma decisão absolutória. Por isso, compreende-se a presente decisão, também, na previsão do cit. art.° 400.°, n.° 1, al. d).
3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, à luz, também, do disposto no art.° 425.°, n.° 5, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Lisboa, 21 de Abril de 2017
Juízes Desembargadores
Almeida Cabral
Rui Rangel
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