Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 18-05-2017   Pensão de alimentos. Pagamento de dívida por período muito além da menoridade.
I. Não emerge dos autos, qualquer preocupação do Recorrente com referências ao salário mínimo, à dignidade e mínimo de subsistência do seu filho, ao qual durante longo tempo nada entregou para que o mesmo se pudesse, sequer, manter vivo, permitindo a acumulação de uma dívida, apurada na sentença, em termos não contestados. Apenas com as suas condições de vida mostra preocupação neste recurso, não patenteando disposição para fazer todos os sacrifícios pelo seu próprio filho, como seria de esperar. Porém, a sua visão parcelar não pode ser a do Tribunal, que, antes, deve atender ao superior interesse da criança, sempre referenciado em sede de jurisdição de menores.
II. Após ponderação desses interesses, considerando o montante em dívida e tendo em atenção que o Recorrente propõe, de forma inaceitável e incompreensível à luz dos deveres e afectos que se lhe exigem, o pagamento da dívida de alimentos ao seu filho menor por um período superior a 30 anos, bem mais longo do que a própria menoridade, é manifesto não poder ser dada resposta afirmativa à questão proposta. Pactuar com a solução sugerida seria pactuar com o próprio incumprimento.
Proc. 1870/15.3T8ALM.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Carlos Marinho - Anabela Calafate - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. RELATÓRIO
A..., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «incidente de incumprimento da prestação de alimentos» a favor do seu filho menor D..., contra A..., neles também melhor identificado, Alegou, em tal âmbito, que, após o ano de 2010, o Requerido não procede ao pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho, fixada nos termos de acordo homologado, sendo que o mesmo ocorre relativamente às despesas médicas e medicamentosas.
O Requerido apresentou resposta à pretensão inicial invocando dificuldades económicas.
A Requerente apresentou requerimento de «intervenção principal provocada» do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
Foram colhidos elementos instrutórios entre os quais se incluiu um «relatório social» incidente sobre as condições socio-económicas do agregado familiar em que o D... se inclui.
Foi proferida decisão judicial com o seguinte teor:
Em face de todo o exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo procedente o presente incidente e declaro verificado o incumprimento pelo requerido A... da obrigação de alimentos relativamente ao seu filho D..., desde Abril de 2011 a Julho de 2016 (pela totalidade) e até ao presente (parcialmente), no montante total em dívida de € 7.313,85 (sete mil, trezentos e treze euros e oitenta e cinco cêntimos); e, em consequência:
1. determino que a entidade patronal do requerido proceda ao desconto no vencimento do requerido, da quantia mensal de € 111, 66, para pagamento das prestações alimentares que se forem vencendo, e ao consequente
depósito/transferência da mesma para a conta bancária da requerente com o IBAN PT50003521430003166100070, sem encargos para esta, devendo tal quantia actualizada anualmente, em Novembro, de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE e reportado ao ano anterior;
2. determino que a entidade patronal do requerido proceda ainda ao desconto no vencimento do requerido, da quantia mensal de € 80,00, até perfazer a montante global de € 7.313,85, referente a prestações alimentares já vencidas e não pagas, e ao consequente depósito/transferência da mesma para a conta bancária da requerente, sem encargos para esta.
É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por A..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls., proferida pela Meritíssima Juiz dos autos, que determinou o desconto no vencimento cio Recorrente, para além da quantia de Eur: 111, 66€ a título de pensão de alimentos, ainda a quantia de € 80,00, até perfazer o montante global de € 7.313, 85, referente a prestações alimentares já vencidas e não pagas, e ao consequente depósito/ transferência da mesma para a conta bancária da requerente, sem encargos para este.
11 - Não pode o Recorrente, conformar-se de maneira alguma com a douta sentença proferida pelo Tribunal a que face aos factos dados como provado nos pontos 6. e 7.
111 - Consta de fls. 116 a 128 dos autos, certidão das peças processuais dos autos de insolvência do Recorrente, sendo estes elementos que fundamentaram a admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante do Recorrente, no âmbito do processo de insolvência deste.
IV - Consta dos autos que a quantia inicialmente fixada para sustento do insolvente (Eur: 419,00€) foi aumentada para Eur: 630,00€, com a condição de comprovar junto do Sr. Fiduciário o pagamento da pensão de alimentos dos presentes autos.
V - Do rendimento disponível - Eur: 630.00€ - reduzindo o valor da pensão de alimentos - Eur: 111,66€ - e o valor a abater à dívida - Eur: 80,00€ - , significa que resta ao Recorrente a quantia de Eur: 438,34€ (quatrocentos trinta e oito euros e trinta e quatro cêntimos).
Vl - Temos de ter presente que não se pode nem deve ser ordenado o desconto no vencimento do devedor, de quantias que depois não reste a este, valor suficiente à satisfação das necessidades básicas com um mínimo de dignidade.
Vil - Após os descontos ordenados pelo douto Tribunal a que resta ao Recorrente a quantia de Eur: 438,34€.
Vlll - Tal montante não é suficiente para a salvaguarda do direito fundamental que é uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.
IX - Tal valor é inferior ao valor do salário mínimo nacional, actual.
X - Houve lapso na análise dos documentos juntos aos autos, pois, consta do teor de fls. 116 a 128 a fundamentação não só para a exoneração do passivo restante do Insolvente, ora Recorrente, como para o aumento do valor disponível ao Insolvente para satisfazer as suas necessidades que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida.
XI - Entende o Recorrente, que um valor de Eur: 20,00€ (vinte euros) seria o suficiente e adequado a acrescer ao desconto do valor da pensão de alimentos.
Terminou pedindo que fosse «concedido provimento ao presente recurso».
Não consta dos autos resposta a estas alegações, designadamente do Ministério Público, que foi expressamente notificado pelo Tribunal do conteúdo das mesmas.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a questão a avaliar:
O valor de Eur: 20,00 € (vinte euros) é o suficiente e adequado para acrescer ao desconto do valor da pensão de alimentos com vista à amortização da dívida de alimentos do Recorrente?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto Vem provado que:
1. Por decisão proferida em 09/04/2008 na Conservatória do Registo Civil de Almada, foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor D..., nascido em 06/11/2004, filho de requerente e requerido, nos termos do qual o requerido ficou obrigado a contribuir, a título de pensão de alimentos, com a quantia de € 100, 00, a pagar até ao dia 10 de cada mês, em numerário ou cheque, sendo tal quantia actualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE. O requerido ficou ainda obrigado a suportar metade das despesas médicas e medicamentosas, mediante apresentação do recibo pela mãe.
2. Entre Abril de 2011 e Julho de 2016, o requerido não procedeu à entrega à requerente de quaisquer quantias a título de pensão de alimentos devida ao filho de ambos:
3. Em Agosto de 2015 o agregado familiar do menor D... era constituído por este e pela requerente, correspondendo o rendimento global do agregado ao montante de € 419,10, referente ao subsídio de desemprego auferido pela requerente.
4. O requerido trabalha para a sociedade G... - Sistemas e Instalações de Gás, S.A., auferindo o vencimento-base de € 690,00, a que acrescem subsídios de alimentação e isenção de horário;
5. Por sentença proferida nos autos de insolvência com n.° 20935/12.7T2SNT, transitada em julgado em 29/10/2012, foi declarada a insolvência do requerido;
6. Por despacho proferido em 29/11/2012 nos autos de insolvência com n.° 20935/12.7T2SNT foi declarado encerrado o processo de insolvência e admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante determinando-se a entrega ao fiduciário de todos os rendimentos que o requerido venha a auferir no prazo de 5 anos, com exclusão da quantia destinada ao sustento do insolvente (fixada em € 419,00 doze vezes por ano);
7. Por despacho proferido nos autos de insolvência em 18/05/2016 foi alterada para € 630,00 a quantia fixada para sustento do insolvente, ficando este obrigado a comprovar junto do Sr. Fiduciário o pagamento da pensão de alimentos ao filho no final de cada ano;
8. A partir de Agosto de 2016, o requerido retomou o pagamento mensal à requerente da quantia de €100, 00 devida a título de alimentos ao seu filho D....
Fundamentação de Direito
O valor de Eur: 20,00 € (vinte euros) é o suficiente e adequado para acrescer ao desconto do valor da pensão de alimentos com vista à amortização da dívida de alimentos do Recorrente?
O Recorrente não invocou qualquer regime jurídico violado. Não sustentou, também, ser intangível o valor correspondente ao salário mínimo (se assim fosse, poria em causa a própria prestação mensal definida a título de alimentos, e não o fez). Antes esteou a sua pretensão num magestático entendimento pessoal relativo ao montante que, na sua tese, deveria corresponder ao valor a amortizar mensalmente na dívida de alimentos ao seu filho.
Com relevo para a decisão, provou-se que o mesmo tem o rendimento disponível de 630,00 EUR por mês, não se tendo patenteado quaisquer despesas fixas. Por outro lado, demonstrou-se que o agregado familiar integrado pelo D... - que o Recorrente gerou - e sua mãe é de 419,10 EUR mensais, o que significa que ambos têm que viver cada mês com uma quantia inferior à que o Recorrente considera insuficiente só para si.
Não emerge dos autos, a este nível, qualquer preocupação do Recorrente com referências ao salário mínimo, à dignidade e mínimo de subsistência do seu filho, ao qual durante longo tempo nada entregou para que o mesmo se pudesse, sequer, manter vivo, permitindo a acumulação de uma dívida, apurada na sentença, em termos não contestados, de 7.313,85 EUR. Apenas com as suas condições de vida mostra preocupação neste recurso, não patenteando disposição para fazer todos os sacrifícios pelo seu próprio filho, como seria de esperar.
Porém, a sua visão parcelar não pode ser a do Tribunal, que, antes, deve atender ao superior interesse da criança, sempre referenciado em sede de jurisdição de menores.
Após ponderação desses interesses, considerando o montante em dívida e tendo em atenção que o Recorrente propõe, de forma inaceitável e incompreensível à luz dos deveres e afectos que se lhe exigem, o pagamento da dívida de alimentos ao seu filho menor por um período superior a 30 anos (7.313,85 / 20 / 12 = 30,47), bem mais longo do que a própria menoridade, é manifesto não poder ser dada resposta afirmativa à questão proposta. Pactuar com a solução sugerida seria pactuar com o próprio incumprimento.
Por assim ser, mostra-se flagrantemente improcedente o recurso, pelo que se dispensam mais dilatadas considerações.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 18.05.2017
Carlos M. G. de Melo Marinho
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
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