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 - ACRL de 04-05-2017   Destinatários do PER.
Os principais destinatários da instituição do PER são os devedores que constituam empresas ou pessoas singulares que sejam titulares de empresas enquanto unidades produtivas que têm por objetivo a prossecução do lucro.
Proc. 3123/17.3T(SNT.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Teresa Prazeres Pais - Isoleta Almeida Costa - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n° 3123/17.3T8SNT.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
R... e M... instauraram processo especial de revitalização (PER) no intuito de encetar negociações visando a sua recuperação.
Alegaram em suma que:
- encontram-se com sérias dificuldades em cumprir pontualmente algumas das suas obrigações vencidas, resultantes de empréstimos contraídos, garantias pessoais prestadas e responsabilidades subsidiárias (reversões), devido à diminuição dos seus rendimentos.
Na verdade, o Requerente começou a sua actividade profissional como trabalhador por conta de outrem, tendo depois exercido a profissão de construtor como empresário em nome individual
Em 1986, criou a sua primeira sociedade: R..., Lda e após esta data, mais oito outras empresas. A requerida coadjuvou neste trabalho e é sócia acionista
Desde a criação da primeira sociedade, os Requerentes efectuaram, investimentos nas referidas empresas, nomeadamente, para constituição das mesmas, bem como para reforço dos respectivos capitais próprios.
Desta forma, o rendimento do casal foi utilizado para desenvolver a actividade das referidas sociedades, de cariz familiar, debilitando a tesouraria pessoal dos mesmos.
Acontece que, as sociedades contraíram vários empréstimos bancários de forma a assegurar a actividade das mesmas (promovendo a construção de fogos habitacionais e lojas) os quais foram garantidos com hipotecas constituídas sob bens imóveis das sociedades e com avais pessoais dos sócios /accionistas, aqui Requerentes.
Sucede que, algumas das sociedades deixaram de cumprir pontualmente com as suas obrigações, fruto, exclusivamente, da dificuldade de venda dos prédios construídos devido à situação económica do mercado imobiliário, deixaram de cumprir também com as obrigações para com as instituições bancárias e Administração Tributária.
Pelo que, necessariamente, os avais pessoais concedidos pelos aqui Requerentes a favor das sociedades consideraram-se vencidos, revertendo a responsabilidade pelo seu pagamento solidariamente para os aqui Requerentes, aliás, constituindo o grosso do seu passivo.
Cinco das sociedades têm em curso processos insolvência
À data a requerente não aufere qualquer remuneração e o requerente presta funções de consultor em Angola
Afinal foi proferida esta decisão:
....Pelo exposto, indefere-se liminarmente a abertura de processo especial de revitalização requerida R... e M....

É esta decisão que os apelantes impugnam, formulando estas conclusões:
A - 0 douto despacho controvertido não admite o PER requerido pelos Apelantes por considerar que este instituto não se aplica a pessoas singulares não titulares de empresas.
B- No entanto, conforme resulta da Petição Inicial e dos documentos juntos com esta mesma peça processual, os Apelantes são empresários desde 1986.
c - Pelo que mesmo que se entenda que o Procedimento Especial de Revitalização apenas pode ser requerido por pessoas singulares' titulares de empresas, os aqui Apelantes preenchem os requisitos para tal.
D - 0 Tribunal a quo faz tábua rasa de todos os elementos fornecidos aos autos pelos Requerentes que comprovam a sua qualificação como empresários, não fundamentando a sua decisão de os considerar como pessoas singulares não titulares de empresa; violando o artigo 154° do CPC, ex vi do disposto no artigo 170 do CIRE.
E - 0 Meritíssimo Juiz a quo fez uma errada interpretação e aplicação do preceito contido no artigo 17°-A do CIRE. pelo que o douto despacho recorrido violou o referido preceito legal.
F- Aliás, este entendimento de que o PER não se aplica a pessoas singulares não titulares de empresas cria uma desigualdade inexplicável e legalmente inadmissível entre as pessoas singulares titulares de empresas e as pessoas singulares não titulares de empresas, estando ferido de inconstitucionalidade, por violar o artigo 1° e 13 da Constituição da República Portuguesa.
G- Credores, diversos autores e os Tribunais têm interpretado a norma contida no artigo 17°-A do CIRE no sentido de que o Plano Especial de Revitalização também se aplica a pessoas singulares, mesmo que não titulares de empresa.
H - 0 douto Tribunal a quo conclui que o PER não se aplica a pessoas singulares não titulares de empresas pelo facto de entender que estas beneficiam da possibilidade de apresentar plano de pagamentos previsto no artigo 251° do CIRE.
1 - No entanto, nas circunstâncias concretas dos Apelantes e tendo em consideração os requisitos do artigo 249° alíneas a) e b), subalínea iii) - que os Requerentes não preenchem - e ainda a circunstância do artigo 252° n.°4, nomeadamente o facto do recurso ao plano de pagamentos implicar a confissão da situação de insolvência, pelo menos iminente, tal instituto também não está ao alcance dos aqui Recorrentes.
J - Os Recorrentes são, incontestavelmente, parte da fibra que compõe o tecido empresarial português, são empresários e empreendedores e sujeitá-los a um processo de insolvência, meramente por uma questão de interpretação do artigo 17°-A do CIRE (quando a sua recuperação é perfeitamente viável), é injusto, desproporcional e prejudica os próprios, mas, fundamentalmente, prejudica a própria economia portuguesa, indo, portanto, contra a teleologia que se encontra na base da criação do Plano Especial de Revitalização.
L- Assim, e conforme resulta da motivação do presente recurso, entende-se que o douto despacho de que se recorre violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 17°-A do CIRE, violou o dever de fundamentação que decorre do artigo 154° do CPC e violou o disposto nos artigos 1° e 13° da Constituição da República Portuguesa.

Os factos apurados.
Os que constam do relatório.

O objecto do recurso foca-se na aplicação do PER às pessoas singulares
Apreciando:
Como questão prévia diremos que o aqui está em causa, segundo a alegação, é a responsabilidade dos requerentes enquanto pessoas singular e não como empresários ou agentes económicos; repare-se que estão em causa avales pessoais, sendo certo que os requerentes, neste momento, ou não exercem funções, ou exercem-nas para outra empresa; de facto, os Recorrentes não exercem, a se, qualquer actividade económica enquanto agentes económicos.
Termos em que seguindo a jurisprudência maioritária do STJ :
(...) O PER constitui uma profunda alteração introduzida pela Lei 16/2012, resultante das negociações com a Troika, cujos princípios orientadores constam, de uma maneira geral da Resolução do Conselho de Ministros 43/2011 e cuja consagração legal, decorre agora dos artigos 17°-A a 17°-I do CIRE.
Nesses normativos veio-se a consagrar dois processos especialíssimos, urgentes, antecipatórios do estado de insolvência do devedor, com vista à sua obstaculização: o primeiro, prevenido nos artigos 17°-A a 17°-H, destinado à obtenção de um acordo entre o devedor e os credores, com vista à sua conclusão para recuperação daquele; o segundo, prevenido no artigo 17°-I, é o processo que visa a homologação do acordo havido entre o devedor e os credores extrajudicialmente, quer dizer, enquanto no primeiro dos procedimentos se recorre desde logo ao Tribunal, através da declaração conjunta do devedor e de pelo menos um dos seus credores, na qual manifestam a intenção de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele e através de um plano de recuperação, artigo 17°-C, n°1, no segundo dos procedimentos, o acordo é efectuado extrajudicialmente entre o devedor e os credores que representem, pelo menos a maioria dos votos a que se alude no artigo 212°, n°1, acompanhado dos documentos referidos no artigo 24° (relação de credores, relatórios de actividades e de exercícios, etc), levando à prolação de um despacho de homologação ou de não homologação no prazo de dez dias, artigo 17°-I, tratando-se de um procedimento mais expedito e simplificado que leva a uma tramitação processual mais abreviada ainda.
A estrutura destes dois processos é híbrida (hibrid procedures do direito inglês), porque fazendo apelo à autonomia privada do devedor e dos credores, deixa-lhes uma grande margem de manobra, com vista à composição dos respectivos interesses, embora sempre pautados pelos princípios orientadores, maxime, da boa fé, da cooperação, da igualdade e da transparência e com a intervenção das autoridades judiciárias na respectiva aprovação, obtêm a garantia do seu cumprimento, desde que o devedor se encontre numa situação económica difícil, ou em situação de insolvência eminente, mas que seja ainda possível a sua recuperação, o que pressupõe e impõe que o devedor tenha uma condição económica que não indicie um passivo superior ao activo nem esteja numa situação que já não lhe seja permitido satisfazer quaisquer dos seus compromissos, porque se assim for, este processo especialíssimo não se lhe pode aplicar, aplicando-se antes o processo de insolvência
Como se vê, estes dois procedimentos apresentam-se na sua estrutura em relação ao processo de insolvência, como se de uma verdadeira providência cautelar antecipatória se tratasse, destinada à manutenção da estrutura económica do devedor, permitindo a continuação da sua actividade, evitando-se o desmantelamento da empresa, desfecho inultrapassável em processo de insolvência, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente, com a consequente extinção de postos de trabalho.
Referimos «da empresa», porquanto entendemos que este especifico procedimento se aplica apenas às empresas ou a pessoas singulares agentes _econômicos e não também pessoas singulares «tout court» muito embora a Lei não estabeleça qualquer exclusão, esta verifica-se tendo em atenção os elementos históricos, sistemáticos e teleológicos orientadores da introdução do PER no nosso ordenamento jurídico, o que parece defluir inequivocamente da Exposição de Motivos da Proposta da Lei 39/Xll, de 30 de Dezembro de 2011, que esteve na origem da. Lei 16/2012, de 20 de Abril, que alterou o CIRE e criou o Processo Especial de Revitalização, uma vez que como aí se refere «(...) o principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.(...)»,afastando-se, desta sorte, a ideia inicial do CIRE, primariamente orientada para o desmantelamento da empresa e por isso «(...) O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários.(...)», in www.dgpj.mj.pt.
Parece assim, das considerações expostas, que os principais destinatários da instituição do PER são os devedores que constituam empresas ou pessoas singulares que sejam titulares de empresas enquanto unidades produtivas que têm por objetivo a prossecução do lucro.
Ademais, como refere a doutrina, seria incoerente e representaria um desperdício intolerável de meios o colocar à disposição das pessoas singulares o acesso a um procedimento de revitalização, com todos os custos envolvidos, quando o CIRE prevê expressamente um meio específico para os devedores singulares (não empresários) obterem a sua recuperação com a anuência dos credores - o plano de pagamentos previsto no art. 251 ° e ss, do CIRE .
Em suma, com os fundamentos acima descritos, deve o art. 170-A, n°2 ser interpretado de forma restritiva, para que a qualidade de devedor ali referida se reporte a uma empresa ou pessoa singular que seja titular de empresa - art. 9°,n°1 do CC .
No caso em apreço, o PER foi requerido por devedores que são pessoas singulares não titulares de empresa e, por isso, destituídas de legitimidade para o efeito.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a abertura de processo especial de revitalização requerida R... e M....

Síntese: os principais destinatários da instituição do PER são os devedores que constituam empresas ou pessoas singulares que sejam titulares de empresas enquanto unidades produtivas que têm por objetivo a prossecução do lucro.
O que não é o caso dos requerentes.

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes
Lisboa, 4 de Maio de 2017
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
Octávia Viegas
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