Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 19-04-2017   Contra-ordenação. Responsabilidade do empregador. Ónus da prova.
A solução contida no n.° 1 e no n.° 2 do artigo 13.° da Lei n° 27/2010, ao consagrar uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento da entidade empregadora dos condutores de transporte rodoviário, não é violadora do princípio penal da culpa, nem de qualquer outro parâmetro constitucional.
A responsabilidade pela contra-ordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15° n.° 7, al. a), e als. i) e iii) do Regulamento CEE n.° 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14° n.°s 1 e 4, al. a) e 25° n.° 1, al. b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08 impende, nos termos do n° 1 do artigo 13° da Lei 27/2010, de 30.08, sobre o empregador, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no n° 2 desse artigo 13°
Proc. 14013/16.7T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria José Costa Pinto - Manuela Fialho - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo n.° 14013/16.7T8LSB.L1
Acordam, em Conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. A arguida R..., Transportes, Lda, foi condenada, por decisão proferida em 3 de Maio de 2016 pela Autoridade das Condições do Trabalho (ACT), no pagamento de uma coima no valor de € 2.856,00 (28 UC), pela prática, de uma contra-ordenação muito grave p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 36.°do Regulamento (UE) 165/2014, de 04/02 e artigo 25°, n.° 1, al. b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08.
1.2. Não se conformando com tal decisão, a arguida impugnou-a judicialmente (fls. 26 e
1.3. Realizado o julgamento, o Juízo do Trabalho de Lisboa (J2) veio a proferir em 4 de Julho de 2016 sentença que decidiu julgar procedente a impugnação e absolveu a arguida da contra-ordenação que lhe vinha imputada pela ACT (fls. 51 e ss.).
1.4. O Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso de tal decisão para este Tribunal da Relação, tendo formulado, a terminar a respectiva motivação, as seguintes conclusões:
1 - Após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iii) do art. 15°, n° 7 do Reg. da CEE n° 3821/85 abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores;
2 - Os agentes autorizados para a fiscalização podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n o 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n°s 2 e 3 do artigo 16°.
3 - 0 Auto de Notícia faz fé em juízo, salvo prova em contrário, atento o disposto no art. 13°, n° 3 da Lei n° 107/2009, de 14/09.
4 - Os factos descritos no auto de notícia constituem, objectiva e subjectiva, a contraordenação muito grave, p. e p. pela conjugação do disposto no art. 15°, n° 7 do Regulamento (CEE) n° 3821/85, de 20/12, 25°, n°1, ai. b) e 14°, n° 4, ai. a) da lei n° 27/2010, de 30/08.
5 - De acordo com tais normas o condutor Fernando Jorge Correia tinha o dever legal de apresentar ao Sr. Autuante as folhas de registo da actividade relativos aos 28 dias anteriores à data da fiscalização, o que não fez.
6 - Ora, foi dado por assente que a arguida não fez prova de que o condutor tivesse iniciado a sua actividade profissional no dia da fiscalização para que pudesse ficar isento de apresentar as folhas de registo dos 28 dias anteriores.
7 - O condutor, conforme se deu como provado, também não se fez acompanhar de qualquer declaração passada pela arguida a justificar os anteriores 28 dias.
8 - Quanto ao elemento subjectivo, pelo menos há indícios suficientes no sentido de ter havido negligência por parte da arguida na prática dos factos em causa, pois não fez qualquer prova em sentido contrário.
9 - Por tal motivo, devia a M a Juiz a quo ter dado por assente que a arguida actuou, pelo menso, de forma negligente.
10 - Em caso idêntico, apreciado e decidido pelo Ac. do TRL de 11/09/2013, no P° n° 3327/12.5TTLSB.L1 - Y, in www. DGSI.pt, foi confirmada a sentença proferida em 1a Instância que manteve a decisão condenatória da ACT.
11 - As empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa, ainda que essa infracção tenha sido cometida no território de outro Estado-Membro ou de um país terceiro.
12 - A posse dos registos referentes aos últimos 28 dias não é um dever que impende meramente sobre o condutor; pelo contrário, impende directamente sobre a arguida, que não apenas deve organizar o trabalho do condutor a que se refere o n.° 1 de modo a que este possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.° 3821/85 e no capítulo II do presente regulamento, e dar instruções adequadas ao condutor e efectuar controlos regulares, para assegurar o cumprimento quer do Regulamento (CEE) n.° 3821/85, quer do capítulo II do presente regulamento, como é responsável por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa (art.° 10/2 e 3 do Regulamento 561/2006).
13 - Tal infracção está abrangida pelo disposto no art.° 550° do Código do Trabalho - a negligência nas contraordenações laborais é sempre punível -, inexistindo responsabilidade objectiva.
14 - Competia à arguida e não à ACT o ónus da prova de que não actuou, pelo menos, com negligência, pois competia-lhe assegurar o cumprimento da lei pelo condutor ou de que este actuara de forma culposa, nem fez prova de que não estivesse ao seu serviço durante os 28 dias anteriores à data da fiscalização.
15 - De outro modo, no que respeita à utilização dos registos em tacógrafo analógico, sempre que algum condutor fosse objecto de fiscalização estradai para efeitos de controlo sobre os tempos de condução e descanso poderia limitar-se a afirmar que não exercera a condução há 28 dias, o que impossibilitaria, em absoluto, qualquer hipótese de controlo estradai, com todas as consequências que daí podem advir em termos de sinistralidade rodoviária.
16 - A recorrente impugnou cabalmente os factos e o direito constantes da decisão da ACT.
17 - Assim, com todo o devido respeito por melhor opinião, não parece que tenha ocorrido por parte da ACT violação do dever de fundamentação de facto e de direito que tivesse prejudicado o direito de defesa da arguida.
18 - De acordo com o Assento do STJ n° 1/2003, de 25/01, em nada obriga que o elemento subjectivo conste expressamente do auto de notícia.
19 - Com os elementos constantes da notificação podia e deveria a arguida ter aproveitado para se defender, em detrimento de se escudar com um argumento formal, como se não tivesse entendido aquilo que era evidente ter entendido.
20 - A ratio da notificação do art. 50° do RCO é dar a conhecer ao arguido as razões pelas quais lhe é imputada esta ou aquela contra-ordenação e, consequentemente, esta ou aquela sanção, de modo que , lendo a comunicação, se possa aperceber, de acordo com os critérios de normalidade, das razões pelas quais lhe é imputada tal contra-ordenação e, desse modo, se possa defender.
21 - A falta na notificação a que alude o art. 50° do RCO, de factos relativos ao elemento subjectivo, não é, pois, causa de nulidade do processo administrativo - vide Ac. do TRE de 08/05/2012, no P° n° 105/11.2TBRMZ.E1, in www.dgsi.pt.
22 - No caso dos autos, dúvidas não há de que a arguida foi notificada para se pronunciar, tendo-lhe sido enviada a narração dos factos em causa nos autos, com indicação da contra-ordenação pela qual se encontrava indiciada, bem como dos limites máximo e mínimo da coima aplicávela, resultando claramnte que da notificação do auto de notícia constam todos os aspectos relevantes e necessários à sua defesa, incluindo os do elemento subjectivo.
23 - A decisão que lhe foi notificada pela ACT com base nos factos é imputada a título de negligência.
24 - Sendo que os factos foram cabalmente impugnados, demonstrando terem sido perfeitamente percepcionados pela arguida/recorrente, pelo que não foi, de modo algum, preterido o seu direito de defesa.
25 - Foi, pois, com a douta sentença recorrida cometido o vício do Erro na Apreciação da Prova e do Erro na Aplicação do Direito.
Termos em que deverá ser considerado procedente o presente recurso e ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que confirme a decisão da ACT.
1.5. A arguida não apresentou resposta à motivação. 1.6. O recurso foi admitido com efeito devolutivo.
1.7. Uma vez remetido o mesmo a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto expressou a sua concordância com a posição assumida pelo Ministério Público na comarca.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso
2.1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação, onde sintetiza as razões da discordância do decidido e resume as razões do pedido - artigos 403.° e 412.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto, sucessivamente, no artigo 60.°, n.° 1 Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (RGCOL) aprovado pela Lei n.° 107/2009, de 14 de Setembro e nos artigos 41.°, n.° 1 e 74.°, n.° 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), este com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.° 244/95, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.° 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n.° 109/2001, de 24 de Dezembro.
Assim, as questões fundamentais que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
a) se se verificam os elementos objectivos da contra-ordenação que se mostra imputada à arguida;
b) se a mesma contra-ordenação lhe pode ser imputada a título de negligência.
2.2. Antes de prosseguir para a análise de tais questões, cabe precisar três aspectos.
2.2.1. O primeiro é o de que, a despeito de o Digno recorrente intitular um capítulo das suas alegações com a expressão Erro notório na apreciação da prova e Errada aplicação do direito, não substancia a sua afirmação inicial da verificação de um erro notório na apreciação da prova na sentença sob censura, nem tão pouco invoca expressamente que se verifica um vício decisório nos termos do artigo 410.° do Código de Processo Penal.
Como decorre do preceituado no artigo 51.°, n.° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais e nos artigos 66.° e 75.°, n.°1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, em matéria de recurso de decisões judiciais proferidas em processos por contra-ordenações, o Tribunal da Relação, salvo disposição em contrário, apenas conhecerá da matéria de direito e funciona como última instância'.
Apenas pode imiscuir-se na decisão de facto no quadro dos vícios decisórios previstos no artigo 410.° do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto nos artigos 41.°, n.°1 e 74.°, n.° 4, do RGCO (já que os preceitos reguladores do processo criminal constituem direito subsidiário do processo contra-ordenacional), tendo em consideração o acórdão do plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Setembro de 1995 (in DR I-A, de 1995.12.28), que decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.°, n.° 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
No caso sub judice a motivação do recurso não substancia a imputação à sentença do vício do erro notório na apreciação da prova previsto na alínea a) do n.° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal, em momento algum indicando que qualquer dos factos que a douta sentença discriminou como provado ou não provado (designadamente no ponto 2.3. dos factos não provados) deveria ter merecido resposta diversa.
Limitou-se a referências genéricas à fé em juízo que merecem os autos de notícia nos termos do artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 107/2009 (sem formular uma concreta pretensão de alteração de pontos determinados da decisão de facto) e às afirmações que fez reflectir nas conclusões 8) e 9), a saber, que quanto ao elemento subjectivo, pelo menos há indícios suficientes no sentido de ter havido negligência por parte da arguida na prática dos factos em causa, pois não fez qualquer prova em sentido contrário (8) e que por tal motivo, devia a M 'Juiz a quo ter dado por assente que a arguida actuou, pelo menos, de forma negligente (9), afirmações estas que manifestamente não contêm qualquer conteúdo de natureza factual, integrando apenas afirmações jurídicas quanto à forma (negligente) como a arguida actuou e traduzindo-se na imputação à sentença de um erro de direito, que não de facto.
É assim manifesto que, apesar da referência conclusiva da existência de um erro notório na apreciação da prova constante da motivação do recurso, não é verdadeiramente imputado à sentença um erro na decisão de facto passível de uma tal qualificação.
Contudo, uma vez que esta matéria é de conhecimento oficioso, sempre se dirá que, examinada a fundamentação e a decisão no seu todo, entendemos que a sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, não evidencia um qualquer erro na decisão de facto que se prefigure como patente, evidente e perceptível por um qualquer cidadão de mediana compreensão, sendo que apenas em tais circunstâncias poderia afirmar-se a verificação do invocado vício decisório previsto no artigo 410.°, n.° 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
2.2.2. O segundo aspecto que cabe precisar é o de que a sentença não considerou, em momento algum, que ocorreu por parte da ACT violação do dever de fundamentação de facto e de direito que tivesse prejudicado o direito de defesa da arguida, nem tão pouco alvitrou que a decisão administrativa padecesse de falta de fundamentação ou de uma outra qualquer nulidade ou irregularidade.
Quedam assim sem objecto as considerações expressas pelo recorrente nas conclusões 16 e 17.
2.2.3. O terceiro aspecto que cabe ainda abordar, antes de prosseguir, é o de que também em momento algum da sentença se aprecia a questão da eventual violação do direito de defesa da arguida na fase administrativa do processo, vg. no momento em que lhe foi feita a notificação nos termos do artigo 50.° do RGCO.
Por isso carecem também de sentido, não tendo quaisquer reflexos no objecto do recurso, as afirmações do recorrente relacionadas com a suficiência dos elementos constantes da notificação efectuada pela ACT na fase administrativa para a arguida se defender, com a ratio da notificação prevista no art. 50° do RGCO, com a eventual falta, na mesma, de factos relativos ao elemento subjectivo, bem como com a apreciação concreta da notificação que nestes autos a entidade administrativa efectuou à arguida com vista à sua defesa e com a análise da impugnação por esta deduzida na fase administrativa, designadamente com vista a aferir se a mesma ali impugnou cabalmente os factos, ou se demonstrou ter percepcionado perfeitamente o que lhe era imputado pela ACT, ou se se deve ter por preterido o seu direito de defesa (conclusões 18 a 24).

3. Fundamentação de facto
É o seguinte o teor da decisão de facto constante da decisão recorrida: «[...]
1. Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1.1. A recorrente é uma pessoa colectiva, denominada R... - Transportes, Lda., com NIPC 508 822 394, com sede na E…, n.° 10, C…, Lisboa.
1.2. No dia 28 de Janeiro de 2013, pelas 09h00, na via pública, no Parque Especial Norte da Ponte 25 de Abril, em Lisboa, a recorrente mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, na condução da viatura pesada de mercadorias com a matrícula …, equipada com tacógrafo analógico, no desempenho das funções de motorista, o trabalhador F....
1.3. No âmbito de fiscalização a que foi sujeito, no circunstancialismo de tempo e lugar referido em 1.2., foi solicitado ao motorista F... a apresentação dos 28 registos (discos) ou impressões utilizadas no tacógrafo.
1.4. 0 aludido motorista apenas apresentou o disco relativo ao dia 28 de Janeiro de 2013.
1.5. No circunstancialismo de tempo e lugar referido em 1.2., o motorista não se fazia acompanhar de qualquer declaração da recorrente que para justificar a falta dos registos dos 28 dias anteriores.

2. Consideram-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
2.1. Que o dia 28 de Janeiro de 2013 tenha sido o primeiro e último dia de trabalho do motorista F....
2.2. Que a recorrente preste formação aos seus motoristas sobre os procedimentos e manuseamento do disco/diagrama e do aparelho tacógrafo e, bem assim, que lhes ordene que respeitem os tempos máximos de condução e os tempos mínimos de repouso e se façam acompanhar dos discos de tacógrafo.
2.3. Que a recorrente não tenha agido com o cuidado e a diligência devidas, enquanto entidade empregadora.
3. Motivação da decisão de facto
Na fixação dos factos provados sob os pontos 1.1. a 1.5., o tribunal ponderou, fundamentalmente, o teor do auto de notícia que, quanto aos factos presenciados pelo agente autuante, se reveste de especial valor probatório. Adiante-se, aliás, que a referida matéria de facto não foi, pela recorrente, colocada em causa.
Os factos dados como não provados decorrem, fundamentalmente, da circunstância de, quanto aos mesmos, não ter sido produzida qualquer prova minimamente consistente. Com efeito, e no que concerne ao facto não provado sob o ponto 2.1., a única testemunha que, a propósito, depôs, foi a testemunha Carlos Guterres, gerente de uma empresa a quem a recorrente presta serviços, sendo certo que, não obstante a idoneidade do seu depoimento, não revelou ter conhecimento profundo da factualidade ora em apreço. Na verdade, a referida testemunha apenas revelou que, no início do ano de 2013, surgiu na sua empresa, a fim de prestar serviço de transporte, um motorista da recorrente, motorista esse que não conhecia, sendo que, sempre que tanto sucede, contacta a recorrente a fim de averiguar se o motorista em questão está autorizado a transportar as cargas.
Mais referiu ter sido a única vez que viu o aludido motorista na sua empresa. Todavia, nem recordava o seu nome nem a data concreta em que tanto tinha ocorrido. Face, pois, à inconcludência do referido depoimento, não foi possível ao tribunal extrair, do mesmo, que a testemunha se estivesse a referir à data de 28 de Janeiro de 2013 nem, tão-pouco, ao motorista F....
No que respeita ao facto não provado sob o ponto 2,2. não foi feita, quanto ao mesmo, qualquer prova, o mesmo sucedendo com o facto não provado sob o ponto 2.3., já que o agente autuante, única testemunha ouvida por parte do Ministério Público, não revelou ter qualquer conhecimento desta matéria. Doutro passo, em sede de procedimento administrativo, a ACT não efectuou quaisquer diligências probatórias em ordem a aferir dos factos atinentes ao elemento subjectivo integradores da contra-ordenação cuja prática imputou à recorrente.

4. Fundamentação de direito,
4.1. À arguida ora recorrida foi imputada pela entidade administrativa (ACT) a violação do disposto no artigo 36.°, do Regulamento (UE) n.° 165/2014, de 4 de Fevereiro, e, em consequência, a prática de uma contra-ordenação muito grave, nos termos do disposto no artigo 25.°, n.° 1, al. b), da Lei n.° 27/2010, de 30 de Agosto.
Como bem é dito na douta sentença, o já acima enunciado Regulamento não estava em vigor à data da ocorrência desses factos, uma vez que os mesmos tiveram lugar no dia 1 de Fevereiro de 2013 (cfr. os artigos 47.° e 48.° do Regulamento n.° 165/2014).
Movemo-nos pois no quadro do regime legal que decorre das disposições conjugadas do artigo 15.°, n.° 7, alíneas a) e b) do Regulamento (CE) n.° 3821/85, de 20 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pelo 26.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 561/2006, de 15 de Março, e do artigo 25.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 27/2010 de 30 de Agosto.
A primeira questão essencial a decidir consiste em saber se se verificam os elementos objectivos da contra-ordenação que se mostra imputada à arguida.
A sentença sob recurso, a este propósito, emitiu as seguintes considerações:
«(...) os factos provados são manifestamente insuficientes para que se considere praticados os factos integradores da contra-ordenação que a recorrente foi acusada.
Ficou, desde logo, por provar um dos elementos típicos objectivos do tipo de ilícito em causa, qual seja a circunstância de, não obstante o condutor se não fazer acompanhar dos discos dos últimos 28 dias, este havia conduzido nesse período, por forma a, desde logo, lhe ser possível apresentá-los aquando da fiscalização (elemento esse que, da decisão administrativa, maxime, dos factos provados, não consta).
Refira-se, neste âmbito, porque relevante, o seguinte: o auto de notícia reveste-se de especial valor probatório, é certo. Todavia, apenas os factos ali atestados pelo agente autuante fazem fé em juízo, sendo certo que se o agente atestou que o condutor não trazia consigo os 28 discos, não menos certo é que já não poderia atestar que o condutor, nesse período, conduziu.
Assim, as declarações do condutor, prestadas aquando da fiscalização, demandariam, por banda da autoridade administrativa, esforço investigatório por forma a apurar da veracidade, ou não, daquelas declarações, o que, in casu, não sucedeu.
[...]»
O Digno recorrente, por seu turno, sustenta que os factos descritos no auto de notícia constituem, objectiva e subjectivamente, a contra-ordenação muito grave que vem imputada à arguida de acordo com os arts. 15°, n° 7 do Regulamento (CEE) n° 3821/85, de 20/12, 25°, n°1, al. b) e 14°, n° 4, al. a) da lei n° 27/2010, e que o condutor Fernando Jorge Correia tinha o dever legal de apresentar ao Sr. Autuante as folhas de registo da actividade relativos aos 28 dias anteriores à data da fiscalização, o que não fez, bem como não fez a arguida prova de que o condutor tivesse iniciado a sua actividade profissional no dia da fiscalização para que pudesse ficar isento de apresentar as folhas de registo dos 28 dias anteriores, não se fazendo o condutor acompanhar de qualquer declaração passada pela arguida a justificar os anteriores 28 dias.
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 25.°. n.° 1, da Lei n.° 27/2010, [c]onstitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) ...
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) ...
Por seu turno o artigo 15.°, n.° 7 do Regulamento (CE) 3821/85 de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.° 561/2006 de 15 de Março, dispõe que:
7. a) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo 1, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:
i) as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 15 dias anteriores;
ii) o cartão de condutor, se o possuir; e
iii) qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.° 561/2006.
No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iii) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores;
b) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo 1 B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:
i) o cartão de condutor de que for titular,
ii) qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006, e
iii) as folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anterior, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo I.
No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos na subalínea ii) devem abranger o dia em curso e os 28 dias anteriores;
c) Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n o 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n. °s 2 e 3 do artigo 16.º.
Importa ainda ter presente a Directiva n.° 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006 (alterada pelas Directivas n.° s 2009/04/CE da Comissão, de 23 de Janeiro de 2009 e 2009/5/CE da Comissão, de 30 de Janeiro de 2009) que prevê a existência de controlos na estrada (artigo 4°. e Parte A do Anexo 1) e controlos nas instalações da empresa (art. 6° e Parte B do Anexo I), sendo que quanto aos controlos na estrada, se refere-se que os mesmos incidirão, além do mais, sobre os Tempos de condução (..); igualmente, folhas de registo dos dias precedentes, que têm de ser conservadas a bordo do veículo por força do n° 7 do artigo 15° do Regulamento /CEE) n° 3821/85 G) (n.° 1 da Parte A do Anexo I). Esta mesma Directiva n.° 2006/22/CE, no seu Anexo III contém um quadro com orientações sobre uma gama comum de infracções aos Regulamentos (CE) n° 561/2006 e (CEE) n° 3821/85, divididas por categorias segundo a respectiva gravidade, sendo que, relativamente ao art. 15.°, n° 7 do Regulamento (CEE) n° 3821/85 prevê, como tipo de infracção, a incapacidade de apresentar registos do dia em curso e incapacidade de apresentar registos dos 28 dias anteriores.
Em face deste enquadramento normativo, tem constituído entendimento largamente maioritário da jurisprudência o de que a contra-ordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15.0, n.° 7, alínea a), e alíneas i) e iii) do Regulamento CEE n.° 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14° n.°s 1 e 4, alínea a) e 25° n.° 1, alínea b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08 [não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente encarregado da fiscalização] se consuma com a não apresentação das folhas de registo dos 28 dias anteriores ao da fiscalização e do dia em curso, sendo essa não apresentação o único facto constitutivo do tipo legal.
Sufragamos este entendimento.
Com efeito, é patente que o legislador comunitário e nacional não pretendeu assegurar apenas a existência dos registos em causa, mas, também, a sua imediata apresentação às autoridades competentes quando tal seja por elas solicitado no controlo em estrada, a fim de ser rapidamente apreendida a história laboral do condutor nos últimos 28 dias.
E isto é assim, a nosso ver, quer o condutor em causa tenha, ou não, exercido a condução nesse período que antecedeu o dia da fiscalização.
Segundo é dito no n.° 34 dos considerandos do Regulamento n.° 561/2006, com a introdução do tacógrafo digital os dados do condutor e do veículo são registados electronicamente e deverão poder ser analisados electronicamente no local, o que deverá permitir um controlo simplificado dos períodos de repouso diários e semanais, regulares e reduzidos, e de repouso de compensação.
Este duplo objectivo do legislador resulta com clareza da letra da lei - o artigo 25.° da Lei n.° 27/2010, ao tipificar como contra-ordenação a não apresentação dos registos e documentos elencados nas suas alíneas a) a c), e o artigo 15.°, n.° 7, do Regulamento (CEE) n° 3821/85, ao dispor na sua alínea a) que o condutor deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo exactamente aqueles registos e documentos - e trata-se de solução que é conforme com a obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes e de o controlo dever ser feito em estrada - anexo I e III da Directiva 2006/22/CE.
Além disso, a previsão na alínea c) do n.° 7 do artigo 15.° do referido Regulamento (CEE) n° 3821/85, na redacção de 2006, da possibilidade de os agentes autorizados poderem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.° 561/2006 através da análise das folhas de registo ou de dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n. °s 2 e 3 do artigo 16. denota também que se pretende fiscalizar os tempos de condução e de não condução, de forma ampla e admitindo qualquer documento comprovativo que permita justificar a ausência de registos, não sendo imprescindível para se afirmar a obrigação de apresentar os documentos elencados nas alíneas a) e b) do artigo 15.0, n.° 7 do Regulamento n.° 3821/85 que o condutor do veículo tenha efectivamente exercido a condução no assinalado período de 28 dias.
É de notar que a arguida tinha ao seu alcance a possibilidade de justificar a não apresentação por parte do condutor dos registos relativos a todo esse período caso o mesmo não houvesse nele conduzido pelos mais variados motivos, preenchendo e entregado ao trabalhador, quer o formulário previsto no artigo 11°, n° 3, da Directiva n.° 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006 e na Decisão da Comissão de 14 de Dezembro de 2009, quer qualquer outra justificação que viesse a ser apresentada nos termos da alínea c) do artigo 15.0, n.°7 do Regulamento n.°3821/85.
Com ficou dito no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1 de Outubro de 2015:
Da interpretação conjugada dos referidos normativos legais, resulta, pois, em síntese, que quando solicitado por agente encarregado de fiscalização, o condutor de veículo de transporte rodoviário pesado de mercadorias deve apresentar o cartão de condutor de que for titular, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo que a não apresentação de tais elementos constitui contra-ordenação muito grave.
Naturalmente que a fiscalização poderá ser efectuada através da análise das folhas ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição.
Note-se que, tratando-se, por exemplo, de um condutor inserido em escalas de serviço, deve ser portador de um extracto da escala de serviço e de uma cópia do horário de serviço, devendo incluir o período mínimo que abranja os 28 dias anteriores (cfr. artigo 16. ° do Regulamento 561/2006).
Em suma, resulta da conjugação das normas em causa, que é no acto de fiscalização pelas autoridades policiais que o condutor deve poder apresentar às mesmas as folhas de registos, ou, se não existirem, qualquer documento que justifique a sua omissão, tudo de molde a permitir àquelas entidades percepcionar os tempos de trabalho e não trabalho, pausas e períodos de repouso dos trabalhadores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e passageiros (vide o considerando 1. do Regulamento n.° 561/2006), pelo que bastava à empregadora ter entregado oportunamente ao seu motorista documentos que o mesmo pudesse exibir às entidades policiais e que justificassem a ausência de registos.
Não se nos afigura pois, salvo o devido respeito pela opinião expressa na douta sentença, que constitua elemento objectivo do tipo de ilícito que o condutor houvesse necessariamente conduzido no período de 28 dias que antecedeu a fiscalização.
Nada impedia, em termos objectivos, que à arguida fosse imputada a contra-ordenação objecto dos presentes autos, mostrando-se perfectibilizados os elementos objectivos do tipo de ilícito contra-ordenacional em causa com os factos que se apuraram nos presentes autos.
Na verdade, a arguida ora recorrente foi condenada pela ACT nos termos assinalados uma vez que, no dia 28 de Janeiro de 2013, pelas 09h00, no Parque Norte da Ponte 25 de Abril, mantinha ao seu serviço, na condução da viatura pesada de mercadorias com a matrícula 16-LH-10, equipada com tacógrafo analógico, o trabalhador motorista F... e este, no âmbito de fiscalização a que foi sujeito, ao ser-lhe solicitada a apresentação dos 28 registos (discos) ou impressões utilizadas no tacógrafo, apenas apresentou o disco relativo ao dia 28 de Janeiro de 2013 e não se fazia acompanhar de qualquer declaração da recorrente para justificar a falta dos registos dos 28 dias anteriores (factos 1.1. a 1.5.).
Estes factos ficaram provados.
E, a nosso ver, os mesmos são suficientes para imputar objectivamente à arguida a prática da contra-ordenação prevista no art. 25.°, n.° 1, da Lei 27/2010 que lhe vem imputada, mostrando-se preenchidos s elementos objectivos do tipo de ilícito em causa, uma vez que o motorista da arguida, na fiscalização em estrada, não apresentou qualquer folha de registo relativa aos 28 dias anteriores ao dia da condução. E ao não ser apresentado, no acto dessa fiscalização, documento justificativo dessa não apresentação não foi feita prova da existência de (eventual) causa de exclusão dessa ilicitude.
Procedem, nesta parte, as conclusões do recurso.

4.2. O recorrente diverge ainda da sentença sob recurso na parte em que esta afirmou que ficaram por provar os factos que integrariam a prática da aludida contra-ordenação, nomeadamente ao nível subjectivo, sendo que, neste âmbito, foi inexistente, também, o esforço de investigação da autoridade administrativa em ordem a apurar os factos integradores desse elemento, não se alcançando, de todo, quais os meios probatórios em que se alicerçou para fundar o comportamento culposo da recorrente .
Vejamos.
Deve começar por se dizer que o que a este propósito se considerou não provado na 1.' instância - que a recorrente não tenha agido com o cuidado e a diligência devidas, enquanto entidade empregadora (vide 2.3.) - não constitui um facto mas, manifestamente, uma apreciação jurídica sobre o comportamento exigível à arguida em face do padrão de um empregador normal ou razoável, a fim de se aferir do carácter culposo da sua conduta.
Por isso a sua inclusão definitiva nos factos não provados não constitui óbice a que este tribunal venha a concluir que a actuação da arguida deve qualificar-se como negligente, se assim o entender, face aos factos provados e à lei aplicável.
O já citado Regulamento CE 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março', relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes, prescreve no seu artigo 10°, inserido no capítulo relativo à Responsabilidade das empresas de transporte, o seguinte:
«Artigo 10.°
1. É proibido remunerar os condutores assalariados, mesmo sob a forma de concessão de prémios ou de suplementos de salário, em função das distâncias percorridas e/ou do volume das mercadorias transportadas, se essa remuneração for de natureza tal que comprometa a segurança rodoviária e/ou favoreça a violação do presente regulamento.
2. As empresas de transportes devem organizar o trabalho dos condutores a que se refere o n.° 1 de modo a que estes possam cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.° 3821/85 e no capítulo II do presente regulamento. As empresas transportadoras devem dar instruções adequadas aos condutores e efectuar controlos regulares, para assegurar o cumprimento quer do Regulamento (CEE) n.° 3821/85, quer do capítulo II do presente regulamento.
3. As empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa, ainda que essa infracção tenha sido cometida no território de outro Estado-Membro ou de um país terceiro.
Sem prejuízo do direito que lhes assiste de responsabilizarem plenamente as empresas de transportes, os Estados-Membros podem tornar esta responsabilidade dependente da infracção aos n.°s 1 e 2 por parte da empresa de transportes. Os Estados-Membros podem tomar em consideração quaisquer provas susceptíveis de demonstrar que não existem fundados motivos
para imputar à empresa de transportes a responsabilidade pela infracção cometida.
4. As empresas de transportes, os expedidores, transitários, operadores turísticos, contratantes principais, subcontratantes e agências de emprego de condutores garantirão que os calendários aprovados contratualmente em matéria de tempo de transporte obedecem ao presente regulamento.
5. a) Uma empresa de transportes que utilize veículos dotados de aparelhos de controlo conforme com o anexo IB do Regulamento (CEE) n.o 3821/85 e esteja abrangida pelo capítulo II do presente regulamento deve:
i) garantir que todos os dados sejam descarregados da unidade instalada no veículo e do cartão de condutor com a regularidade prevista pelo Estado-Membro. A empresa de transportes deve, se necessário, descarregar os dados relevantes com maior frequência, por forma a assegurar que todos os dados relativos às actividades realizadas por ou para essa empresa sejam descarregados;
ii) garantir que todos os dados descarregados da unidade instalada no veículo e do cartão de condutor sejam conservados durante pelo menos doze meses após o registo e, caso um agente encarregado do controlo o exija, sejam acessíveis, directamente ou à distância, a partir das suas instalações.
b) Para efeitos do presente número, «descarregamento» deve ser interpretado de acordo com a definição constante da alíneas) do capítulo I do anexo IB do Regulamento (CEE) n..3821/85;
c) O prazo máximo dentro do qual os dados pertinentes devem ser descarregados nos termos da subalínea i) da alínea a) será fixado pela Comissão nos termos do n.o 2 do artigo 24.»
E n.° 1 do artigo 19.°, inserido no Capítulo V relativo ao Controlo e Sanções dispõe que [o]s Estados-Membros devem determinar o regime de sanções aplicável às violações do disposto no presente regulamento e no Regulamento (CEE) n°3821/85 e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a sua aplicação. Essas sanções devem ser eficazes, proporcionadas, dissuasivas e não discriminatórias (...) .
A necessidade de concretização deste Regulamento em cada um dos Estados-Membros, apesar de o mesmo ser directamente aplicável em todos eles, resulta claramente destes preceitos, sobretudo deste último.
E resulta também dos mesmos ter sido intenção do Regulamento prever como princípio/regra a responsabilidade objectiva dos empregadores transportadores pelas infracções cometidas pelos respectivos trabalhadores; não obstante, aí se admitiu também que os Estados-Membros, no âmbito do poder/dever de regulamentação do quadro sancionatório, viessem a prever formas atenuadas dessa responsabilidade objectiva, designadamente: (a) enquadrando-a no âmbito de uma verdadeira responsabilidade subjectiva, ao fazer depender a sua responsabilidade da violação, por si cometida, dos deveres previstos nos n°s 1 e 2 do art. 10° do Regulamento; (b) ou, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento.
Tal concretização na ordem jurídica nacional ocorreu com a publicação da Lei n°27/2010 de 30.08 que anuncia no seu artigo 1° que [a] presente lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n°2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas n°2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, na parte respeitante a: a) Regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) n°561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março (...) .
O artigo 13° desta mesma lei dispõe que:
«1. A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n°3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n°561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3. O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22°.
4. (...).»
O Tribunal Constitucional pronunciou-se no seu acórdão n.° 45/20149, quanto à constitucionalidade dos n°1 e 2 do artigo 13° da Lei n°27/2010, de 30.08, no sentido de não julgar inconstitucional tal norma que responsabiliza o empregador pelas infracções cometidas pelo condutor em matéria de tempos de condução, pausas e tempos de repouso, a menos demonstre que organizou o trabalho de modo a que aquele pudesse cumprir o disposto nas normas comunitárias sobre a matéria.
Este aresto tece, a propósito do artigo 13.°, as seguintes considerações:
Neste preceito consagra-se uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário. Entende-se que, se um condutor não observar algum dos deveres estabelecidos na presente lei, sendo essa inobservância tipificada como contra-ordenação, há uma presunção que a respectiva infracção se deve à circunstância da entidade patronal não ter adoptado as medidas necessárias que impedissem a ocorrência do evento contra-ordenacional. O estabelecimento dessa presunção dispensa a alegação e prova dos factos materiais donde se pudesse extrair a responsabilidade do empregador pelos actos do condutor que é seu trabalhador, mas não deixa de permitir que aquele possa demonstrar que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço pudesse ter cumprido a norma que inobservou, excluindo assim a sua responsabilidade. Ora, conforme já tem referido este Tribunal, no âmbito das contra-ordenações, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contra-ordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (...) O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especialmente perceptível nas hipóteses em que, como na presente situação, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa (...) Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização dos tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, ela é contra-ordenacionalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por acção sua, tiver originado directamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infracção é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço. Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela actividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos. Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contra-ordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção.
Como se escreveu no Acórdão 336/2008, desta 2.a Secção do Tribunal Constitucional:
...existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contraordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide FIGUEIREDO DIAS, em Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 144-152, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).
A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.
É que no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração - social, moral, cultural - na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contraordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal. (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).
Não se trata aqui de uma culpa, como a jurídico penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima (FIGUEIREDO DIAS em O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, in Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).
Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social.»
E termina o acórdão afirmando que a solução contida no n.° 1 e no n.° 2 do artigo 13.° da Lei n° 27/2010, ao consagrar uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento da entidade empregadora dos condutores de transporte rodoviário, não é violadora do princípio penal da culpa, nem de qualquer outro parâmetro constitucional.
Já nesta senda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07 de Abril de 2016 decidiu que a responsabilidade pela contra-ordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15° n.° 7, al. a), e als. i) e iii) do Regulamento CEE n.° 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14° n.°s 1 e 4, al. a) e 25° n.° 1, al. b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08 impende, nos termos do n° 1 do artigo 13° da Lei 27/2010, de 30.08, sobre o empregador, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no n° 2 desse artigo 13°
No caso vertente, tendo presente esta prescrição legal, podemos concluir em face da matéria de facto dada como provada e não provada, que a arguida ora recorrida não fez prova de que a responsabilidade pela prática da contra-ordenação em causa deva ser imputada ao motorista, não decorrendo dos factos provados que organizou o trabalho de modo a que o motorista cumprisse os tempos de condução e repouso, por um lado, e, por outro, de modo a cumprir as obrigações necessárias ao controlo dos mesmos apresentando os documentos mencionados nas alíneas a) e b) do n.° 7 do artigo 15.° do Regulamento ou, na sua falta, os mencionados na alínea c) para justificar a falta de apresentação daqueles, não se provando sequer que, tal como alegou, prestasse formação aos seus motoristas sobre os procedimentos e manuseamento do disco/diagrama e do aparelho tacógrafo e, bem assim, que lhes ordenasse que respeitem os tempos máximos de condução e os tempos mínimos de repouso e que se façam acompanhar dos discos de tacógrafo (vide o ponto 2.2. dos factos não provados).
Não ilidiu pois a presunção de culpa estabelecida no artigo 13.°, n.° 2, da Lei n.° 27/2010, não sendo de molde a tal a circunstância de se ter considerado não provado que a arguida não actuou com o cuidado e diligência devidas (vide o ponto 2.3.).
Não resulta também dos factos provados qualquer outra circunstância demonstrativa de que o motorista seria o único responsável, desconhecendo-se, aliás, a razão da não apresentação das folhas de registo. De todo o modo, a haver razão justificativa já conhecida do empregador antes de o motorista iniciar nesse dia a condução, sempre cabia à arguida ora recorrida fornecer ao motorista os documentos necessários para que este, no acto de fiscalização em estrada, a pudesse comprovar.
Deve assim afirmar-se que a arguida ora recorrida actuou com culpa, na modalidade de negligência, razão por que se mostra preenchido o elemento subjectivo da contra-ordenação que lhe foi imputada pela ACT, devendo a mesma ser responsabilizada pela sua prática.
A arguida não discutiu na impugnação judicial da decisão condenatória da ACT a medida da sanção que lhe foi aplicada pela entidade administrativa, limitando-se a questionar o preenchimento dos elementos constitutivos da infracção com a alegação de que, à data da inspecção, o trabalhador F... estaria a iniciar a sua prestação laborai para a recorrente e fôra o seu primeiro e último dia de trabalho - o que não logrou provar - e uma vez que teria agido sem culpa - o que igualmente não logrou demonstrar -, pelo que resta repristinar a decisão condenatória da ACT.

4.3. Em caso de decaimento no recurso, há lugar ainda a condenação da arguida nas custas (artigo 92° n° 1 do DL 433/82, de 27 de Outubro e artigo 513° n° 1 do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto no artigo 8.° n.° 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aplicável por força do artigo 59.° do RGCOL, a taxa de justiça a fixar, a final do recurso, varia entre três e seis UC. No caso, apesar de ter decaído, sendo as custas a seu cargo, não será a arguida, todavia, responsável pelo pagamento da taxa de justiça, na medida em que não respondeu à motivação do recurso (artigo 7.°, n.° 2, do RCP).
5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revoga-se a sentença recorrida, repristinando-se a decisão condenatória da Autoridade das Condições do Trabalho, pelo que vai a arguida condenada na coima de no valor de € 2.856,00 (28 UC's), por ter praticado a contra-ordenação prevista nas disposições conjugadas dos artigos 25.°, n.° 1, al. b), da Lei n.° 27/2010 de 30 de Agosto e e art. 15.°, n.° 7, ais. a) e b) do Regulamento (CE) n.° 3821/85, de 20 de Dezembro, este com a redacção conferida pelo artigo 26.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 561/2006, de 15 de Março, e punida pelo artigo 14.°, n, °s 1 e 4, alínea a), da Lei n.° 27/2010 de 30 de Agosto.
Custas pela arguida ora recorrida, sendo que no recurso a mesma não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça.
(Documento elaborado pela relatora e integralmente` revisto por quem o subscreve - art. 94.°, n.° 2 do CPP)
Lisboa, 19-04-2017
Maria José Costa pinto
Manuela Bento Fialho
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