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 - ACRL de 23-03-2017   Sentença. Regulamentação do exercício das responsabilidades parentais. Fundamentação.
1. A fundamentação das decisões judiciais assume finalidades decisivas para a garantia da boa e devidamente compreendida administração da Justiça;
2. Fundamentar é, em primeira linha, gerar hetero-convencimento, ou seja, compreensão, pelas partes envolvidas, das razões determinantes do decidido;
3. Tais razões sustentam-se, numa decisão judicial, numa dupla vertente argumentativa, a saber, numa incidência fáctica e noutra de carácter jurídico, mediante aplicação aos factos cristalizados - fixados, também eles, em termos devidamente justificados -, de uma camada de Direito, ou seja, através da subsunção da factualidade às normas cuja fattispecie integrem.
4. É ao nível deste hero-convencimento que surge a importante finalidade de permitir aos litigantes e outros sujeitos atingidos pela decisão a aquisição plena do conteúdo do decidido para o aceitar ou impugnar judicialmente atacando com conhecimento e segurança as distintas linhas de suporte do definido judicialmente.
5. Num distinto nível, este convencimento do outro assume decisivo relevo ao tomar a aplicação da Justiça transparente, dadora de contas, conhecida nos seus métodos e critérios, susceptível de ser objecto de estudo, debate, acolhimento social, confronto e capaz de, através da geração de previsibilidade, melhor reparar o tecido social atingido por incidências de similar jaez.
6. Igual relevo tem a função de apoio jurisprudencial à formação de decisões ulteriores coerentes e articuladas entre si - só é invocável como fonte jurispnadencial de determinada orientação (por razões lógicas e técnicas), a decisão que se compreendeu e aceitou.
7. É, também, função da fundamentação, com não menor importância mas mais reduzida visibilidade entre o rol de motivos de exigência da justificação do decidido, a de produzir auto-convencimento. Quer isto dizer que o julgador; ao trilhar um determinado percurso técnico, intelectual e, particularmente, lógico, de apelo ao bom senso e à noção interiorizada de Justiça, está a convencer-se a si próprio. Este mecanismo assume-se como verdadeiro sistema de alerta para o decisor, Com efeito, se a argumentação escolhida não lograr convencer, em determinado ponto, quem a utiliza, deverá ser abandonada reiniciando-se, de imediato, em moldes distintos, o processo de justificação fáctica e técnica.
Proc. 3992/10.8TCLRS-C.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Carlos Marinho - Anabela Calafate - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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SUMÁRIO:
1. A fundamentação das decisões judiciais assume finalidades decisivas para a garantia da boa e devidamente compreendida administração da Justiça;
Il. Fundamentar é, em primeira linha, gerar hetero-convencimento, ou seja, compreensão, pelas partes envolvidas, das razões determinantes do decidido;
111. Tais razões sustentam-se, numa decisão judicial, numa dupla vertente argumentativa, a saber, numa incidência fáctica e noutra de carácter jurídico, mediante aplicação aos factos cristalizados - fixados, também eles, em termos devidamente justificados -, de uma camada de Direito, ou seja, através da subsunção da factualidade às normas cuja fattispecie integrem.
IV. É ao nível deste hero-convencimento que surge a importante finalidade de permitir aos litigantes e outros sujeitos atingidos pela decisão a aquisição plena do conteúdo do decidido para o aceitar ou impugnar judicialmente atacando com conhecimento e segurança as distintas linhas de suporte do definido judicialmente.
V .Num distinto nível, este convencimento do outro assume decisivo relevo ao tomar a aplicação da Justiça transparente, dadora de contas, conhecida nos seus métodos e critérios, susceptível de ser objecto de estudo, debate, acolhimento social, confronto e capaz de, através da geração de previsibilidade, melhor reparar o tecido social atingido por incidências de similar jaez.
Vl. Igual relevo tem a função de apoio jurisprudencial à formação de decisões ulteriores coerentes e articuladas entre si - só é invocável como fonte jurispnadencial de determinada orientação (por razões lógicas e técnicas), a decisão que se compreendeu e aceitou.
VIi. É, também, função da fundamentação, com não menor importância mas mais reduzida visibilidade entre o rol de motivos de exigência da justificação do decidido, a de produzir auto-convencimento. Quer isto dizer que o julgador; ao trilhar um determinado percurso técnico, intelectual e, particularmente, lógico, de apelo ao bom senso e à noção interiorizada de Justiça, está a convencer-se a si próprio. Este mecanismo assume-se como verdadeiro sistema de alerta para o decisor, Com efeito, se a argumentação escolhida não lograr convencer, em determinado ponto, quem a utiliza, deverá ser abandonada reiniciando-se, de imediato, em moldes distintos, o processo de justificação fáctica e técnica.
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO
M..., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «acção de regulação do poder paternal» contra H..., neles também melhor identificado, relativa à sua filha M....
Foi, nos aludidos autos, proferido despacho que fixou o seguinte regime provisório:
(...) Em face da matéria factual acima discriminada e ao abrigo do disposto no artigo 157°, n° 1 , da O.T.M., decide-se, a título provisório, o seguinte:
l - A Jovem M... fica a residir alternadamente com a sua mãe e com o seu pai, passando uma semana com cada um dos seus progenitores, a qual que se estenderá de Sábado ao Sábado seguinte;
11- Para efeitos de documentação oficial a residência da M... será a da mãe;
111 - Os pais da M... exercerão em comum as responsabilidades parentais no que respeita às questões de particular importância para a vida da filha e concretamente quanto às mais relevantes que respeitem à sua segurança, saúde educação, formação e eventuais deslocações ao estrangeiro da Jovem;
IV - A mãe da M... exercerá as funções de encarregada de educação da Jovem;
V - Considerando a evidente desproporção de meios materiais constatável entre os progenitores da M... o pai desta última pagará à mãe da Jovem a título de pensão alimentícia a quantia mensal de € 250,00 (Duzentos e cinquenta Euros), até ao dia 8 de cada mês e por meio de transferência bancária que concretizará para conta movimentada pela mãe da Jovem devendo a mãe fornecer ao pai em 5 dias o N.1.B, da dita conta;
Vi - O pai da M... pagará o montante que for necessário despender com a filha a título de despesas de educação e actividades extracurriculares devendo a mãe fornecer-lhe os documentos comprovativos dessas despesas (factura/recibo);
ViI - No dia do seu aniversário a M... almoçará na companhia do pai e jantará na companhia da mãe;
VIII - A M... passará nas suas férias escolares de Verão um período de 30 dias, dividido em 2 segmentos de 15 dias seguidos , na companhia do seu pai devendo o pai e a mãe concretizarem entre si esses períodos até ao próximo dia 15/07/2015.
É desta decisão que vem o presente recurso interposto por M..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
1- O Tribunal pode, ao abrigo do artigo 1570 da OTM, fixar um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2- Todavia, impõem os artigos 205°, n° 1 da CRP e 154° do CPC que as decisões judiciais (provisórias ou finais) sejam fundamentadas.
3- A fundamentação deve incidir sobre a explicitação dos motivos que levaram o Julgador a dirimir a controvérsia ou dúvidas no sentido em que o fez e deve ser a necessária e a suficiente à compreensão das razões da decisão enquanto opção.
4- In casu, ao regular provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais, o Mmo Juiz a quo enunciou, apenas, alguns factos em que se baseou para fixar um regime de guarda conjunta com residência alternada, relativamente a uma menor, actualmente:, com 14 anos, cujos progenitores se encontram em situação de conflito desde 2008.
5- Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de direito que determinaram a convicção do Julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação em violação dos comandos dos artigos 205.° da CRP e 154.° do CPC e consequentemente, ser declarada a nulidade da decisão recorrida nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea b) do cpc.
6- Em princípio, a nulidade da decisão por falta de fundamentação de direito, deveria levar à remessa dos autos para o Tribunal recorrido a fundamentar.
7- Dado que, todavia, o Tribunal a quo enunciou factos provados e que, com base neles tomou a decisão posta em crise e que a Recorrente discorda da mesma por violar o superior interesse da menor, o processo não deverá baixar para fundamentação de direito (porquanto, qualquer que ela seja não acatará o superior interesse da menor), mas, justamente no interesse da menor, deverá o processo prosseguir neste Tribunal Superior para apreciação do mérito da decisão com prolação de nova decisão provisória que substitua os pontos 1, m e V da decisão recorrida.
8- O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais está regulado nos artigos 174° a 185° da OTM e 1905° a 1912° do cc.
9- Quando um Tribunal fixa residência a um menor não está, apenas, a fornecer-lhe uma morada, mas, também, a determinar quem vai decidir os actos da sua vida corrente.
10- Quanto às responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do filho, a regra é de que são exercidas em comum por ambos os progenitores (artigo 1906°, n° 1, 1 ° parte do CC).
11- Por sua vez, do artigo 1906°, n°s 5 e 7 do CC resulta que o princípio a seguir é o do superior interesse do menor, que, sendo um conceito indetemrinado, carece de preenchimento.
12- Para o preenchimento de tal conceito, são relevantes factores relativos ao menor (de entre os quais a idade, a continuidade das relações afectivas do menor, a adaptabilidade ao ambiente extra-familiar e a eventual preferência por ela manifestada), factores relativos aos progenitores (de entre os quais a capacidade educativa, a disponibilidade afectiva, o tempo disponível, a ocupação profissional, a estabilidade do ambiente facultado aos filhos e a vontade de promover as relações com o outro progenitor) e, ainda, factores externos (tais como as condições geográficas, materiais e familiares).
13- Os pontos 1, ll (atribuição de guarda conjunta com residência alternada) e V (pensão de alimentos) da decisão proferida não tiveram em conta o superior interesse da menor no que violam os comandos do artigo 1906°, n°s 5 e 7 do CC.
14- A menor L... nasceu em 29/06/2001; Os pais da L... estiveram separados de facto entre 2008 e Fevereiro de 2015, data em que foi decretado o divórcio; A presente acção foi instaurada pela ora Recorrente em 13/02/2009; A menor sempre ficou a residir com a mãe; Em 25/05/2010, teve lugar a 2a conferência de pais, onde, face à falta de acordo dos progenitores, foi fixado provisoriamente que a menor passaria uma semana com cada um dos progenitores, com início à sexta-feira, ao final do dia, indo os progenitores buscá-la ao colégio; Depois de meio ano de residência alternada, a decisão provisória foi declarada nula por este Tribunal da Relação de Lisboa e, em Janeiro de 2011, a menor voltou a residir com a mãe a tempo inteiro; Em 21/06/2012, foi elaborado o relatório social da Requerente. (fls. 204 a 211);
Também foi elaborado o relatório social do Requerido. (fls. 217 a 222); De 2012 para cá, foram os progenitores consultados duas vezes sobre as promoções do MP e pouco mais; A menor tinha 10 anos quando, neste processo, foi objecto dos relatórios sociais e quando afirmou que concordar com a guarda alternada semanal entre os progenitores (factos provados n°s 1 e 10); A menor tem, actualmente, 14 anos; A menor não voltou a ser indagada sobre a sua vontade; Os pais continuam em desacordo; A menor tem residido com a mãe e visitado amplamente o pai, com quem passa fins-de-semana quinzenais e férias.
15- Não obstante o referido em 14, o Tribunal a quo, de forma abrupta e surpreendente, estabeleceu um regime provisório de guarda conjunta com residência alternada, sem ouvir peritos, testemunhas, a menor, ou quem quer que seja, põe em risco o bem estar da menor.
16- Ora, a fixação da guarda conjunta só é aceitável quando se verifica uma particular e especial interacção entre os progenitores e um relacionamento amistoso entre ambos, ou seja, exactamente o contrário do que acontece com os progenitores dos autos.
17- E, por isso, estando os progenitores em permanente conflito, parece evidente que uma definição de residência alternada, com rotatividade semanal, contribuirá para criar na menor um estado geral de instabilidade emocional e física, o que atenta contra o seu superior interesse.
18- O clima conflituoso existente entre os progenitores da menor teria bastado para impedir a decisão de guarda conjunta e de residência alternada.
19- Por último, não poderá deixar de se referir o seguinte: O Mmo Juiz a quo decretou, também, a providência cautelar de alimentos devidos a cônjuge, determinando o pagamento pelo ora Recorrido de uma pensão de alimentos provisórios à ora Recorrente no valor mensal de 500 € que, o Tribunal da Relação de Lisboa reduziu para 250 € mensais.
20- Nessa decisão de decretamento dos alimentos provisórios, o Mmo Juiz a quo considerou provado que o aqui Recorrido padecia de doença oncológica que o limita nas suas tarefas diárias e que algumas das despesas (elevadas) que tinha provêm de pagamento de ajuda prestada por terceiros ...
21- Ora, apesar de tais factos (a limitação e a debilidade física e as elevadas despesas) serem absolutamente falsos (tendo, com o devido respeito, o Julgador sido iludido pelos depoimentos dos filhos mais velhos do Recorrido) não se compreende como pode o mesmo Tribunal fixar uma guarda conjunta referente a uma menor de 14 anos e uma residência alternada em que um dos progenitores sofre (alegadamente) de limitações físicas graves e tem saúde alegadamente débil!.
22- A ser verdade - o que não se concede - implica que a decisão ora posta em crise, também, por isto, atentaria contra o superior interesse da menor L....
23- A decisão ora posta em crise é ilegal por violar o disposto nos artigos 1906°, n°s 5 e 7 do CC e 180°, n° 1 da OTM, devendo ser substituída por outra que fixe um regime de guarda a favor da Recorrente com residência fixa junto desta e regime de visitas a favor do pai da menor.
24- Os alimentos são tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentando, cabendo aos progenitores custear as despesas daí advenientes.
25- A prestação de alimentos deve corresponder ao montante necessário a uma adequada satisfação das necessidades inerentes à idade da menor, à sua saúde e bem-estar, às suas aptidões, ao nível social dos progenitores, tudo tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, devendo estabelecer-se um equilíbrio entre estas necessidades e as possibilidades de quem presta os alimentos.
26- Quanto às necessidades da menor L..., resulta dos autos que desde Julho de 2014, com excepção dos livros escolares do ano lectivo 2014/2015, o Recorrido em nada tem contribuído para o sustento da menor, recaindo sobre a Recorrente todas as despesas da menor e que até às férias de Agosto de 2015, a menor custava à Recorrente quantia mensal não inferior a 840 €, correspondente ao somatório dos seguintes valores: habitação (200 €); alimentação (cerca de 20 pequenos almoços, 15 almoços, 20 lanches e 15 jantares, no total de 280 €); higiene pessoal e do lar (50 €); electricidade (30 €); água (20 €); gás (20 €); televisão, net e telefone (25 €); vestuário (30 €) e fazer (20 €); transporte (150 €) e telemóvel (15 €).
27- Por sua vez, quanto à capacidade financeira dos progenitores, resulta dos autos que o Recorrido aufere uma reforma ilíquida de, pelo menos, 4.845,90 € correspondente ao valor líquido de 3.133 € (facto provado nº 7) e que a Recorrente aufere uma pensão de alimentos provisórios de 250 € mensais.
28- Entende a Recorrente que considerando os rendimentos de ambos os progenitores e as necessidades da menor, deverá ser provisoriamente fixada, para o período a partir de Julho de 2014, inclusive, uma pensão de alimentos no valor mensal de 600 €, conforme peticionado.
29- E, assim, o dispositivo constante dos pontos V da decisão ora posta em crise é ilegal por violar o disposto nos artigos 1906.°, n.° 7 do CC e 180.°, n° 1 da OTM, devendo ser substituído por outro que atenda ao pedido da Recorrente atrás enunciado.
30- Por último, a decisão recorrida, ao não designar data para julgamento, violou o disposto no artigo 179°, n° 2 da OTM, que impõe que, no caso de os progenitores terem apresentado alegações, se deve passar à fase da discussão julgamento, pelo que deve ser ordenado ao Tribunal a quo a designação de data para audiência de julgamento, em cumprimento do citado dispositivo legal.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve esta apelação ser julgada procedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
O Ministério Público respondeu a tais alegações concluindo que:
No caso, na douta sentença ora recorrida, não existiram quaisquer deficiências, erros ou incorrecções na análise dos factos, na produção e análise dais provas, aquelas que o tribunal, fundada e fundamentadamente, considerou, diferentemente da interpretação da prova da recorrente; sendo evidente que a opção do tribunal está conforme às regras legais, v. g. com as regras da experiência comum, tendo a prova sido coerentemente valorada, lógica e racionalmente explicitada.
No texto da sentença recorrida está bem patente a formação de uma livre convicção, convicção, essa, alicerçada nas regras de experiência comum, da lógica e da ciência jurídica, atendendo-se ao superior interesse e necessidades da criança, da M... e de acordo, até, com esta; à situação social, moral e económica dos seus progenitores; aos elementos de facto e de direito, no caso, aplicáveis.
Termos em que, contrariamente à pretensão da recorrente/apelante, deve ser confirmada a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso, com aplicação da habitual Justiça.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. São as seguintes as questões a avaliar:
1. Por não se encontrarem especificados os fundamentos de direito que determinaram a convicção do Julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação em violação dos comandos dos artigos 205.° da CRP e 154.° do CPC e consequentemente, ser declarada a nulidade da decisão recorrida nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Civil?
2. Face aos factos fixados, deverá ser proferida decisão provisória de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos propostos no presente recurso?
3. A decisão recorrida, ao não designar data para julgamento, violou o disposto no artigo 179.°, n.° 2 da OTM, pelo que deve ser ordenado ao Tribunal a quo a designação de data para audiência de julgamento, em cumprimento do citado dispositivo legal?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos:
1. M... nasceu no dia 29/06/2001 e encontra-se registada como filha de H... e de M...;
2. Os pais da M... contraíram entre si matrimónio no dia 05/05/2005 e deixaram de coabitar um com o outro no final do ano de 2008, mantendo entre si uma relação comunicacional difícil, inclusive sobre os assuntos especificamente referentes à filha onde a cooperação não impera, encontrando-se divorciados desde 01/02/2015 por sentença proferida nos autos principais, devidamente transitada em julgado;
3. Consumada a separação entre Requerente e Requerido a M... ficou a residir com a mãe, mantendo convivência assídua com o pai, nomeadamente em fins de semana alternados, férias, jantando ainda uma vez por semana com o pai em dia útil;
4, A Requerente é beneficiária de R. S.1. auferindo o montante mensal de cerca de € 231, 60, encontra-se desempregada, está inscrita no Centro de Emprego e Formação Profissional sendo por vezes selecionada para alguns programas formativos, recebe uma prestação de cerca de € 40,00 mensais a título de abono de família da Maria L... e uma pensão alimentícia para si, fixada judicialmente, que é paga pelo Requerido no valor atual de € 250,00 mensais, beneficiando de ajuda económica de um irmão seu e de outros familiares;
5, A M... mantém com a mãe uma relação de forte proximidade afetiva e de confiança, não se coibindo nunca de lhe contar os seus segredos e de partilhar com ela situações vividas com os pares e de lhe solicitar apoio sempre que necessita;
6. A Requerente revela competências ao nível do exercício da parentalidade, fazendo um grande esforço para que a filha mantenha o mesmo registo educativo quando está com o pai;
7. O Requerido encontra-se reformado, auferindo uma pensão mensal de cerca de € 4845 ilíquidos, traduzível em cerca de € 3.133,00 líquidos;
8. O Requerido vive sozinho, em casa arrendada sita no Parque das Nações em Lisboa, pagando uma renda de cerca de 1.150, 00 mensais, despende com consumos domésticos cerca de € 200,00 mensais e tem suportado com regularidade despesas com educação e com atividades extra-curriculares da M...;
9. O Requerido estabelece diálogo adequado com a filha, observando-se comunicação fluida entre ambos;
10. A Jovem M... afirma concordar com a guarda alternada semanal entre os progenitores;
11. O Requerido mantém com a filha relação empática e apresenta condições pessoais e relacionais que lhe permitem assumir a guarda da menor em períodos semanais ou quinzenais alternados;
12. A M... frequenta atualmente a Escola Básica Vasco da Gama sita em Lisboa, na zona da Expo, próximo da casa do Requerido.
Emergem, ainda, dos autos, os seguintes elementos fácticos complementares.
13. Realizou-se, no processo em que se gerou o presente recurso, audiência de discussão e julgamento;
14. Foi aí proferida, com data de 16.12.2016, sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativas a M....
Fundamentação de Direito
1. Por não se encontrarem especificados os fundamentos de direito que determinaram a convicção do Julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação em violação dos comandos dos artigos 205.° da CRP e 154.° do CPC e consequentemente, ser declarada a nulidade da decisão recorrida nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
A fundamentação das decisões judiciais assume distintas e bem conhecidas finalidades, todas elas decisivas para a garantia da boa e devidamente compreendida administração da Justiça.
Fundamentar é, em primeira linha, gerar hetero-convencimento, ou seja, compreensão, pelas partes envolvidas, das razões determinantes do decidido. Tais razões sustentam-se, numa decisão judicial, numa dupla vertente argumentativa, a saber, numa incidência fáctica e noutra de carácter jurídico, mediante aplicação aos factos cristalizados - fixados, também eles, em termos devidamente justificados -, de uma camada de Direito, ou seja, através da subsunção da factualidade às normas cuja fattispecie integrem.
É ao nível deste hero-convencimento que surge a importante finalidade de permitir aos litigantes e outros sujeitos atingidos pela decisão a aquisição plena do conteúdo do decidido para o aceitar ou impugnar judicialmente atacando com conhecimento e segurança as distintas linhas de suporte do definido judicialmente.
Num distinto nível, este convencimento do outro assume decisivo relevo ao tornar a aplicação da Justiça transparente, dadora de contas, conhecida nos seus métodos e critérios, susceptível de ser objecto de estudo, debate, acolhimento social, confronto e capaz de, através da geração de previsibilidade, melhor reparar o tecido social atingido por incidências de similar jaez.
Igual relevo tem a função de apoio jurisprudencial à formação de decisões ulteriores coerentes e articuladas entre si - só é invocável como fonte jurisprudencial de determinada orientação (por razões lógicas e técnicas), a decisão que se compreendeu e aceitou.
É, também, função da fundamentação, com não menor importância mas mais reduzida visibilidade entre o rol de motivos de exigência da justificação do decidido, a de produzir auto-convencimento. Quer isto dizer que o julgador, ao trilhar um determinado percurso técnico, intelectual e, particularmente, lógico, de apelo ao bom senso e à noção interiorizada de Justiça, está a convencer-se a si próprio. Este mecanismo assume-se como verdadeiro sistema de alerta para o decisor. Com efeito, se a argumentação escolhida não lograr convencer, em determinado ponto, quem a utiliza, deverá ser abandonada reiniciando-se, de imediato, em moldes distintos, o processo de justificação fáctica e técnica. Desde logo porque dificilmente convence o outro quem nem a si próprio se convence, sequer no âmbito formal e cerrado de uma mera dialética heurística.
A exigência de fundamentação está de tal forma instalada no travejamento do sistema de sustentação do Estado de Direito Democrático que merece inscrição entre os comandos constitucionais. Com efeito, o n.° 1 do art. 205.° da Constituição da República Portuguesa estatui, com a necessária clareza e sem qualquer tibieza ou compressão por regimes de excepção, que «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Este desígnio teve expressão no regime adjectivo relativo à regulação das intervenções judiciais, nos termos peremptórios e claros enunciados no art. 154.° do Código de Processo Civil (em linha como antes constante do art. 158.° do Código de Processo Civil de 1961), sob a epígrafe «Dever de fundamentar a decisão», que se transcrevem:
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Tão axilar relevo teria que repercutir-se ao nível das consequências do desrespeito da regra sob avaliação. Assim, a al. b) do art. 615.° do Código sob referência veio cominar com nulidade a sentença que «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
No caso em apreço, temos que a decisão impugnada contém clara fundamentação de facto, já que indicou, de forma expressa, a factualidade supra-transcrita sob os n.°s 1 a 12 dos factos provados.
Aqui chegados, que dizer da fundamentação de Direito e da subsunção?
Extraímos da decisão criticada que o Tribunal «a quo», a este nível, lançou a referência genérica «Em face da matéria factual acima discriminada e ao abrigo do disposto no art. 157.°, n.° 1, da O.T.M., decide-se, a título provisório, o seguinte». A primeira parte da afirmação limita-se a reiterar a fundamentação fáctica. A segunda lança a indicação de uma norma. Porém, não faz qualquer subsunção jurídica. Não integra os factos numa previsão normativa, menos explica como a inclusão numa determinada previsão legal conduziria ao regime provisório fixado.
Da decisão impugnada extraímos, apenas, que o Tribunal «a quo» julgou um certo conjunto de factos como provado, considerou que um determinado artigo da Organização Tutelar de Menores relevaria para a sua decisão e, de forma inopinada, em patente salto lógico e técnico, apareceu com uma regulação de determinado conteúdo.
Num tal contexto, não conseguimos compreender as razões de decidir; não nos é explicado por que só a solução atingida poderia fazer sentido à luz daqueles factos. Assim desenhado, o fixado antes assume um carácter majestático, incontrolável através de análise técnica e exegese que apele à lógica, ao bom senso e à noção de Justiça.
A decisão posta em crise não está juridicamente fundamentada. Tal ocorre com carácter particularmente gerador de apreensão porquanto este Tribunal da Relação de Lisboa tinha já assinalado, nestes mesmos autos, através do Acórdão de fls. 228 a 235, idêntico vício, em termos que determinaram a anulação do processado.
É o mesmo o destino deste recurso. A invocada alínea do n.° 1 do art. 615,° do Código de Processo Civil impõe que se declare nula a decisão. É positiva a resposta à questão proposta.
2. Face aos factos fixados, deverá ser proferida decisão provisória de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos propostos no presente recurso?
Como bem assinala a Recorrente, à data da prolação da decisão sob crítica, a M..., maior de 14 anos, não foi ouvida, de forma actualizada, antes da fixação do regime provisório em apreço. Considerando tal idade e o facto de a fixação de um regime de residência alternada tanto depender da compreensão, envolvimento e aceitação por parte da criança envolvida, não possui este Tribunal os necessários elementos de sustentação da decisão que se pretende que profira.
Tal sempre imporia a necessidade de determinar à 1.a Instância a colheita deste elemento decisivo.
Porém, verifica-se que foi já proferida sentença final do processo (desconhecendo-se se ocorreu já o respectivo trânsito em julgado), pelo que será ao nível da mesma que relevarão os esforços instrutórios e de definição de regimes regulatórios.
Por assim ser, não se decide nos termos propostos pela Recorrente, ou em quaisquer outros, no quadro da pretendida fixação de um regime provisório de regulação alternativa.
3. A decisão recorrida, ao não designar data para julgamento, violou o disposto no artigo 179.°, n.° 2 da OTM, pelo que deve ser ordenado ao Tribunal a quo a designação de data para audiência de julgamento, em cumprimento do citado dispositivo legal?
Está prejudicada a formulação de resposta a esta questão uma vez que foi já realizada a audiência de discussão e julgamento.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação procedente e, em consequência, anulamos a decisão impugnada.
Custas pela parte por elas responsável a final.

Lisboa, 23.03.2017
Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.a Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.° Adjunto)
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