Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 21-03-2017   Regulação do exercício das responsabilidades parentais. Providência cautelar. Fundamentos.
1 - Na pendência da providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal, pode mostrar-se necessário acautelar certos efeitos dessa regulação ou definir regimes provisórios relativamente a alguns desses efeitos. Tal justifica a consagração legal de providências provisórias e cautelares específicas que podem ser cumuladas com o respectivo processo definitivo.
2 - Nos presentes autos está já assegurada a composição provisória do litígio, na medida em que foi já proferida decisão provisória, transitada em julgado.
3 - Por outro lado, os factos alegados, mesmo a provarem-se, não se reconduzem a uma situação de tal modo urgente que não se compadeça com o tempo da tramitação da acção principal.
4 - Acresce que os factos alegados, ainda que se provassem, não integram a previsão dos artigos 52 do RGPTC e 1915 do Código Civil.
Proc. 1998/15.0T8CSC 7ª Secção
Desembargadores:  Carla Inês Câmara - Maria do Rosário Morgado - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo nº 1998/15.0T8CSC-B- Recurso de Apelação
Recorrente: A...
Recorrida: L....

Sumário:
i) Na pendência da providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal, pode mostrar-se necessário acautelar certos efeitos dessa regulação ou definir regimes provisórios relativamente a alguns desses efeitos. Tal justifica a consagração legal de providências provisórias e cautelares específicas que podem ser cumuladas com o respectivo processo definitivo.
ii) Nos presentes autos está já assegurada a composição provisória do litígio, na medida em que foi já proferida decisão provisória, transitada em julgado.
iii) Por outro lado, os factos alegados, mesmo a provarem-se, não se reconduzem a uma situação de tal modo urgente que não se compadeça com o tempo da tramitação da acção principal.
iv) Acresce que os factos alegados, ainda que se provassem, não integram a previsão dos artigos 52º do RGPTC e 1915º do Código Civil.

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
A... veio propor a presente «providência cautelar, sem prévia audiência da requerida, com inversão do contencioso para inibição ao exercício das responsabilidades parentais» contra L....
Alega relativamente: aos escuteiros do menor (I), ao Domingo de Páscoa (II), ao Desleixo, incúria na administração de antibiótico ao menor pela progenitora (111), ao aniversário da progenitora (IV), ao Pet Festival - Salão dos Animais de Estimação - Exposição de furões do menor (V), ao período de visitas do menor na progenitora de 15 a 22 de Janeiro de 2016 (VI), à consoada e dia de Natal de 2015 (VII), à escola do menor (VIII), à progenitora, que nunca contribuiu para as despesas do menor (XI), e aos factos que estão a ser apreciados no DIAP de Cascais, no processo n.º 2978/15.0T9CSC.

Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, com os seguintes fundamentos:
« (...) São assim pressupostos da inibição: a) a violação dos deveres para com os filhos; b) que essa violação seja culposa; e c) que dela resulte graves prejuízos para os filhos.
A valoração da incapacidade dos progenitores para exercerem as responsabilidades parentais assenta basicamente em dois factores: por um lado, na culpa imputável aos progenitores pela violação dos deveres para com os filhos e, por outro, na averiguação da gravidade do prejuízo para estes resultantes dessa violação.
Ora, a factualidade alegada, mesmo a provar-se, não é susceptível de conduzir à limitação ou inibição das responsabilidades parentais da requerida, progenitora do menor M.... Os pressupostos supra referenciados para essa inibição não se mostram de antemão verificados! Conforme entende a jurisprudência superior, não se está perante situação(ções) que revistam uma carga negativa ou gravidade tal que possa vir a determinar a inibição das responsabilidades parentais da progenitor do menor!
Ademais, e tal como foi bem referenciado no parecer que antecede, o ora Requerente, progenitor do menor Marco António, não pode através do presente procedimento cautelar ver alterada uma decisão provisória proferida, ao abrigo do artigo 28.º do RGPTC, na acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais (cfr. fls. 258 a 261 da acção de regulação - Apenso A) e já transitada em julgado (cfr. despacho de 9/05/2016, junto fls. 1363 do Apenso A, de não admissão do recurso).
Relativamente ao alegado perigo a que o menor estará sujeito, importa remeter para o despacho proferido a 16/12/2015 na acção de regulação e que fixou o regime provisório do exercício (o qual, através do presente meio processual, se pretende ver alterado), alertando novamente para o perigo existente decorrer do grande conflito existente entre os pais desta criança. Relembra-se o que se escreveu naquela sede: «(...) realce-se que resulta evidente dos autos que a existir um efectivo perigo para o menor - o que poderá motivar a eventual propositura do respectivo processo judicial de promoção e protecção - este não decorre dos convívios com a mãe mas, sim, do conflito existente entre família paterna e progenitora. Apela-se, por isso, a que esse conflito termine o quanto antes!».
Quanto ao eventual processo de promoção e protecção que deverá correr a favor desta criança, saliente-se, por fim, que na acção de regulação foi solicitada expressamente à CPCJ de Cascais informação sobre a existência/pendência de processo de promoção e protecção relativo a esta criança. Ora, essa informação foi agora junta a fls. 1377 e 1378 dos autos de regulação, ainda a apreciar pelo Tribunal.
Face a tudo o que se expôs e, em síntese, por a pretensão deduzida pelo progenitor se revelar desde logo manifestamente improcedente à luz do que estabelecem os artigos 28.º e 52.º e ss. do RGPTC e 1915.º do Código Civil, importa indeferir liminarmente o requerimento inicial.
Destarte, dando aqui por integralmente reproduzidos os demais argumentos aduzidos no parecer que antecede, ao abrigo do artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e por o pedido formulado ser manifestamente improcedente, indefere-se liminarmente o requerimento inicial.»

Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando as seguintes conclusões:
A - Nas providencias tutelares cíveis, processos de jurisdição voluntária, são aplicáveis as providencias conservatórias ou antecipatórias concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, quer antes ou depois de instaurada acção e que seja dependente desta ou seja autónoma, podendo face à reforma do CPC de 2013, ser decidida a inversão do contencioso, a dispensar até ao encerramento da audiência final da providencia, cuja decisão sem ter influencia no julgamento da Acção da Regulação das Responsabilidades Parentais, não pode ficar indiferente a esta, por força do principio da harmonização e conjugação das decisões e do superior interesse do menor.
B - A providencia cautelar visando a inibição total ou parcial ou estabelecendo limitações ao exercício das responsabilidades parentais, insere-se na previsão da alinea h) do art.° 3.º do RGPTC e não na al. c) do mesmo regime, que trata da Regulação das Responsabilidades parentais, pelo que têm factos, objecto e autonomia próprias, independentes não se confundido nem são ente si dependentes.
C - O tribunal toma conhecimento da providencia requerida, com a prova sumária do direito ameaçado e da justificação do receio da lesão, devendo o tribunal face a um juízo de prognose da probalidade séria da existência do direito se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão, decidir, tendo em atenção os princípios da jurisdição voluntária, traduzidos pela simplificação de procedimentos e uma menor vinculação à lei e a critérios de legalidade estrita, NÃO dispensam o tribunal de se pronunciar sobre questões essenciais que relevam para a decisão da causa nem dispensam de fundamentar adequadamente a decisão.
D - No Âmbito das providencias tutelares cíveis, e qualquer que ela seja, o juiz está obrigado a cumprir os princípios orientadores previstos no art.º 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aplicável, pelo art.° 4.º n.º 1 do RGPTC, entre eles do superior interesse do menor, intervenção precoce, proporcionalidade e atualidade, responsabilidade parental,
E - E havendo uma situação de perigo, causada por um dos progenitores, latente ou em potencial perigo eminente ou em perigo efectivo, o juiz tem face aos meios que dispõe de acautelar a segurança e bem estar do menor, mesmo que para tal se inibe a progenitora em termos a salvaguardar a segurança, bem estar, saúde e global desenvolvimento do menor.
F - E uma situação de perigo é aquela que tem a potencialidade de gerar um dano, aferindo-se a sua existência pela circunstância de se criar para o bem ou valor protegido num estado de insegurança existencial em função do qual já não se pode confiar totalmente na ausência de dano.
G - Face aos factos de perigo alegados, a providência teria que ser decretada, após a audição das testemunhas e audição do menor, concluindo com a inibição da progenitora, permitindo após o seu decretamento oportunidade do contraditório da requerida.

Foram apresentadas contra-alegações.

Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir é a de apurar se estão verificados os pressupostos para que seja determinado o prosseguimento da presente providência cautelar de inibição do exercício das responsabilidades parentais da progenitora.

OS FACTOS alegados pelo recorrente no requerimento inicial são:
1 - Escuteiros do menor: quando o menor está de visita ao pai frequenta os escuteiros; quando está de visita à mãe esta não o leva a frequentá-los.
2 - Domingo de Páscoa: o menor e o pai pretendiam almoçar juntos e, cabendo tal período à progenitora, esta não autorizou.
3 - Administração de antibiótico ao menor pela progenitora: tendo o menor tido uma otite e tendo o pai levado o mesmo ao médico, tenho-lhe sido prescrito antibiótico, o pai entregou-o à progenitora para continuação das tomas; Posteriormente, quando esta entregou o menor ao pai, esqueceu-se do mesmo e referiu que este não tinha acabado.
4 - Aniversário da progenitora: estando o menor em casa dos avós paternos, não aceitou convite para estar com o menor na casa daqueles, não tendo atendido telefonema do menor.
5 - Pet Festival - Salão dos Animais de Estimação - Exposição de furões do menor: a progenitora não levou o menor, que tem 2 furões, a esta exposição.
6 - Período de visitas do menor na progenitora de 15 a 22 de Janeiro de 2016: o menor não saiu à rua no fim-de-semana de 16/17 Janeiro; faltou à escola sem o conhecimento do pai de 19 a 22 de Janeiro; Sem que o pai soubesse a progenitora terá levado o menor ao médico, estando aquele com febre de 38,6º, tendo sido passado atestado médico para 19 e 20 de Janeiro; a progenitora foi sozinha dia 20 à consulta de psicologia do menor, sem se saber onde e com quem o mesmo ficou; a progenitora não foi com o menor ao médico dia 20, nomeadamente para avaliar o menor, mudar a medicação e passar novo atestado para os dias seguintes, justificando ela mesma as faltas do menor à escola; o menor mesmo doente fez um percurso a pé de 2,2 km para ser entregue ao pai, não tendo deixado os medicamentos mas dois pedaços de cartão das caixas dos medicamentos onde estavam manuscritos os nomes dos mesmos.
7 - Consoada e dia de Natal de 2015: foi passado com o pai e a passagem de ano com a mãe que recusou pedido do menor para telefonar ao pai.
8 - Escola do menor: a progenitora na escola do menor, em frente de todos os encarregados de educação, aproveitando a reunião de encarregado de educação do menor, rasurou na acta a presença da assinatura do pai apondo sobre a mesma a sua assinatura, o que fez de propósito e com risos a fim de magoar o progenitor e retirar-lhe autoridade de Encarregado de Educação.
9 - A progenitora nunca contribuiu para as despesas do menor.
10 - Perigo do menor quando está aos cuidados da progenitora: a casa onde a mesma vive é frequentada por mulheres, massagistas, uma que se diz taxista, outra que diz ser a dona da casa. O menor faz o trabalho de casa utilizando um travesseiro/almofada como apoio na única cama existente na suite em que dorme com a progenitora; Quem ajuda os menores nos trabalhos de casa são terceiros; a progenitora faz vestir ao menor roupa suja ou descosida, o qual leva vestido para a escola e envia para o lanche do menor leite com chocolate dentro de uma garrafa que utiliza durante a semana, a qual não é própria nem adequada para acondicionar tal alimento, nem higiénica, sendo que tais garrafas vêm sujas, pegajosas e com o gargalo sujo; leva o menor para a escola a pé quando existem meios de transporte; quando vai buscar o menor em carro de amigas não leva a cadeirinha de criança; à noite deixa o menor sozinho no quarto fechado; às terças e quintas entrega o menor a uma pessoa que desconhece quem seja, que fica à noite com o menor; não o levou à bênção aos estudantes no início do ano lectivo; não o levou ao dentista cuja consulta estava marcada; não colocou o menor em conversação telefónica com os avós paternos; quando o progenitor foi buscar o menor à escola este apresentava hematoma do lado direito do rosto, declarando a professora que tal não ocorreu na escola e afirmando o menor que foi a progenitora que lhe bateu.
OS FACTOS supervenientemente alegados pelo recorrente ( fls 287 e segs):
11 - Administração de antibiótico ao menor pela progenitora: o menor esteve com uma otite e tendo o pai ido buscá-lo à escola verificou pela caderneta que o mesmo havia faltado à escola, sem qualquer justificação médica, bem como encontrou o antibiótico na mochila do menor quando deveria ser guardado no frigorífico e fora do alcance de crianças; a progenitora não ministrou o antibiótico de acordo com as dosagens indicadas.
12 - Escola do menor: os trabalhos de dia 24 de maio estavam por fazer, quando deviam ter sido efectuados no período da progenitora; a mãe não paga as refeições escolares que lhe cabem pagar.
13 - Perigo do menor quando está aos cuidados da progenitora: quando foi buscar o menor, a 27 de maio, tinha um polar e calças grandes, que lhe caiam e sandálias; tinha os pés doridos e muito frios. A progenitora prepara o lanche para toda a semana e no final do dia regressa com o lanche de volta para casa, trazendo o menor todos os dias o mesmo conteúdo até que o mesmo acabe; na lancheira encontrou iogurtes líquidos sem estarem em condições de serem consumidos e fruta podre, estando a lancheira sempre muito suja.

14 - Foi proferida nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente ao menor, decisão provisória, nos termos do artigo 28º do RGPTC, a qual está transitada em julgado, encontrando-se aqueles autos, à data da prolação da decisão de indeferimento, em 08.06.2016 a aguardar realização de perícias solicitadas ao IML.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
À luz dos factos provados, importa aferir se estão verificados os pressupostos para o prosseguimento desta providência, determinando-se o seu procedimento, designadamente com a produção de prova.
Atenda-se a que, como consta quer das alegações do recorrente, quer da promoção e decisão proferidas, existe uma decisão provisória relativa à regulação das responsabilidades parentais.
Como decorre do que alega o recorrente, no requerimento inicial «A decisão provisória está a colocar em risco sério o fim ou eficácia da providência, pois a progenitora vem infligindo continuamente, a violação dos deveres para com o filho, com grave prejuízo deste, a progenitora nunca mostrou condições para cumprir os deveres de progenitora»
artigo 88º do requerimento inicial).
Claramente daqui decorre que o recorrente não se conforma com aquela decisão provisória, transitada em julgado, lançando, então, mão da presente providência. Tanto assim é que formula pedido nos seguintes termos:
« (...) deve a progenitora ser inibida de ter a visita do menor, em guarda alternada, devendo ser alterada a decisão provisória, passando o progenitor a ter a guarda única do menor, podendo a progenitora visitar o menor sob vigilância do progenitor ou em melhores e ulteriores termos a definir pelo tribunal.
Seja (..) o progenitor declarado EE do menor.
(..) ficando o progenitor com a guarda do menor (...)
Seja permitido ao menor frequentar a Catequese e os Escuteiros (...)»
Vejamos, então, se estão verificados os pressupostos da pretensão do recorrente.
A Lei n.° 141/2015, de 08 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, prevê providência tutelar cível relativa à inibição do exercício das responsabilidades parentais, dispondo artigo 3.º que constituem providências tutelares cíveis «h) A inibição, total ou parcial, e o estabelecimento de limitações ao exercício das responsabilidades parentais;», estabelecendo o artigo 52º do mesmo regime que «O Ministério Público, qualquer familiar da criança ou pessoa sob cuja guarda se encontre ainda que de facto, podem requerer a inibição, total ou parcial, do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinia culposamente os deveres para com os filhos, com qrave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres.».
Por seu turno o artigo 1915.º do Código Civil estabelece que:
«1. A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com qrave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres.
2. A inibição pode ser total ou limitar-se à representação e administração dos bens dos filhos; pode abranger ambos os progenitores ou apenas um deles e referir-se a todos os filhos ou apenas a algum ou alguns.
3. Salvo decisão em contrário, os efeitos da inibição que abranja todos os filhos estendem-se aos que nascerem depois de decretada.»
Por seu turno, seja como preliminar (depois apensa à acção principal) de uma acção de inibição ou como seu incidente (a correr nessa acção principal) pode ser pedida a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando ocorra uma situação de tal modo urgente que não se compadece com o tempo da tramitação da acção principal.
Terá de ser oferecida prova sumária da incapacidade de um ou de ambos os pais de cuidar do filho.
De facto, nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar a prolação de uma decisão definitiva do tribunal, que reúna e pondere com segurança todos os elementos necessários a essa pronúncia.
É, assim, necessário, por vezes, obter uma composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva.
Ora, por um lado, nos presentes autos está já assegurada a composição provisória do litígio, na medida em que foi já proferida decisão provisória, transitada em julgado, aguardando aos autos de regulação a realização de perícias solicitadas ao IML.
Por outro lado, os factos alegados, mesmo a provarem-se, não se reconduzem a uma situação de tal modo urgente que não se compadeça com o tempo da tramitação da acção principal.
Ainda, tais factos não integram, ainda que indiciariamente, a previsão dos artigos 52º do RGPTC e 1915º do Código Civil.
Na pendência da providência tutelar cível de regulação do exercício do poder paternal, pode mostrar-se necessário acautelar certos efeitos dessa regulação ou definir regimes provisórios relativamente a alguns desses efeitos. Tal justifica a consagração legal de providências provisórias e cautelares específicas que podem ser cumuladas com o respectivo processo definitivo.
«Competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e educação e diligenciar pela sua representação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum (ns) do(s) assinalado(s) dever(es), daí resultando prejuízo importante para este.»
Assim, apenas em situações de acentuada gravidade e em que se verifique violação culposa dos deveres para com os filhos, prevê a lei a inibição do exercício das responsabilidades parentais por lei atribuídas aos progenitores.
Vejamos, então, os factos e a sua susceptibilidade para integrarem a violação culposa dos deveres da progenitora para com o filho, que comporte grave prejuízo para este:
- Não frequência dos escuteiros;
- No domingo de Páscoa o menor não almoçou com o pai, por estar em período que de acordo com o regime provisório cabia à mãe;
- A progenitora não entregou ao recorrente o que restava do antibiótico, para continuação das tomas pelo menor;
- No dia de aniversário da progenitora, estando o menor em casa dos avós paternos, não aceitou convite para estar com o menor na casa daqueles, não tendo atendido telefonema do menor;
- Falta de comparência numa exposição de furões;
- O menor faltou à escola estando doente, sem que fossem justificadas todas as faltas por atestado médico;
- O menor ficar entregue pela mãe a terceiros;
- A progenitora não deixa ao recorrente os medicamentos que o menor está a tomar e não ministrou o antibiótico de acordo com as dosagens indicadas, tendo-o deixado na mochila do menor;
- Ter o menor mesmo doente feito um percurso a pé de 2,2 km para ser entregue ao pai;
- A mãe recusou pedido do menor para telefonar ao pai ou conversações com o avós paternos quando está com a mãe;
- A progenitora nunca contribuiu para as despesas do menor;
- O menor faz o trabalho de casa utilizando um travesseiro/almofada como apoio na única cama existente na suite em que dorme com a progenitora;
- Quem ajuda os menores nos trabalhos de casa são terceiros;
- A progenitora faz vestir ao menor roupa suja ou descosida, o qual leva vestido para a escola e envia para o lanche do menor leite com chocolate dentro de uma garrafa que utiliza durante a semana, a qual não é própria nem adequada para acondicionar tal alimento, nem higiénica, sendo que tais garrafas vêm sujas, pegajosas e com o gargalo sujo;
na lancheira encontrou o progenitor iogurtes líquidos sem estarem em condições de serem consumidos e fruta podre, estando a lancheira sempre muito suja.
- Leva o menor para a escola a pé quando existem meios de transporte;
- Quando vai buscar o menor em carro de amigas não leva a cadeirinha de criança;
- À noite deixa o menor sozinho no quarto fechado; às terças e quintas entrega o
menor a uma menor que desconhece quem seja, que fica à noite com o menor;
- Não o levou à bênção aos estudantes no início do ano lectivo;
- Não o levou ao dentista cuja consulta estava marcada;
- Quando o progenitor foi buscar o menor à escola este apresentava hematoma do lado direito do rosto, declarando a professora que tal não ocorreu na escola e afirmando o menor que foi a progenitora que lhe bateu.
- Num dia determinado em que estava com a mãe os trabalhos de casa estavam por fazer, quando deviam ter sido efectuados no período da progenitora.
Estes factos não integram a previsão do artigo 52º do RGPTC, nem do artigo 1915º do Código Civil.
Nos termos destes artigos, são pressupostos da inibição, a violação culposa dos deveres para com os filhos e a gravidade do prejuízo para estes resultantes dessa violação.
Ora, os actos praticados pela requerida, ainda que a provarem-se, não consubstanciam uma clara e evidente violação culposa dos seus deveres para com o filho, nem se revestem de uma tal gravidade que implique um grave prejuízo dos interesses do filho.
Veja-se que mesmo a agressão alegada pelo progenitor, não é pelo mesmo imputada à progenitora.
Relativamente à alegada violação de deveres da progenitora para com o menor, nada é referido quanto à violação culposa de tais deveres. Seria necessário apurar - e tal nem sequer está alegado - que a progenitora podia e devia ter agido de outro modo.
A progenitora não deixou de levar o menor ao médico e de o medicar, socorre-se de terceiros para os cuidados ao menor, não permite contacto telefónico com o pai e avós com quem a relação é conflituosa, como resulta da decisão recorrida, leva o menor a pé para a escola havendo transporte, mas desconhecendo-se (porque nada é alegado pelo recorrente) se a utilização deste era viável, designadamente, economicamente.
Acresce que tais factos alegados, mesmo a provarem-se não se reconduzem a uma situação de tal modo urgente que não se compadeça com o tempo da tramitação da acção principal, tanto mais que está decretada uma medida provisória que regulamenta as responsabilidades parentais.
A apelação tem, pois, que improceder.

DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente. Custas pelo apelante.

Lisboa, 21.03.2017
Carla Câmara
Maria do Rosário Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
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