Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 16-03-2017   Residência partilhada. Superior interesse do menor.
1 - O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
2 - O fim do casamento ou outra relação não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais.
3 - Relativamente à residência alternada, haverá que ter em conta o princípio de que será sempre o interesse do menor a nortear a decisão (n°s 5 e 7 do artigo 1906°). Assim, não obstante a boa relação que a menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação de ambos, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse da menor.
4 - Numa idade em que a criança ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida - como é o caso de uma criança de 4 anos - é do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o que não se mostra viável quando os progenitores mantêm uma relação conflituosa.
Proc. 1585/16.5T8SXL-B.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Catarina Manso - Maria Alexandrina Branquinho - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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P. Ap.1585/16.5T8SXL-B.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - Em 1.6.2016 A... requereu na comarca do Seixal - Inst. central 4a Sec. F.Men.-J1 contra D... em representação da filha de ambos M... Seixas Ferreira nascida em …, a regulação das responsabilidades parentais. Alegou que são casados e estão separados e esta decisão impõe-se como preliminar da acção que entrou em 15.7.2016 de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge.
Na conferência de pais realizada no dia 28.6.2016 os pais não chegaram a acordo e foi requerido pelo Magistrado do MP que se fixasse um regime provisório de residência alternada da menor. A requerente defendeu que a residência da menor fosse fixada, com ela, com regime alargado de visitas ao pai.
Após, foi proferido despacho ponderando o declarado e o requerido e o respondido, tendo em atenção a preocupação manifestada por ambos os pais com o bem estar da M..., que não é prejudicado pelo conflito entre ambos, que respeitará a matéria criminal entre ambos, relativamente à qual existe presunção de inocência e que oportunamente será dirimida em sede penal, decido provisoriamente, nos termos do art°.38°., do RGPTC:
1- O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular continuará a caber em conjunto a ambos os progenitores.
2- O exercício das responsabilidades parentais correntes caberá ao progenitor com quem o menor se encontre a residir. Sendo que a menor residirá em semanas alternadas junto de cada progenitor. Para esse efeito sendo buscada por cada um dos progenitores à sexta-feira no estabelecimento de ensino ou de infância que a mesma frequente, após as actividades lectivas.
3- O regime de residência alternada semanal vigorará também durante o período de férias, sendo que nas férias de Verão passará 15 dias de férias seguidos junto da mãe e 15 dias de férias seguidos junto do pai. O que no Verão de 2016 sucederá de 16 a 31 de Agosto junto do pai e de 01 a 15 de Agosto junto da mãe.
4- As ocasiões festivas de Natal, Ano Novo e Páscoa serão passadas pela menor alternadamente junto da cada progenitor.
5- A menor passará o dia do pai e o dia de aniversário deste, o dia da mãe e o dia de aniversário desta junto do festejado, sem prejuízo das respectivas actividades lectivas. No dia de aniversário da menor este tomará uma das principais refeições do dia com cada um dos pais, sem prejuízo das actividades lectivas.
6- Cada um dos progenitores suportará metade das despesas da menor, nomeadamente cada um deles suportará metade da mensalidade do Colégio do Vale, que está previsto a menor frequentar a partir de Setembro do corrente ano. Mais suportarão as despesas correntes da menor quando a tenham a seu cargo.
Nos termos do disposto no art. 38°, al. b) do RGPTC, suspendo a presente conferência e remeto as partes para audição técnica especializada, pelo prazo máximo de dois meses.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso a mãe nas alegações concluiu:
A. Por decisão proferida pelo douto Tribunal a quo foi fixado um regime de responsabilidades parentais, provisório, com guarda partilhada alternada entre ambos os progenitores.
B. Não se conformando com tal decisão, veio a recorrente interpor o presente recurso requerendo que o mesmo tenha efeito suspensivo com fundamento na irreversibilidade da execução imediata da decisão recorrida, a qual, é susceptível de causar à criança prejuízo considerável atendendo à existência de violência doméstica e maus tratos evidenciados nos autos pela progenitora, geradora de elevada conflituosidade entre os progenitores, bem como, atendendo à reduzida idade da criança e, ainda, à não fixação de uma residência à menor e desconhecimento da morada do progenitor.
C. Para o efeito a recorrente, requer a aplicação de efeito suspensivo ao recurso ora interposto, nos termos do disposto, entre outros, no n° 4 do artigo 32° do RGPTC e ainda do n° 4 do artigo 647° do CPC subsidiariamente aplicável.
D. Mais, demonstra-se a decisão recorrida insustentada de facto e de direito, sendo manifestamente violado do dever de fundamentação que recaia sobre o douto Tribunal a quo na prolação da decisão judicial, ora recorrida.
E. Com efeito, revela-se que embora tenha a ora recorrente apresentado factualidade e prova consentânea com a invocada situação de violência domésticas contra si, não foi a mesma sequer considerada aquando da prolação da decisão recorrida.
F. Também, foi suscitada e exemplificada pela recorrente situações de manifestos maus-tratos do recorrido à filha menor, os quais foram totalmente desconsiderados pelo douto Tribunal a quo, relativamente aos quais nem sequer se pronunciou.
G. Foi junta prova documental relativa à factualidade invocada pela requerente, recorrente, sobre a qual o Tribunal a quo não tomou conhecimento nem se pronunciou.
H. Também o recorrido, progenitor, referiu ter sido colocado em vaga profissional na Universidade de Évora, não obstante a distância e necessário afastamento recorrente do progenitor do núcleo de movimentação e permanência da menor, tal factualidade foi valorizada pelo douto Tribunal que sem qualquer fundamentação de facto e de direito veio a decretar o regime provisório de guarda partilhada alternada semanalmente.
1. Ora, não existindo pronúncia quanto às questões suscitadas, nem sequer o seu elenco, não se fazendo menção aos factos considerados provados e respectivo silogismo lógico que permitiu alcançar a decisão proferida, existindo pelo contrário uma total ausência de fundamentação factual e legal da decisão proferida, sempre se terá que suscitar nulidade da mesma nos termos legais.
J. Resulta do disposto, entre outros, nos artigos 28° do RGPTC e artigo 154° do CPC ex vi artigo 33° do RGPTC que cumpre ao julgador fundamentar as suas decisões tanto no plano fáctico, como no plano jurídico a decisão por si proferida, sob risco de nulidade da decisão proferida nos termos do disposto no artigo 615°n° 1 alínea b) do CPC.
K. Disposições legais que são integralmente aplicadas aos presentes autos, conforme tem sido entendimento maioritário da jurisprudência, designadamente dos supra referenciados acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16/11/2010 proferido no âmbito do processo n° 2861/09.9TBVCD-B.P1, do Tribunal da Relação de Guimarães em 06/10/2011, o Tribunal da Relação de Lisboa em 7/11/2013 no âmbito do processo n° 7598/12.9TBCSC-A-L1
L. Sendo entendimento maioritário que não existindo entre os progenitores um contexto de quadro de enorme litigiosidade não se revela adequada a fixação de um regime de residência alternada, especialmente, quando estejam em causa crianças muito pequenas, como é o caso.
M. Ora, sendo a decisão recorrida totalmente omissa quantos aos fundamentos factuais e legais para o regime fixado, sempre se terá que concluir pela verificação in casu de uma violação do dever de fundamentação que recaia sobre o douto Tribunal a quo.
N. Sendo, consequentemente nula a decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 615° do CPC.
O. Acrescendo que, não foi fixada residência à menor obrigação legal que decorre do disposto, entre outros, no artigo 9° e 40° n° 1 do RGPTC, sendo que in casu conforme decorre da conferência de pais desconhecesse a morada do progenitor, em consequência, sem prejuízo disso foi a menor entregue ao mesmo.
P. Sendo que, atendendo à factualidade relatada na conferência e que resulta da documentação junta na mesma pela requerente, aqui Recorrente, a menor encontrava-se até então a residir com esta
Q. Apesar do próprio Tribunal a quo reconhecer no âmbito da referida conferência que a menor não tinha residência, não se dignou a fixar a mesma, o que sempre se dirá que constitui um vício insanável da decisão proferida.
R. Mais foi manifestamente demonstrado até pelas versões contraditórias dos progenitores, pela invocação de factualidade relativa a violência doméstica, pela apresentação de respectiva documentação pela aqui Recorrente, que existe entre ambos os progenitores uma relação conflituosa.
S. Resulta também da factualidade apresentada na conferência que inexiste um projecto comum dos progenitores relativamente à criança que tem ainda uma tenra idade.
T. Sendo entendimento majoritário da jurisprudência nacional que não deve ser fixada guarda conjunta com residência alternada nestes contextos, por não se relevar do interesse da menor, conforme decorre dos acórdão supra referidos, os quais se referem designadamente a menores com mais idade que a criança dos presentes autos, cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/1/2015 proferido no âmbito do processo 4547/11.5TBCSC.L1-6, de 7/11/2013 proferido no processo n° 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, outro, de 14/2/2015 no processo 1463/14.2TBCSC.L1-8.
U. Sendo toda a jurisprudência no sentido de que a guarda conjunta com residências alternadas requer uma prognose favorável quanto ao que será a vida da menor, sendo para tanto necessário apurar-se pela existência de uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.
V. Ora in casu desconhecesse desde logo o local de residência do progenitor, onde a menor permanece quando está aos seus cuidados.
W. Também, no caso em apreço, existe uma relação conflituosa, num contexto desigual entre os progenitores, tendo a requerente invocado e demonstrado prova de uma situação de violência doméstica e maus-tratos.
X. Os quais, com o devido respeito, foram indevidamente desrespeitados, caso como é de resto entendimento majoritário na nossa jurisprudência.
Y. Também se revela legal e factualmente insustentada a decisão proferida atendendo à idade precoce da menor com apenas quatro anos de idade e com uma vivência marcada sobretudo pela presença da irmão de 13 anos e pela mãe de ambas, figura cuidadora, o que decorre não só do afastamento natural do progenitor que conforme o próprio referiu, exercia a sua actividade profissional bastante longe da casa de morada de família, como da discordância quanto ao projecto comum da criança entre ambos os progenitores.
Z. Factores que, in casu, embora evidenciados foram infundadamente desvalorizados em prejuízo do superior interesse da menor.
AA. Não só atendendo ao contexto como à idade da menor se revela o regime judicialmente decretado adequado a salvaguardar o superior interesse da menor.
BB. Sendo entendimento majoritário que em situações de conflito e de desentendimento entre os progenitores, a estabilidade de crianças muito pequenas, como é o caso, prejudica a aplicação de um regime de residência alternada.
CC. Acrescendo que, embora tenha sido evidenciado pela requerente, aqui Recorrente que era ela a figura primária de referência da menor, sendo juntamente com a irmã desta, o que a criança entendia por família mais próxima e,
DD. Também realçado e exemplificado pela requerente, aqui recorrente, o risco de a menor ser confiada aos cuidados do pai, tudo em sede de conferência de pais,
EE. Foi, no entanto, imediatamente proferida decisão a alterar a guarda que vigorava desde a separação dos progenitores, determinando esta uma entrega imediata e abrupta da criança aos cuidados do pai.
FF. O que, atendendo aos elementos adquirido na Conferencia, da documentação junta, sempre se revela como sendo uma decisão algo precipitada e infundada de facto e de direito.
GG. Inexistindo mesmo, omissão de fundamentação legal que admita a alteração da guarda da menor em tão precoce fase processual e, atendendo, à factualidade e prova acarretada para os autos.
HH. A decisão proferida por mera adesão à promoção do Digníssimo Procurador do Ministério Público e à escassa alegação do pai, sempre se dirá que se revela violadora do superior interesse da menor e do disposto, entre outros, no artigo 615° d) do CPC.
II. Sendo que, salvo o devido respeito, outra decisão se impunha atendendo à factualidade alegada por ambos os progenitores, desde logo que a menor sempre residiu com a mãe a filha menor desta, de 13 anos de idade, frequentando o colégio sito em Fernão Ferro, próximo do local de trabalho da requerente mãe, enquanto o requerido, aqui recorrido sendo professor universitário desde o nascimento da menor exerceu a sua profissão em Trás dos Montes, tendo sido agora admitido a leccionar na universidade de Évora, para o próximo ano lectivo, 2016/2017, indo entretanto residir para habitação arrendada cuja morada e condições para a criança se desconhecem e nunca foram demonstradas ou sequer alegadas nos autos.
JJ. Sempre se dirá que a alteração da guarda da criança, sempre deveria ser antecedida de alegação e demonstração das condições e vida do progenitor.
KK. Sendo ainda essencial em função da absoluta necessidade de certeza e segurança jurídica e da estabilidade da menina, cabia ao douto Tribunal ordenar a avaliação das condições sociais, humanas, culturais de competências parentais, de disponibilidade, de promoção, respeito para com o outro progenitor restantes apurar no processo, só assim se asseguraria que seria do interessa da menor a alteração do regime de guarda, com entrega ao pai.
LL. O que in casu não sucedeu, inexistindo nos autos elementos que revele como sendo adequada ou que justifique a decisão decretada.
MM. Carece a decisão proferida de sustentação factual, uma vez que não se demonstra em parte nenhuma que o progenitor tem competências cuidadoras e afectivas, nem que favoreça os laços de convívio com o outro progenitor, que tenha condições para cuidar da criança, sobretudo atendendo à sua actividade profissional.
NN. Pelo contrário, a figura primária de referência é a mãe, que sempre foi quem prestou toda a assistência à menor, com afecto, com estabilidade, com regras, responsabilidades e com segurança, sempre foi a requerente aqui recorrida quem prestou a assistência e cuidou da educação e cuidados de saúde da filha.
00. Não obstante ter sido alegado pela recorrente em sede de conferência de pais que existia uma situação de perigo dado que o progenitor apenas recentemente passou a reclamar para si a aguarda da menor, tendo existido sobretudo dedicação daquele à sua carreira universitária, incompatível com os cuidados e rotinas da criança que por muito pequena requer muita atenção.
PP. Inexistia, portanto, qualquer sustentação legal ou factual que revele como sendo adequada a decisão que determinou a alteração da guarda semanal da menor, senão a aplicação de ideias e princípios preestabelecidos pelo Tribunal a quo que se revelam, in casu violadores dos mais elementares direitos da criança e do seu superior interesse.
QQ. Quando, salvo o devido respeito, é entendimento majoritário da doutrina e dos Tribunais Superiores, que é as soluções judiciais devem atender primeiramente pelo interesse superior da criança, conceito que deve ser determinado em face da factualidade apurada, e que serve de único critério legal a observar na decisão judicial. Não foi o caso!
RR. Salvo o devido respeito, andou mal o douto Tribunal a quo ao decidir como fez, ao entregar a menor à guarda e cuidados semanais exclusivos do progenitor, quando in casu figura de referência da criança sempre foi a mãe que cuidou da mês a desde que nasceu, tendo sua vida organizada e estabilizada com a mãe e a sua irmã.
SS. Ora, em matéria de estabilidade tem-se entendido ser prevalente assegurar aquela que é segura, previsível e já experimentada e existente e não partir à descoberta de novas e incertas situação para a menor, e no caso também para o progenitor. Em especial quando nem sequer se fixa a residência da menor, desconhecendo-se o seu paradeiro.
TT. A medida decretada para além de ser uma decisão surpresa sem sustentação factual e legal, como se demonstra da maior perigosidade, por um lado por acentuar a conflituosidade entre ambos os progenitores - nomeadamente por nem sequer coincidir ou terem aqueles oportunidade de planear um projecto comum para a menor.
UU. Bem como, por ser interpretada pela criança como uma punição que é retirada do seu meio, sendo a sua vida abruptamente alterada, deslocalizando-se para local que desconhece e sujeita a procedimentos e cuidados por quem nunca lhos prestou, pelo contrário, maltratou conforme realçado pela requerente em conferência de pais.
VV. Sendo ainda prejudicial para o agregado familiar que dada a incerteza dos cuidados, localização e situação da menor, vive uma grande angústia, sobretudo a irmã também menor que se vê bruscamente privada do convívio diário e rotineiro com a criança.
WW. Tudo isto, evidentemente prejudicial ao equilíbrio, desenvolvimento, estabilidade da menor, incompatível com o seu superior interesse.
XX. Atendendo ao contexto de conflito, à tenra idade da criança, à referência familiar centrada, estável, segura e cuidadora na mãe e irmã, à localização da vida da menor próxima da residência e do local de trabalho da requerente, a decisão recorrida surge como uma alteração abrupta e incompreensível da vida daquela.
YY. Sendo que o interesse da menor consiste também em não ser submetida a constantes alteração de vida, especialmente abrupta, sendo tal decisão determinadora da perda de bem-estar, estabilidade e condições de vida da menor.
ZZ. A atribuição e uma guarda conjunta com residência alternada tem que ser fundamentada em critérios rigorosos e objectivos apurados no caso em concreto.
AAA. Pois, a orientação da lei actual nacional e internacional para um exercício conjunto das responsabilidades não impõe a residência alternada, pelo contrário, não foi esta a modalidade escolhida como regra, não sendo legalmente imposta e no caos em apreço, não se verificando os critérios factuais objectivos, não poderá ser judicialmente imposta com fundamento em princípios pré estabelecidos, casuisticamente desadequados.
BBB. Analisada a factualidade e prova carreada para os autos, verifica-se que in casu não existem os critérios rigoroso e objectivos que permitem a atribuição judicial da residência alternada, como a capacidade de cooperação entre os progenitores, existência de relação afectiva mínima e respeito entre ambos, capacidade dos progenitores em colocar de parte diferendos pessoais, respeito e confiança mútuos, vontade de cooperar, identidade de estilos de vida e de valores, capacidade de acordo em programas educativos, saúde, ensino e religião, sob pena de se criar uma situação de profundo desequilíbrio para a criança e de manter ou acentuar o conflito entre os progenitores.
CCC. É esse, entre outros supra mencionados, os riscos em que a menor é colocada com a decisão recorrida, a qual por não se revelar adequada ao caso em apreço, carecendo de fundamentação factual e legal que a permita a sua manutenção, devendo ser declarada a nulidade da decisão recorrida, devendo face ao exposto ser a mesma revogada e substituída por outra.
se atribua uma residência da menor M... com a sua mãe ora requerente/recorrente, assegurando-se um regime de convívio alargado com o seu progenitor.
Factos
Remete-se para os factos com relevância para a decisão constantes do relatório.
A requerente apresentou denúncia por violência doméstica, fls. 97 e seg,. em 25.6.2016, contra o marido e pai da M....
Foi junta, uma avaliação da menor que se encontra a fls. 213 e seg. desconhecemos se é a avaliação técnica que foi pedida pelo tribunal no auto de conferência de pais, realizada em 13 de Dezembro de 2016.
A M... tem uma irmã que reside com a mãe com quem mantém uma boa relação. A Renata Alexandra de Martins Seixas, nasceu em 12.7.2002, foi registada como filha da requerente e R... fls. 73v.
Os pais da M... são Veterinários. A mãe trabalha perto do local de residência e o requerido e Professor na Universidade de Évora.
A menor frequenta um colégio junto da casa da mãe que foi casa morada de família.
O pai nas contra alegações referiu que reside na rua dos ciprestes n° 36 1.° Esq. na Herdade d Aroeira.
Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II - Apreciando
A apelante não aceita a decisão de ataca-a em variadas vertentes, invocou a nulidade por falta de fundamentação e pediu a revogação da mesma.
1.1-0 despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no art. 38° do RGPTC, que dispõe: se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos....
Trata-se de norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no art. 28°, n° 1, RGPTC que prescreve Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final....
O legislador pretende impor naqueles processos, um dever do juiz fixar uma decisão provisória não é um poder discricionário, aliás como não poderia deixar de ser pelas regras gerais do direito processual civil. Primeiro a prova dos factos, podendo e devendo o tribunal proceder às diligências necessárias para o efeito, atenta a natureza de jurisdição voluntária - art. 986°, n° 2, ncpc, ex vi art. 12 RGPTC. Ora, o despacho recorrido configura uma decisão provisória de regulação do regime das responsabilidades parentais da M... com quatro anos de idade, encontrando-se fundamentado de facto e de direito, como dele resulta após audição das parte e ouvido o MP, não se exigindo aqui uma fundamentação exaustiva, em obediência ao disposto nos art. 987°, 152°, 154° e 607°, n°s 2 a 5 ex vi 613°, n° 3, todos do NCPC. Nele consta que foram ouvidos os pais a sua posição e a promoção do MP.E, após foi tomada a decisão ditada para a acta.
O dever de fundamentação das decisões judiciais decorre directamente da CRP de 1976 - art. 208°-1, restringe-se às decisões sobre um pedido controvertido, ou sobre uma dúvida suscitada no processo, sendo certo que, só a falta absoluta de fundamentação será geradora da nulidade do despacho recorrido a que se reporta o art. 615, n° 1, alínea b) do NCPC, e não já a mera deficiência da fundamentação. Como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência nacionais, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n° 1 do art. 615° do NCPC.
Não ocorreu a invocada nulidade.
1.2-0 Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida das crianças de tenra idade, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, ambos com a mesma formação académica. Os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente pessoais entre ambos ou entre ambos e terceiros, com a regulação do regime das responsabilidades parentais dos filhos, salvaguardando essencialmente o melhor interesse desta. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova York, em 26.01.1990, aprovada e ratificada em Portugal e a vigorar no direito interno, desde 26.11.1990, por força do disposto no art. 8°, n° 2, da CRP de 1976 e art. 4°, alínea a) da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei n° 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei n° 31/2003, de 22.08 e pela Lei n° 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do art. 4°, n° 1, do RGPTC. O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade. As crianças não podem ser prejudicadas no direito ao normal desenvolvimento da sua personalidade e competências para o seu futuro, consideradas as circunstâncias da sua envolvência familiar e social.
Estamos em sede de decisão provisório e em princípio devia ser mantida a decisão impugnada até haver elementos para a decisão final. No entanto, o quadro é assustador e não permite mesmo sem a segurança necessária não tomar medidas. Na verdade estes pais não conseguem entender-se para se separarem por mutuo consentimento. Também não o fizeram para regulamentar e fixar as suas responsabilidades parentais. E acrescentamos nós não pode nesta circunstanciais haver guarda conjunta em residência alternada. Bem sabemos que as mães usam muitas vezes os abusos para impedir as vistas ao outro progenitor. Mas, no caso vertente, o relato da menor e as sequelas psicológicas que já apresenta impõe que se tomem cuidados de protecção. Uma mãe agredida e com processo a correr por violência doméstica, não tem explicação no campo dos afectos que norteiam as relações familiares. Nos tempos hodiernos não é seguro que a família seja um lugar de protecção e securizante. Quantas crianças não soçobram no meio em que as julgamos estar e deviam estar protegidas, pelos seus progenitores. E a serem verdadeiras as ameaças, à requerente e às filhas, o melhor é prevenir, uma vez que, remediar nas relações pessoais nada se pode apagar. Acresce que, no geral, sem a gravidade dos factos relatados, nada aconselha uma menor da idade da M... ter residência alternada, as crianças precisam e rotinas e identificação com as mesmas e regras que não podem mudar de semana a semana e saber que vivem em ambiente securizante. Bem pode acontecer que ela mude de comportamento quando deixar de estar sujeita a esta rotatividade semanal e a relação com o pai seja gratificante e desejada pela menor será o objectivo a alcançar a curto prazo.
Assim neste particular, rege o artigo 1906° do CC, com a seguinte redacção:
1- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinha, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2- Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que as responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3- O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tela como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4- O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5- O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6- Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7- O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles.
Deste conjunto de regras, retira-se desde logo que existem dois tipos de questões relativas à vida dos filhos menores, aos quais se aplicam dois critérios diferentes: questões de particular importância na vida do menor e questões relativas aos actos da vida corrente do menor. Assim, para as questões de particular importância para a vida do menor, a regra é a de que as responsabilidades parentais são exercidas por ambos os progenitores, ou seja, é a regra da guarda conjunta (n°1 do artigo 1906°).
Só excepcionalmente, quando se entender que o exercício dessa guarda conjunta contraria os interesses do menor, deve o tribunal atribuir a guarda apenas a um dos progenitores, mediante decisão devidamente fundamentada (n°2 do artigo 1906°).
Já para as questões relativas aos actos de vida corrente do menor, a regra é a de que as mesmas serão decididas pelo progenitor com quem o menor reside habitualmente, ou por aquele com quem o menor se encontra temporariamente, desde que, neste último caso, sejam respeitadas as linhas orientadoras do progenitor com quem a criança reside habitualmente (n°3 do artigo 1906°). Não existe nos autos qualquer elemento que leve a considerar que a guarda conjunta não é do interesse da menor, pois resulta dos factos provados que ambos os progenitores têm grande ligação afectiva com a menor e estão presentes e atentos na sua vida. Deste modo, haverá que aplicar a regra geral do n°1 do artigo 1906°, devendo entender-se ser esse o sentido da decisão recorrida.
Mas, no que se reporta à decisão sobre a residência da menor onde temos a divergência dos progenitores desde o início do processo, pretendendo a mãe que a menor fique a residir consigo e pretendendo o pai que a menor resida com ambos alternadamente por períodos de uma semana. Essa foi a decisão acolhida, mas desaconselhada já na data de conferência de pais, em face dos elementos que já eram conhecidos. Atenta a idade da M... o facto de viver com a mãe outra irmã com quem mantém boa relação, impõe-se entregar à mãe a residência da menor. Tem-se entendido que as regras definidas no artigo 1906° permitem o exercício da guarda alternada, no qual, não só o menor residiria alternadamente com cada um dos progenitores, mas também se atribuiria a guarda exclusiva ao progenitor que o tivesse a residir consigo, ficando o outro progenitor, nesse período, apenas com um direito de visita e de fiscalização. Diferente da guarda alternada é a guarda conjunta, estabelecida na lei como regra geral, caso em que nenhum dos progenitores deixa de ter a guarda conjunta, mesmo nos períodos em que o filho está a residir com o outro progenitor.
No caso dos autos, não havendo acordo entre os pais, parece evidente que a guarda alternada está fora de questão, atento o grau de perturbação da menor urge alterar o regime seria relevante o acordo entre os progenitores, na medida em que se afasta do regime geral de guarda permanentemente conjunta e em que cada um dos progenitores prescinde da guarda no período em que o menor está a residir com o outro progenitor. E não havendo acordo, deverá afastar-se a possibilidade de guarda alternada, devendo a guarda ser exercida conjuntamente. Relativamente à residência alternada, haverá que ter em conta o princípio de que será sempre o interesse do menor a nortear a decisão (n°s 5 e 7 do artigo 1906°). Assim, não obstante a boa relação que a menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação de ambos, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse da menor.
E, numa idade em que a criança ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida - como é o caso da filha dos requerentes, que tem 4 anos e vai fazer cinco em Abril - é do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida (a que se refere a 2ª parte do n°3 do artigo 1906°), o que não se mostra viável quando - como também é o caso - os progenitores mantêm uma relação conflituosa para não elencar factos graves, talvez o menor seja a denunciada violência doméstica. (cf. neste sentido Ac. RL 18/03/2013, P. 3500/10 7/11/2013, P. 7598/12, 26/06/2014, P. 4089/10 e 11/09/2014, P. 1869, todos em www.dgsi pt).
A residência alternada dos menores, havendo bom entendimento entre os progenitores, poderá resultar numa fase posterior, de adolescência, em que os menores já têm alguma autonomia e já não estão tão dependentes dos pais no âmbito de todas as decisões a tomar sobre os actos da sua vida corrente; mas não é o caso dos autos, face à idade da menor e à relação existente entre os progenitores.
No âmbito dos direitos, liberdades e garantias, consagra o art. 36 da CRP - todos têm o direito a constituir família, n.° 1, tendo os pais, o direito e o dever de educação e de manutenção dos filhos, n.° 5, não podendo os filhos ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial, n.° 6.
O art. 69, da CRP, que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, n.° 1, devendo, o Estado, assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, n.° 2.
Em suma não pode manter-se a decisão impugnada. Deve ser ordenada uma avaliação de pedopsiquiatria à menor e à relação com os pais, para ser fixado um regime de responsabilidades parentais que não comprometam um crescimento afectivo harmonioso e em segurança da M....
Até haver decisão de avaliação a efectuar pela pedopsiquiatria decide-se: - Manter a decisão provisória relativamente ao ponto 1 - A menor será entregue à mãe com quem passa a residir.
- Até haver informação técnica que permita decidir se é securizante para ela pernoitar sem reservas, deve ser fixado um amplo regime de visitas para pacificação das relações da menor com o pai, a fixar pelos técnicos que acompanhem a avaliação desta família que devem acompanhar e decidir a sua implementação.
- O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da filha cabe à mãe.
Não está em causa nesta sede provisória e não temos elementos para fixação de alimentos, desconhecemos os rendimentos dos progenitores. Impõe decisão provisória sobre essa matéria, na primeira instância.
Concluindo
- Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n° 1 do art. 615° do ncpc.
- O despacho recorrido foi proferido nos termos do art. 38° do RGPTC, que dispõe: se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos....
- O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
- O fim do casamento ou outra relação não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais.
III - Decisão: em face do exposto, julga-se procedente a apelação, revogando a decisão impugnada, nos termos fixados.
Custas por requerente e requerido
Lisboa, 16-03-2017
Maria Catarina Manso
António Valente
Maria Alexandrina Branquinho
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