Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 22-03-2017   Abandono do trabalho. Ónus da prova.
1 - Se bem que nos termos do art. 403º nº 1 do CT, o empregador possa invocar o abandono do trabalho quando a ausência do trabalhador seja acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não o retomar (por exemplo, se tem conhecimento que o trabalhador começou a trabalhar para outro empregador num horário incompatível com o que lhe está atribuído na empresa, se ele levou da empresa todos os seus pertences pessoais que costumava ter no posto de trabalho, etc...), incumbindo ao empregador alegar e provar os factos que integram tanto o elemento objectivo (a ausência ao trabalho), como o subjectivo, ou seja, o animus de pôr termo à relação laboral, através da presunção de abandono estabelecida no n° 2 do preceito, cuja base consiste na falta de 10 dias úteis seguidos sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, o legislador veio libertar o empregador de provar o elemento subjectivo.
2 - Invocado o abandono pelo empregador, pela forma prevista no n° 3 - comunicação ao trabalhador por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do mesmo, dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo - nesta última hipótese, ou seja, invocada a presunção de abandono, nos termos do n° 4 do mesmo preceito legal, bem como do art. 350° do CC, passa a incumbir ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
Proc. 629/12.4TTFUN 4ª Secção
Desembargadores:  Maria João Romba - Paula Sá Fernandes - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo n° 629/12.4TTFUN.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
R... intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de com processo comum contra V..., S.A., pedindo que fosse
1. Declarado ilícito o despedimento do A. nos termos do artigo 381°, ai. c) do C.T.; E em consequência, a R. condenada:
a) a pagar ao A. a título de créditos salariais já vencidos a quantia total de €12.302,05, até à propositura da acção, bem como,
b) nos juros vencidos e nos juros vincendos a serem quantificados em sede de execução de sentença e ainda,
c) no pagamento de todos os salários mensais, bem como no subsidio de férias, ordenado no mês de férias e férias não gozadas e ainda no subsidio de Natal, desde a propositura da acção até ao trânsito em julgado,
d) e a reintegrar o A. ou em alternativa a indemnizá-lo nos termos do artigo 389°, n° 1, al. b) do CT.
Alegou para tanto e em síntese que entrou ao serviço da R. no dia 1.09.2001, com a categoria profissional de serralheiro de 2a, para a seção de manutenção, tendo actualmente a categoria de encarregado de 2a, auferindo em Junho de 2012 a quantia ilíquida de €764,89. No dia 9 de Julho de 2012, quando ia entrar ao trabalho, foi impedido de entrar nas instalações da R. pela Sra D. Sandra, chefe de secção do pessoal, que lhe disse verbalmente: vai-te embora para casa, porque estás de castigo. Eu depois vou-te ligar. No dia 12.07.2012 o A. voltou ao seu local de trabalho para saber quando retomava o seu trabalho, tendo-lhe sido novamente comunicado pelo chefe de secção de pessoal a Sra. D. Sandra que voltasse para casa e que esperasse o seu telefonema. No dia 23.07.2012, o A. telefonou para o hotel para falar com a D. Sandra, tendo esta lhe perguntado se não tinha recebido uma carta do hotel que lhe tinha enviado. 0 A. disse-lhe que não tinha recebido nada e a D. S... disse que passasse no Hotel para levantar a carta, pessoalmente. A D. S... entregou-lhe a carta em que comunicavam a cessação do contrato de trabalho por abandono deste. A referida D. S... disse-lhe em acto contínuo que o A. era bom trabalhador, mas que não tinham mais trabalho para ele, para se ir embora. Desde Setembro de 2011 até Julho de 2012 o R. descontou ao A. no seu vencimento, uma média de 33 dias por ano de faltas injustificadas. O A. nunca abandonou o seu local de trabalho, nem tão pouco rescindiu o seu contrato de trabalho. O A. foi despedido verbalmente pelo R. através da sua representante, a chefe do pessoal, a D. S..., pelo que o seu despedimento foi ilícito. Reclama o pagamento de créditos de Junho de 2010 a Junho de 2012, com base em descontos indevidos a título de faltas injustificadas; subsidio de Natal referente aos anos de 2009, 2010 e 2011, proporcionais do subsidio de Natal de 2012, férias não gozadas e vencidas em 1.01.2010, 1.01.2011 e 1.01.2012; proporcionais de férias, subsídio de férias e férias não gozadas do ano de 2012, as retribuições dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2012 e ainda das vencidas até trânsito em julgado, assim como a parte restante de Julho de 2012 porque só lhe foi pago 13 dias deste mês.
Realizou-se audiência de partes, não tendo sido possível a conciliação entre as partes.
A R. contestou por excepção e impugnação e deduziu reconvenção, sustentando, em síntese, que antes do contrato de trabalho de 22.08.2011, o A. prestara trabalho para a R. e para uma outra empresa do mesmo grupo de nome Vi..., S.A. Os anteriores contratos cessaram sempre por vontade e por razões pessoais ligadas ao A. 0 A. faltou ao trabalho desde 9.07.2012 sem avisar ou justificar, razão pela qual a R. enviou ao A. a comunicação junta como n° 20 para a morada conhecida e declarada do A. não recebida inicialmente por causa sua (não atendeu) mas entregue em mão no dia 8.8.2012.
Concluiu, pedindo que a acção seja julgada totalmente improcedente, absolvendo-se a R. do pedido e procedente o pedido reconvencional, reconhecendo e declarando a cessação do contrato de trabalho que existia entre A. e R. ao abrigo do artigo 403° do CT, condenando o A. ao pagamento de indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, no valor de €764,89. Pediu ainda a condenação do A. como litigante de má-fé, com o consequente pagamento de multa ao tribunal e pagamento de despesas e honorários de mandatários da R. em quantia não inferior a €2.000,00.
0 A. respondeu à contestação com reconvenção, sustentando, em síntese, que tem contrato de trabalho sem termo desde o dia 1.09.2001 e que continuou a trabalhar para a R. até Julho de 2012, que foi a R. que despediu verbalmente o A., concluindo conforme o já peticionado na p.i. e que o pedido reconvencional deve ser julgado totalmente improcedente por não provado, e a R. condenada como litigante de má-fé, por faltar à verdade.
Foi proferido despacho saneador com dispensa da identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova. Foi admitida a reconvenção.
Procedeu-se a audiência final, tendo nesta sede o A. optado pela indemnização substitutiva.
Foi proferida sentença que julgou:
1. Improcedente por não provada a acção, e, em consequência, absolveu a R. do pedido.
2. Improcedente a reconvenção, e, em consequência, absolveu o A. do pedido.
3. Absolveu o A. e a R. dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.
0 A., inconformado recorreu, formulando a final as seguintes conclusões:
1 - Nenhuma testemunha se pronunciou positivamente quantos aos factos que tinham sido alegados nos art.°s 6.° e 7.° da contestação
2 - Segundo o próprio julgador, a admissibilidade dos documentos cuja autoria tinha sido posta em causa pelo A. só se tornaria viável em função da prova testemunhal que, neste caso, não existiu.
3 - De qualquer forma, mesmo que fossem admissíveis, o teor dos docs. juntos pela R. com os n.°s 4.0, 5.° e 6.° não diria suficientemente respeito aos factos em causa, nem a R. manifestou essa pretensão.
4 - Face ao exposto, devem ser eliminados os pontos 1.4 e 1.5 da matéria de facto, por não ter sido produzida prova a seu respeito.
5 - Tal como constitui entendimento por demais pacífico a exigência e junção aos autos do documento escrito que titula o contrato a termo constitui formalidade ad substantiam, não podendo ser suprida por qualquer outro tipo de prova, nomeadamente a testemunhal que foi invocada pelo julgador.
6 - Do exposto decorre que não é admissível a referência a um contrato com prazo certo de 6 meses, devendo ser eliminado o ponto 1.1 da matéria de facto.
7 - Face à pacífica aceitação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela R., nomeadamente os proferidos pelo Director do Hotel, deve ser consagrado que: «O A. era considerado pelos máximos superiores hierárquicos da R. como sendo, um bom trabalhador».
8 - Sendo patente o interesse na consagração deste facto, dado que põe frontalmente em causa insinuações que pretendem levar a crer que o A. teria um inadmissível e inusitado comportamento laborai que seria totalmente incompatível com os elogios dos seus superiores.
9 - De igual forma, e com ainda mais pertinência, deve ser consagrado que o A., para além do horário que lhe estava distribuído, efectuava tarefas para a R. que se prolongavam em cada dia e abrangiam os seus dias de folga.
10 - Tal resulta dos pacíficos e abundantes depoimentos de praticamente todas as testemunhas e resulta também do teor de vários documentos atrás citados e do generalizado pagamento de trabalho suplementar.
11 - Apesar de se tratar de questão que apenas veio a ser abordada enquanto tal no decurso da audiência de julgamento, estamos perante um aspecto essencial para se apreciar da invocada presunção de abandono do trabalho.
12 - Pese embora algum carácter repetitivo quanto à pretensão de que sejam consagrados novos factos, deve também ser incluído na correspondente matéria que: - A Secção de Recursos Humanos dava ordens ao controle da porta de serviço para não deixar entrar o A. e se recusava a atendê-lo quando este o solicitava.
A admissibilidade que agora se sustenta resulta da circunstância das testemunhas da R., com a óbvia excepção da D. S..., terem referido este facto, o qual não mereceu oposição por parte de quem quer que fosse e, portanto, pode ser considerado como pacífico.
14 - E, por outro lado, o mesmo é indiscutivelmente importante para se apreciar se a R. desconhecia, de todo em todo, o paradeiro do A. e tinha, por isso, razões para presumir que este tinha pretendido pôr fim ao contrato de trabalho.
15 - Deve ser totalmente suprimido o ponto 1.14 da matéria de facto.
16 - Com efeito este é totalmente incompatível com a consagração de que a R. pagou ao A. 13 dias de trabalho no mês de Julho de 2012.
17 - Face a dois factos entre si incompatíveis, deve prevalecer aquele que mais concreto se afigure e que menos se aproxime de conceitos vagos e que constituam o thema decidendum do litígio, como é o caso do ponto 1.14.
18 - Mas, além disso, nem sequer foi produzida prova segura quanto à ausência do A. durante esse período nos mais variados serviços que prestava.
19 - Com efeito, tendo a R. assentado a contabilização das faltas nas folhas de controle de assiduidade e relatórios de ocorrências (vide, art.° 25.º da contestação), nenhuns desses documentos juntou com respeito ao mês de Julho de 2012.
20 - E os depoimentos das testemunhas que arrolou foram por demais vagos para que se possa concluir que, nos dias em causa, o A. não tenha prestado qualquer serviço para a R..
21 - Poderia não ter prestado sequer serviço na secção de obras, como resulta da ausência de documentação atrás referida, mas, nesse mês, trabalhou nos ditos part-times, situação que eventualmente, seria sancionável do ponto de vista disciplinar, mas é irrelevante em termos de presunção de abandono de trabalho.
DO DIREITO
22 - Se, por hipótese, não for eliminada a matéria factual constante do aludido ponto 1.14, ainda restaria saber se a R. desconheceria o paradeiro do A. e não faria qualquer ideia quanto aos motivos para a sua ausência, de forma a ser-lhe legítimo invocar a presunção que utilizou.
23 - Devendo desde logo sublinhar-se que o legislador não limitou o afastamento dessa presunção à iniciativa prevista no n.° 4, do art.° 403.1 do CT, sendo pacífico o entendimento de que a mesma se acha ilidida quando a entidade empregadora sabe, ou tem a obrigação de saber, do paradeiro do trabalhador ou de possíveis factos que estejam na origem da sua ausência.
24 - No caso dos autos, nada se apurou quanto à ignorância da R. relativamente a essas condições, mas é indiscutível que tinha a obrigação de saber que o A. costumava ausentar-se do serviço (pelo menos, do serviço na secção de obras) durante largos períodos, sem que tal correspondesse a qualquer intenção de pôr fim ao contrato.
25 - E, sendo certo que a R. poderia ter exercido o poder disciplinar relativamente às faltas do A., o facto de não o ter feito apenas poderia contribuir para que, no espírito do A., se gerasse algum sentimento de impunidade.
26 - Ou, por outras palavras, a R. incentivou dessa forma o A. a faltar, e, portanto, constitui um verdadeiro venire contra factum proprium, o prevalecer-se dessas faltas, de forma automática e sem direito ao contraditório.
27 - Aliás, que a R. não agiu de boa-fé está bem demostrado pelos factos cuja consagração é pretendida no n.° 12.
28 - Sendo por demais evidente todo um conjunto de razões que tornam inaceitável a invocada presunção de abandono do trabalho, fez o julgador errada interpretação do regime previsto no art.° 403.0 do Código do Trabalho.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão Recorrida
A R. contra-alegou suscitando a rejeição da impugnação da matéria de facto por inobservância do disposto no art. 6400 do CPC e pugnando pela improcedência do recurso, requerendo ainda a alteração do ponto 43 da matéria de facto e a condenação do A. por litigância de má-fé.
0 A. respondeu ao pedido de litigância de má-fé.
As questões suscitadas no recurso são:
- Se o recorrente cumpriu os requisitos para que seja admissível a impugnação da matéria de facto;
- caso esta questão mereça resposta positiva, se houve erro na apreciação da prova e se os pontos da matéria de facto impugnados devem ser alterados;
- se houve erro na aplicação do direito quanto à questão do abandono do trabalho/ despedimento;
- se o A. litigou de má fé.
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.1. 0 A. e a R. celebram um contrato de trabalho com inicio em 22.08.2011, com um prazo certo de 6 meses, renovado uma vez.
1.2.0 local de trabalho era o Hotel Jardins DAjuda.
1.3. Antes deste contrato de trabalho o A. já prestara trabalho para a R. e para outra empresa do mesmo grupo económico de nome Vilarterças- Serviços de Hotelaria, S.A.
1.4. Os anteriores contratos cessaram sempre por vontade e razões ligadas ao A., como por exemplo o regresso ao seu pais de origem - Ucrânia.
1.5. 0 A. desaparecia por semanas e depois aparecia nos Recursos Humanos do Hotel Jardins D'Ajuda pedindo novamente emprego,
1.6. Em 1.08.2011, a R. enviou ao A. uma carta com o seguinte teor:
Exm° Sr.
Atendendo a que V° Exa não comparece ao trabalho desde 14.07.2011 até à presente data, não tendo apresentado qualquer justificação para tal ausência, presumimos que pretende desvincular-se do contrato de trabalho que o vinculava a esta empresa.
Nestes termos e caso não indique e prove, dentro do prazo de cinco dias úteis, motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, consideraremos extinto o contrato de trabalho celebrado, nos termos do disposto no n° 5 do art.° 403º do CT.
A ausência de V. Ex.a deve ser entendido como uma verdadeira denúncia, que por não ter respeitado o prazo de aviso prévio por lei, nos permite reclamar uma indemnização pelos prejuízos causados, neste caso, correspondente a 30 dias de retribuição base, nos termos do n° 5 do art.° 4030 que remete para o art.° 4010, ambos do CT.
1.7. 0 A. apareceu mais tarde na R. pedindo a readmissão.
1.8. Sensível à situação do A., a R. readmitiu-o, celebrando o contrato aludido em 1.1.
1.9. Foi expressamente dito pela directora dos recursos humanos que a readmissão em Agosto de 2011 seria a última oportunidade que lhe seria dada.
1.10. 0 A. aceitou e assinou uma carta com a data de 18.08.2011 com o seguinte teor:
Comprometo-me desde já que não abandonarei mais o trabalho, que não faltarei sem aviso prévio e sem justificação, caso contrário acatarei a vossa decisão tomada quanto às minhas responsabilidades.
1.11. Em 27.11.2010 o A. e a R. celebram um acordo de cessação do contrato de trabalho com o seguinte teor:
Primeiro: a entidade empregadora e o trabalhador declaram revogar por mútuo acordo o contrato de trabalho celebrado com esta empresa e que entre ambos vigorava.
Segundo: o segundo outorgante declara ter recebido todos os créditos derivados do aludido contrato de trabalho e da sua cessação (designadamente a título de vencimentos, férias, subsidio de férias, subsidio de Natal, comissões, diuturnidades, retroactivos, trabalho suplementar, eventuais diferenças salariais, subsídio de refeição, deslocações, prémios, compensações, gratificações e despesas) e que nada mais tenho a receber da primeira outorgante, seja a que título for e proveniente do referido contrato de trabalho e a sua cessação e que renuncia a qualquer acção em tribunal contra a empresa V..., S.A. ou a qualquer outra empresa com a mesma administração, onde anteriormente tenha exercido a sua função.
Terceiro: o presente acordo de revogação é celebrado em 27.11.2010 e produz os seus efeitos de imediato, tendo cessado desde esta data, inclusive, todos os direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato de trabalho.
1.12, 0 A. assinou a declaração datada de 31.07.2011, constando da mesma que recebeu todos os
créditos a que tinha direito derivados do contrato de trabalho que tinha, e da sua cessação (designadamente férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, comissões, diuturnidades, retroactivos, trabalho suplementar, eventuais diferenças salariais, subsídio de refeição, deslocações, prémios, compensação do termo de contrato, gratificações e despesas) e que nada mais tenho a receber da dita empresa.
1.13. Em Junho de 2012 o A. com a categoria de encarregado de 2' auferia a retribuição base de €764,89.
1.14. A. faltou ao trabalho desde o dia 9.07.2012, sem avisar ou justificar.
1.15. Foi enviada para a morada conhecida e declarada do A. e não recebida por este com a indicação de não atendeu a carta com a data de 23.07.2012 com o seguinte teor:
Exmo. Sr.
Atendendo a que V. Exa. não comparece ao trabalho desde 9-07-2012 até à presente data, não tendo apresentado qualquer justificação para tal ausência, presumimos que pretende desvincular-se do contrato de trabalho que o vinculava a esta empresa.
Nestes termos e caso não indique e prove, dentro do prazo de cinco dias úteis, motivo de força maior, impeditivo da comunicação da ausência, consideraremos extinto o contrato de trabalho celebrado, nos termos do disposto no n° 5 do artigo 403º do CT.
A ausência de V. Exa, deve ser entendida como uma verdadeira denúncia, que, por não ter respeitado o prazo de aviso prévio por lei, nos permite reclamar uma indemnização pelos prejuízos causados, neste caso, correspondentes a 30 dias de retribuição base, nos termos do n° 5 do art.° 403º que remete para o art.° 401, ambos do CT. Com os nossos melhores cumprimentos,
0 empregador
1.16. Esta carta foi entregue em mão no dia 8.08.2012.
1.17. Depois da Inspeção de Trabalho ter entrado em contacto com a R., a R. emitiu com a data de 10,08.2012 o documento para o desemprego, invocando como motivo de cessação do contrato de trabalho denúncia do contrato de trabalho emissão por iniciativa do trabalhador. 1.18.- A R. pagou ao A. os subsídios de Natal de 2009 e 2010.
1.19. A R. pagou ao A. o subsídio de Natal de 2011.
1.20. A R. pagou ao A. os proporcionais de férias, subsidio de férias e subsídio de Natal de 2012, assim como os dias que o A. trabalhou em Junho de 2012.
1.21. No mês de Junho de 2010, o A. faltou um dia sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a um dia de falta injustificada.
1.22. No mês de Julho de 2010, o A. faltou 7 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 7 dias de faltas injustificadas.
1.23. No mês de Agosto de 2010, o A. faltou 13 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 13 dias de faltas injustificadas.
1.24. No mês de Outubro de 2010, o A. faltou 11 dias e 5 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 11 dias e 5 horas de faltas injustificadas. 1.25. No mês de Novembro de 2010, o A. faltou 11 dias e 4 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 11 dias e 4 horas de faltas injustificadas. 1.26. No mês de Fevereiro de 2011, o A. faltou 3 horas e meia sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 3 horas e meia de faltas injustificadas. 1.27. No mês de Março de 2011, o A. faltou 4 horas sem justificar, tendo sido efetuado o desconto no vencimento correspondente a 4 horas de faltas injustificadas.
1.28. No mês de Abril de 2011, o A. faltou 4 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 4 horas de faltas injustificadas.
1.29. No mês de Maio de 2011, o A. faltou 7 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 7 horas de faltas injustificadas.
1.30. No mês de Junho de 2011, o A. faltou 6 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 6 dias de faltas injustificadas.
1.31. No mês de Julho de 2011, o A. faltou 14 dias e 4 horas de faltas injustificadas, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 14 dias e 4 horas de faltas injustificadas. 1.32. No mês de Agosto de 2011, o A. faltou 2 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 2 dias de faltas injustificadas.
1,33, No mês de Setembro de 2011, o A. faltou 4 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 4 horas de faltas injustificadas.
1.34, No mês de outubro de 2011, o A, faltou 7 dias e 3 horas sem justificar, tendo sido efetuado o desconto no vencimento correspondente a 7 dias e 3 horas de faltas injustificadas. 1,35. No mês de Novembro de 2011, o A. faltou 8 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 8 dias de faltas injustificadas.
1.36. No mês de Dezembro de 2011, o A. faltou 1 dia e 4 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 1 dia e 4 horas de faltas injustificadas.
1.37. No mês de Janeiro de 2012, o A. faltou 3 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 3 dias de faltas injustificadas.
1.38. No mês de Fevereiro de 2012, o A. faltou 2 dias e 4 horas sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 2 dias e 4 horas de faltas injustíficadas. 1.39. No mês de Março de 2012, o A. faltou 2 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 2 dias de faltas injustificadas.
1.40. No mês de Abril de 2012, o A. faltou 2 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 2 dias de faltas injustificadas.
1.41. No mês de Maio de 2012, o A. faltou 9 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 9 dias de faltas injustificadas.
1.42. No mês de Junho de 2012, o A. faltou 8 dias sem justificar, tendo sido efectuado o desconto no vencimento correspondente a 8 dias de faltas injustificadas.
1.43. A R. pagou ao A. 13 dias de trabalho no mês de Julho de 20122.
1.44. 0 A. auferiu subsídio de desemprego, no período compreendido entre 11.09.2012 e 10.05.2014 e subsídio social de desemprego, no período compreendido entre 11.05.2014 e 10.03.2015, no montante total de €12.387,60.
1.45. A. pagou todos os créditos respeitantes a férias dos anos 2009, 2010 e 2011. Mais se provou
1.46. No recibo de vencimento do mês de Julho de 2012, a R. descontou a quantia de €764,89, a título de indemnização pelo não pré-aviso.
Apreciação
A recorrida suscita como questão prévia a inobservância pelo recorrente dos requisitos indispensáveis à admissibilidade da impugnação da matéria de facto, tal como definidos pelo art. 640º n°s 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1 ° n° 2 al. a) do CPT.
Como é sabido, tais requisitos são: que sejam explicitamente especificados os concretos pontos que se considera padecerem de erro na apreciação da prova, assim como os meios de prova existentes no processo que impõem decisão diversa da recorrida sobre esses concretos pontos; a decisão alternativa, que no entender do recorrente se impõe e, no caso de os meios de prova que no entender do recorrente impõem decisão diferente terem sido gravados, a indicação, com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A inobservância de qualquer destes requisitos importa a rejeição do recurso na parte que se refere à impugnação da matéria de facto. Trata-se, pois, de verdadeiros ónus que incidem sobre o recorrente que pretenda a alteração da matéria de facto.
Ora, verifica-se que o recorrente explicita os pontos da matéria de facto concretamente impugnados, que são os dos n°s 1.1, 1.4, 1.5 e 1.14, percebendo-se claramente que entende deverem ser dados como não provados, por, em seu entender se não ter feito prova, sendo o n° 1.14, também por, em seu entender, estar em contradição com a matéria do ponto 1.43, mostrando ainda que pretende sejam aditados novos pontos (explicitados nas conclusões 7, 9 e 12), com matéria não alegada, mas que em seu entender resulta provada e considera relevante, indicando os depoimentos testemunhais em que se baseia, bem como a respectiva localização na gravação.
Entendemos, em face do exposto, que preenche satisfatoriamente os requisitos mencionados, pelo que não assiste razão à recorrida quanto à pretensão de que se rejeite a impugnação da matéria de facto,
Passemos então a apreciar tal impugnação.
Relativamente ao ponto 1.1 verifica-se que o Sr. Juiz motivou a sua convicção quanto a este ponto no doc. 1 junto com a contestação (fotocópia certificada do contrato de trabalho a termo certo, que consta de fls. 90/92).
Sobre este documento o A. tomou no art. 130 da resposta à reconvenção posição idêntica à que tomou quanto ao doc 31 e que passamos a transcrever 11(...) impugna quer a autenticidade quer a assinatura (...) é mais um documento elaborado pela R., na pessoa da D. Sandra Andrade, chefe de secção dos
recursos humanos, e que o A. o desconhece, tanto mais que este não sabe ler e escrever em português, como é igualmente o caso dos doc. 1, 4, 6, 7, 8 e 9. Anteriormente, na mesma peça processual, havia afirmado (art. 70) que, do seu ponto de vista, os documentos 1 a 9 juntos com a contestação eram «forjados
para sustentar a realização e manutenção de sucessivos e infindáveis contratos a termo (...), que aquando da assinatura de todos estes documentos a chefe do pessoal (D. S...) dizia ao A. que se não assinasse os documentos não lhe pagaria o ordenado» (art. 91).
A R., interpretando a posição do A. tomada nos art. 130 e 140 da referida resposta como impugnação da genuinidade dos doc. 3 e 4, requereu ao abrigo dos art. 545º n° 2 e 584º do CPC (na redacção anterior à resultante da L. 41/2013 de 26/6) que aqueles dois documentos fossem submetidos a exame pericial de reconhecimento de letra e assinatura, o qual, tendo sido deferido, acabou por não obter resultados conclusivos (por os documentos submetidos ao exame terem sido obtidos por impressão de jacto de tinta policromática, e não passarem para as escritas neste tipo de reprodução de documentos todos os pormenores presentes nos originais e imprescindíveis para uma análise comparativa eficaz - cfr. fls, 364). Indicou como base de comparação, entre outros documentos, o mencionado doc. 1, afirmando que a respectiva genuinidade não fora impugnada.
A formulação dada pelo A. ao art. 13º da resposta à contestação / reconvenção torna equívoca a questão de saber se constitui verdadeira impugnação da assinatura aposta ao contrato.
Apesar de no citado art. 13º da resposta à reconvenção o A. afirmar que impugna a genuinidade da assinatura do documento aqui em causa, a interpretação do afirmado naquele ponto 13 com o que é afirmado nos pontos 7 e 9 do mesmo articulado permite-nos ter como seguro que o A. reconhece que assinou sucessivos contratos a termo. Sendo assim, para que se pudesse considerar impugnada a assinatura teria o A. de pôr em causa que a assinatura do 2° outorgante constante daquele contrato tivesse sido feita por si, o que, bem vistas as coisas, não sucede. A alegação nos termos em que foi feita não constitui, em rigor, impugnação da assinatura (que, diga-se aliás, a comparação do respectivo desenho com a aposta no título de residência constante, por cópia, a fls. 356, nos leva a admitir como altamente provável que a mesma provenha do punho do A., indo assim ao encontro do reconhecimento pelo mesmo que assinou diversos contratos a termo, não tendo sequer negado que tivesse assinado o que se encontra nos autos).
Ora, tendo em conta ainda que no ponto 1.8 da matéria de facto se alude à celebração do contrato ora em causa, e esse ponto 1,8 não sofreu impugnação, é forçoso concluir daí que o A. aceita e reconhece que efectivamente assinou o aludido contrato, reforçando ainda mais o entendimento de que a forma, salvo o devido respeito, algo atabalhoada como articula no art. 131 da resposta à reconvenção não constitui verdadeira impugnação da assinatura.
Questão diversa é se, quando o assinou o A. tinha conhecimento e consciência de que o estava a fazer, uma vez que afirmava no aludido art, 13º que não sabe ler e escrever em português, ou se, como também alegou, assinou tal declaração negocial sob coação moral (ameaçado de que se o não fizesse a R. não lhe pagaria o ordenado). Ora, para além de nenhuma prova ter sido produzida sobre a alegada coação moral, no que respeita ao conhecimento da língua portuguesa, cabe referir que, quer a testemunha Sandra Andrade, quer a testemunha Bruno Pestana referiram que o A. não tinha dificuldade em ler e perceber o português, o que, tendo em conta que o A. estava em Portugal desde 2001, nos parece razoável.
Em suma, bem andou o Sr. Juiz em dar como assente o ponto 1.1 da matéria de facto, não merecendo deferimento a impugnação deste ponto.
Pretende o recorrente também a eliminação dos pontos 1,4 e 1,5 por, em seu entender, se não ter feito prova a seu respeito.
0 Sr. Juiz fundamentou a sua convicção quanto ao ponto 1,4 (juntamente com o ponto 1,3) nos doc. 4, 5 e 6 juntos com a contestação, conjugados com o depoimento da testemunha Sandra Andrade, que confirmou aquela factualidade e quanto ao ponto 13, nos depoimentos das testemunhas Sandra Andrade e Orlando Freitas.
Os doc. 4, 5 e 6 são respectivamente: uma carta manuscrita, assinada alegadamente pelo A., datada de 28/2/2011, mas dirigida a uma sociedade distinta da R., mais precisamente V..., S.A (pretenderia o A. escrever V..., S.A.?), ainda que a morada e código postal correspondam aos da R,, na qual o A, comunica que deixará de prestar os seus serviços profissionais para a empresa a partir daquela data, por ter uma melhor proposta de trabalho; uma carta da R. dirigida ao A. e datada de 15/12/2010, com conteúdo idêntico àquela que é mencionada no ponto 1.6, embora referindo que o A. não comparecia ao trabalho desde 27/10/2010, na qual consta a anotação de que foi entregue ao A. na mesma data, na presença de duas testemunhas, tendo também sido enviada por carta registada com aviso de recepção, devolvida, por não ter atendido e uma carta dactilografada, datada de 15/7/2005, dirigida alegadamente pelo A. à R. a comunicar que deixava de prestar serviços profissionais à empresa a partir de 31/7/2005, por motivos da sua vida particular. 0 A. impugnou a assinatura da 1ª das mencionadas cartas, cujo exame laboratorial foi inconclusivo, pelas razões atrás referidas.
Nada temos a objectar à orientação adoptada pelo Sr. Juiz de apreciar livremente o valor probatório do documento em causa, apoiado no ac, de 10/5/2007 deste tribunal, nos termos do
qual Não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena..
Afigura-se-nos, todavia, que os documentos referidos, mesmo acompanhados do depoimento da testemunha Sandra Andrade, não são suficientes para permitir afirmar peremptoriamente que todos os anteriores contratos terminaram por vontade e razões ligadas ao A.. Desde logo por a própria testemunha, Directora de Recursos Humanos da R., não ser capaz de esclarecer sequer quantos contratos entre as partes existiram e terminaram desse modo. Referiu, é certo, ter por três vezes enviado cartas ao A. a comunicar-lhe que o considerava em situação de abandono do trabalho, mas isso não basta para alicerçar a afirmação, nos termos genéricos que constam do ponto 1.4., uma vez que nos suscita dúvidas, pelo menos quanto à carta de 1/8/2011 (ponto 1.6), se àquela data a R. podia legitimamente invocar o abandono de trabalho, atenta a declaração referida no ponto 1.12 (nela não sendo referida a causa da cessação do contrato, mas podendo admitir-se que se devesse ao termo do próprio contrato). Em todo o caso, face aos factos constantes dos pontos 1.7 e 1.8, que não foram impugnados, não oferece dúvidas que houve então cessação de um contrato, ignoramos é se por razões imputáveis ao A..
A generalidade das testemunhas referiram que o A. (que era considerado muito bom trabalhador e muito empenhado) trabalhava incansavelmente cumprindo o horário normal da secção de obras e, a seu pedido, todos os trabalhos extraordinários que lhe fosse permitido, incluindo em folgas e feriados, mesmo em outros serviços (por exemplo na copa no restaurante, na lavandaria), com o propósito de conseguir o máximo de rendimentos a fim de enviar dinheiro para o seu país, mas, nos últimos anos, em especial a partir de 2010, de vez em quando, deixava de comparecer ao serviço sem avisar, por períodos mais ou menos prolongados, ficando, por vezes incontactável. Passados uns tempos, voltava à empresa, pedindo para trabalhar, o que foi sendo deferido, por ser considerado bom trabalhador, tendo porém sido decidido em 2011 deixar de contemporizar com esse procedimento, advertindo previamente o A.. Quanto a deslocações à Ucrânia, apenas é referido, como seguro que tivesse efectuado uma ou, quanto muito, duas, o que por si só, não implica que o A. tivesse feito cessar o contrato, pois sempre poderia fazer tais deslocações nas respectivas férias.
Em suma, entendemos que o teor do ponto 1.4 não tem suficiente suporte na prova produzida, pelo que se decide eliminar esse ponto, o mesmo não sucedendo com o ponto 1.5 que é de manter, por conforme com os depoimentos das testemunhas António Monteiro, Helder Gouveia, Sandra Andrade, José Manuel Vieira Fernandes, Orlando Gouveia e Bruno Pestana.
Pretende o recorrente se elimine o ponto 1.14, alegando estar em contradição com o ponto 1.43.
Mas não tem razão.
O que se constata é que o ponto 1.43 (que o Sr. Juiz fundamenta no doc. n° 15 - fls. 124 - e depoimento da testemunha B...) padece de manifesto erro, como evidencia o próprio documento referido pelo Sr. Juiz. Trata-se do recibo de vencimento relativo a Julho de 2012. Dele resulta que foram pagos €197,39 de retribuição base (sem que se indique o n° de dias a que corresponde), 13 dias de férias ao valor unitário de €34,77, perfazendo o valor mensal de €451,98, €206 de subsídio de férias e €382,45 de subsídio de Natal. Sendo o vencimento mensal de €764,89, verifica-se que os €197,39 não pode corresponder, de forma alguma, a 13 dias de trabalho (que seriam antes de €331,45), pelo que há que proceder à respectiva rectificação. Assim o n° 43 passará a ter a seguinte redacção:
1.43 - A R. pagou ao A., no mês de Julho de 2012, a retribuição base de € 197,39.
Assim sendo, nenhuma contradição existe entre este ponto e o n 1.14, nada havendo que rectificar neste, já que tem suporte no doc. junto a fls. 139 (registo dactilografado das horas de entrada e de saída do A., no departamento de obras, no período de 2/7/2012 a 31/7/2012, do qual decorre apenas terem sido preenchidos os dias 2, 3, 4, 5 e 6, estando os demais assinalados como folga e faltas) e no depoimento da testemunha S....
O facto de não terem sido juntas aos autos, relativamente a este período, as folhas de controle dos horários de trabalho referentes àquele mês e os relatórios de ocorrências preenchidos pelos trabalhadores que desempenhavam funções de controladores de ponto, do tipo dos doc. de fls. 141 a 288, não significa de forma alguma que o doc. de fls. 139 não constitua prova segura, sendo certo que, como esclareceu a R., a junção pela mesma das ditas folhas de controle e relatórios visou apenas provar as faltas que justificaram os descontos na retribuição, cujo pagamento do A. reclama nos autos e, entre esses créditos, não é indicado nenhum relativo ao mês de Julho de 2012. Todavia, verifica-se que constam na caixa quatro apresentada pela R. as folhas de controle do mês de Julho de 2012, relativas tanto à secção de obras como à copa, que mostram que o A. trabalhou no período referido no doc. de fls 139, apenas na copa. Improcede pois a impugnação quanto a este ponto.
Quanto aos pontos que o recorrente pretende que sejam aditados:
Por se tratar de matéria não alegada oportunamente nos articulados, tendo surgido apenas no decurso da audiência, deveria o recorrente, entendendo, como entende, que têm relevância para a decisão da causa, ter sugerido ao Sr. Juiz, até ao encerramento da discussão da causa em 1a instância, que fossem tomados em consideração na decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto pelo art. 72° do CPT, o que não sucedeu. Com efeito, este preceito processual confere ao juiz do trabalho, em 1a instância, um poder inquisitório que o mesmo pode exercitar, oficiosamente ou por sugestão da parte interessada no decurso da audiência de julgamento, em função dos elementos que emergirem no decurso da produção da prova e que se mostrem relevantes para a decisão do pleito, constituindo um desvio ao princípio do dispositivo. Porém, ultrapassado esse momento processual, deixa de ser possível a ampliação da matéria de facto a factos não alegados, pelo que não pode proceder a pretendida ampliação.
É certo que, face ao teor dos pontos 7 a 9 e 14 da p.i., poderia, de algum modo, considerar-se ter sido alegado que a Directora de Recursos Humanos impediu o A. de entrar nas instalações da R., assim como que a mesma lhe tinha dito que o A. era bom trabalhador e, tratando-se de factos articulados, desde que resultem da discussão e sejam relevantes para a boa decisão da causa, podem ser aditados nos termos do art. 72° n° 4 do CPT.
Quanto ao facto de ser considerado bom trabalhador, sendo indiscutível que é referido por diversas testemunhas, importa sobretudo atender ao que sobre isso declararam tanto a Directora de Recursos Humanos como o Director do Hotel, que justamente referiram que o A. era muito bom trabalhador, a não ser na questão da assiduidade, sobretudo desde 2010, por desaparecer, por períodos mais ou menos prolongados, sem avisar. Ora, sendo o cerne do litígio precisamente a questão do alegado abandono do trabalho pelo A., aquele juízo sobre a capacidade de trabalho do mesmo não tem relevância para a decisão, pelo que não vemos razões para o aditamento desse facto.
Quanto ao facto, de carácter vago genérico que, como decorre da conclusão 12, o recorrente pretende ver aditado, temos de reconhecer que tem uma amplitude bem maior do que aquilo que foi alegado nos art. 7 a 9 da p.i. (que a directora de recursos humanos o impediu de entrar nas instalações em 9/7/2012 e quando em 12/7/2012, voltou ao seu local de trabalho a mesma chefe lhe disse que voltasse para casa e que esperasse o seu telefonema). Sobre isto, em concreto, não foi feita efectivamente qualquer prova. Foi, é certo referido por algumas testemunhas que, quando o A. aparecia embriagado, havia ordens para não o deixarem tomar o serviço, por razões de segurança, mas não foi identificada nenhuma dessas situações no período de 9/7/2012 a 23/7/2012. Foi igualmente referido por testemunhas que, depois de cada uma das ausências prolongadas e sem aviso, que só deixavam entrar o A. depois de ele falar com os recursos humanos. Mas qualquer dessas situações referidas genericamente é bem diversa do que foi alegada, nos mencionados art. 71 a 91 da p.i., pelo que era perante a 1a instância que deveria ser sugerido que fosse tido em conta esse facto. Não pode, pois, proceder o aditamento pretendido.
A questão de direito
Tendo o Sr. Juiz considerado verificada a situação de abandono do trabalho, prevista no art. 4030 do CT, porquanto o A., à data em que lhe foi enviada a carta referida no ponto 1. 15, tinha faltado dez dias úteis seguidos sem apresentar qualquer justificação, e, apesar de a referida carta com aviso de recepção ter sido devolvida, por não ter atendido, o A. a recebeu em mão em 8/8/2012 e não apresentou no prazo que constava na carta qualquer justificação para a sua ausência, não tendo, pois, ilidido a presunção estabelecida no n° 2 do citado artigo, o A. vem sustentar que o julgador fez uma errada interpretação do regime no mencionado art. 403º. Em seu entender haveria que saber se a R. desconhecia o seu paradeiro e não faria ideia dos motivos da ausência, mais alegando que o legislador não limitou o afastamento da presunção à iniciativa prevista no no 4 do art. 403º, devendo a mesma considerar-se ilidida quando a empregadora sabe ou tem a obrigação de saber do paradeiro do trabalhador.
Ora, se bem que, nos termos do art. 403º no 1 do CT, o empregador possa invocar o abandono do trabalho quando a ausência do trabalhador seja acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não o retomar (por exemplo, se tem conhecimento que o trabalhador começou a trabalhar para outro empregador num horário incompatível com o que lhe está atribuído na empresa, se ele levou da empresa todos os seus pertences pessoais que costumava ter no posto de trabalho, etc...), incumbindo ao empregador alegar e provar os factos que integram tanto o elemento objectivo (a ausência ao trabalho), como o subjectivo, ou seja, o animus de pôr termo à relação laboral, através da presunção de abandono estabelecida no n° 2 do preceito, cuja base consiste na falta de 10 dias úteis seguidos sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, o legislador veio libertar o empregador de provar o elemento subjectivo.
Invocado o abandono pelo empregador, pela forma prevista no n° 3 - comunicação ao trabalhador por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do mesmo, dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo - nesta última hipótese, ou seja, invocada a presunção de abandono, nos termos do n° 4 do mesmo preceito legal, bem como do art. 350° do CC, passa a incumbir ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência
No caso é inequívoco que em 23/7/2012 o A. estava em falta, sem avisar ou justificar, desde 9/7/2012, ou seja, precisamente dez dias úteis, pelo que não era à R. que incumbia provar o animus extintivo, mas ao A. que cabia ilidir a presunção decorrente de a ausência, sem aviso ou justificação, se prolongar por esse período (10 dias úteis). Não logrou o A. provar que a R. sabia do respectivo paradeiro ou dos factos que estavam na origem da sua ausência, como refere, nem tampouco que tivesse comunicado à R. as ausências e respectivo motivo, o que bastaria para evitar o funcionamento da presunção.
Vem ainda o A. alegar que a R.-tinha a obrigação de saber que o A. costumava ausentar-se do serviço (pelo menos na secção de obras) sem que tal correspondesse a qualquer intenção de pôr termo ao contrato e que poderia ter exercido o poder disciplinar relativamente às faltas, e que ao não o ter exercido, pode ter contribuído para gerar algum espírito de impunidade, incentivando o A. a faltar, sendo um venire contra factum proprium o prevalecer-se dessas faltas, de forma automática e sem direito a contraditório.
Não permitem os factos assentes corroborar a primeira das mencionadas afirmações, isto é que a R. tinha a obrigação de saber que o A. costumava ausentar-se do serviço sem que tal significasse a intenção de pôr termo ao contrato. Tanto quanto se percebe, o A. desaparecia da empresa e quando reaparecia, pedia a readmissão, o que parece ter subjacente o reconhecimento de que o contrato anterior havia cessado. Não foram trazidos aos autos dados concretos e precisos sobre os vários contratos anteriormente celebrados, mas, relativamente ao último deles, sabemos que foi acompanhado de uma advertência ao trabalhador de que tal comportamento (ausências sem aviso e sem justificação) não seria mais tolerado e que aquela seria a última oportunidade (vide factos n°s 7, 8, 9 e 10, em especial estes dois últimos) pelo que, ainda que não possamos deixar de concordar que teria sido mais escorreito (pelas garantias de defesa que comporta) que tivesse sido movido processo disciplinar relativamente às faltas injustificadas, na medida em que a lei faculta ao empregador o mecanismo previsto no art. 403°, facilitando-lhe a desvinculação, sem necessidade de recurso ao procedimento disciplinar, e uma vez que o trabalhador tinha sido advertido e não apresentou no prazo que lhe foi concedido, justificação para a ausência nem para a falta de aviso, não podemos acompanhar a afirmação que a falta de procedimento disciplinar gerou sentimento de impunidade e que incentivou o R. a faltar ou que constitua abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium.
Em suma, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, tendo o Sr. Juiz procedido a uma correcta aplicação da lei aos factos.
Improcede, pois, o recurso.
Invoca a R., de novo, nas suas contra-alegações, a litigância de má-fé do A., alegando que o mesmo faz no recurso um uso manifestamente reprovável do processo.
Embora o recorrente não tenha logrado convencer das suas razões, os elementos de que dispomos não nos permitem concluir com segurança que o mesmo tivesse, de forma dolosa ou gravemente negligente, ultrapassado os limites do admissível na defesa dos seus interesses (sendo certo que o historial do relacionamento entre as partes é nebuloso), pelo que não vemos razões para o condenar como litigante de má-fé.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Março de 2017
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Féteira
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