Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 22-03-2017   Justa causa de despedimento.
Constitui justa causa de despedimento a conduta da Autora que se traduziu na concretização de uma compra e venda/encomenda à revelia das normas internas da empresa e em prejuízo da mesma (valor do desconto de 20/prct. destinado a empregado e feito ao cliente) e negação reiterada ao seu superior hierárquico de tal realidade.
Proc. 28447/15.2T8LSB 4ª Secção
Desembargadores:  José Eduardo Sapateiro - Maria José Costa Pinto - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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RECURSO DE APELAÇÃO N.° 28477/ 15.2T8SNT.L1 (4.a Secção)
Apelante: S...
Apelada: D... UNIPESSOAL, LDA

ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I - RELATÓRIO

S... , caixeira ajudante de 1.° ano, com o NIF 205… e residente na Rua …, n.° 7, 4.°-B, 2635-… Rio de Mouro, veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio (acompanhado da decisão de despedimento proferida pela Ré), propor, em 16/12/2015, ação especial regulada nos artigos 98.°-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora D... UNIPESSOAL, LDA, CIF n.° 510 …. e com sede na Estrada Nacional 249, 1- Loja …, Centro Comercial Continente Amadora, 2724-510 Amadora.

Designada data para audiência de partes (despacho de fls. 14), que se realizou, com a presença das partes (fls. 17 e 17 verso), tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 15, por carta registada com Aviso de Recepção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.
Regularmente notificada para o efeito, a Ré apresentou então o articulado de fls. 18 e seguintes, com o propósito de fundamentar a cessação do contrato, no qual confirma a existência de um vínculo contratual entre as partes no decurso da execução do qual, e em Agosto de 2015 verificou a realização de uma encomenda de uma lampa de terrário a qual já estava previamente paga pelo cliente com um desconto de 20/prct..
Mais refere que confrontada a Trabalhadora sobre a encomenda em questão, pela mesma foi dito, de forma reiterada e em diversos momentos, que a mesma se destinava à sua pessoa e não a uma cliente, o que se revelou, em momento posterior, falso.
Salienta ainda que a Trabalhadora estava impedida de conceder um desconto daquele montante a clientes, tendo desenvolvido diversos expedientes com vista a ocultar a realidade dos factos, conduta essa a qual a Entidade Empregadora qualificou como geradora de uma total quebra da confiança entre esta e a Trabalhadora.
Conclui a entidade empregadora que o despedimento se mostra lícito, válido e fundamentado em justa causa.
A Ré juntou cópia do procedimento disciplinar, muito embora sem dele constar a decisão final de despedimento proferida pela mesma e correspondente notificação à Autora.
Contestou o trabalhador a fls. 98 e seguintes, tendo impugnado parte da factualidade alegada pela Entidade Empregadora.
Assim, alega que a cliente em questão era uma cliente regular da casa a qual, e com vista à sua fidelização, solicitou um desconto que lhe foi atribuído na percentagem de 20/prct., o que o fez com intenção de beneficiar a política comercial da Entidade Empregadora.
Refere ainda que os trabalhadores, nos quais esta se inclui, têm trabalhado num constante clima de medo do diretor geral da Entidade Empregadora, que desrespeita constantemente, através das suas orientações e ordens, os mais básicos direitos contratuais e de personalidade dos trabalhadores, postura esta a qual a levou a mentir sobre o assunto aqui em análise, sem qualquer prejuízo para a casa em questão.

A entidade empregadora respondeu, a fls. 105 a 110, tendo em tal articulado suscitado a irregularidade da apresentação da contestação formal e temporalmente e concluído o mesmo nos seguintes moldes:
«Termos em que, com o douto suprimento de V. Exa., se requer, a junção do presente requerimento aos autos e se pugna pela devida tramitação dos autos, nomeadamente, no tocante à apresentação formal da contestação, que, a ser considerada validamente apresentada, deverá pagar multa pela apresentação tardia e que, depois, deverá ser notificada pela secretaria à Ré, que não obstante e por dever de oficio e com respeito pelo princípio da economia processual, faz este requerimento seguir já com a resposta à mesma».

Foi proferido, a fls. 118 e 119 despacho saneador, que declarou tempestivamente apresentada a «contestação» da Autora, atento o pagamento da multa do artigo 139.°, número 6, do NCPC, dispensou a realização da Audiência Prévia, considerou a instância válida e regular e não fixou os temas da prova e indicou o objeto do processo, atenta a simplicidade da matéria de facto controvertida, tendo admitido os róis de testemunhas de fls. 32, 32 verso e 102, indeferidas as declarações de parte da Autora e mantido o dia designado para a realização da Audiência Final e determinada a gravação da prova a produzir em tal diligência.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respectiva acta (fls. 125 a 127 e 130 e 131), tendo a prova aí produzida sido objecto de registo-áudio.

Foi então proferida a fls. 132 a 140 verso e com data de 09/07/2016, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
Face ao exposto julga-se a ação improcedente, declarando-se lícito o despedimento da Trabalhadora e, consequentemente, absolve-se a Entidade Empregadora dos pedidos contra esta formulados.
Valor da ação: € 5.000,01 (cfr. art.° 98.°-P n.° 2 do CPT).
Custas pela Autora (cfr. art.° 527.° n.° 1 do CPC).
Notifique e registe.

A Autora S... , inconformado com tal sentença, veio, a fls. 143 a 154, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 197 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
A Apelante apresentou, a fls. 144 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
1.a - Resulta do teor da douta sentença recorrida que a Autora não terá provado que o seu medo da Ré foi causa direta do seu comportamento, como alegou nos arts. 15.° a 17.° da sua contestação.
2.a - Acontece, salvo o devido respeito, que contrariamente ao entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, o que se provou foi precisamente que a Autora mentiu à Ré condicionada por um comportamento ilegítimo que esta tinha regularmente para com aquela, que justificadamente lhe causou receio de contar a verdade à sua entidade empregadora. Com efeito:
3.a - Ao minuto 15:30 do depoimento da Sra. S... (segundo ficheiro áudio na gravação), afirma a mesma que lhe parecia que a Autora tinha muito medo do Sr. F... .
4.a - Ao minuto 2:05 do depoimento da Sra. M... (sexto ficheiro áudio da gravação) a mesma afirmou que não era fácil ter uma acessibilidade ao Sr. F... , no sentido de poder falar as coisas, porque transmitia-nos...ou seja transmitia-nos por um lado que podíamos falar, mas se fossem coisas más, entre aspas, já não falávamos porque já a atitude... e que era comum, todos os dias, os trabalhadores omitirem pequeninos erros, com medo do que lhes fizesse o Sr. F...
5.a - Ao minuto 4:26 do seu depoimento, a testemunha afirmou ainda que o Sr. F... chamava limitada e retardada à Autora
6.a - Desde o minuto 0:00 da segunda gravação do depoimento da mesma testemunha, M... , (oitavo ficheiro áudio), a mesma afirma que que o Sr. F... é exageradamente rigoroso nos objetivos que traça para os trabalhadores.
7.a - Ao minuto 2:34 dessa gravação, afirmou ainda que os trabalhadores choravam com regularidade perante exigências do Sr. F... .
8.a - Ao minuto 8:16 do depoimento da Sra. E... (décimo ficheiro áudio da gravação) a mesma afirma que os trabalhadores sentiam especial temor do Sr. F... , relatando vários episódios de práticas de assédio moral por parte deste diretor da Ré.
9.a - Ao minuto 1:30 do depoimento da Sra. C... , a mesma afirmou que a Autora mostrava era um terror completo pelo Sr. F... , e quando falava daquilo, no trabalho dela, ela parecia que ia ser fuzilada, afirmando ainda que a Autora era ameaçada por não atender o telefone se o patrão lhe ligasse nas folgas
10.a - Ora, o tribunal a quo, ao considerar não provados os factos constantes dos pontos 7 e 8 dos factos não provados, veio a refletir tal consideração no seu entendimento sobre o caso em apreço, afirmando nomeadamente que o facto de os trabalhadores terem medo do diretor da empresa não justifica o comportamento da Autora.
11.a - Porém, como se pode verificar pelos depoimentos acabados de transcrever, foi efetivamente esse temor que a Autora tinha do diretor da Ré - causado por meios ilegais que constituem aliás uma forma de assédio - que condicionou a sua conduta, sendo que a Ré, através do comportamento do seu diretor, criou na Autora um pavor justificado de contar ao Sr. F... , quando questionada sobre isso, que havia feito um desconto de forma irregular.
12.a - Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não procede a qualquer análise da culpa da Autora, limitando-se a afirmar que a sua conduta é suficientemente grave para a Ré perder definitivamente a confiança naquela.
13.a - Não tendo a Autora antecedentes disciplinares, tendo confessado os factos ainda antes de instaurado o respetivo procedimento disciplinar e tendo em conta o facto assente de o empregador ser severo para com os trabalhadores, fazendo-os temê-lo, não é suficiente para se considerar irremediavelmente comprometida a relação laboral - e consequentemente o sustento da Autora - o simples facto de esta ter omitido uma pequena falha sua que até se veio a verificar no âmbito dos presentes autos não ser de qualquer forma grave.
14.a - Sobretudo quando se deu também como provado que ao fazer um desconto a uma cliente, de forma irregular, nenhum beneficio pretendeu a Autora obter para si própria. Aliás o que resulta dos autos é que a Autora pretendia, efetivamente, satisfazer a cliente a quem fez esse desconto, para assim beneficiar a Ré.
15.a - Por todo o exposto, deve considerar-se que a douta sentença recorrida fez errada interpretação da prova produzida em audiência de julgamento, e errada aplicação do art.° 351.° do Código do Trabalho.
16.a - Face ao deferimento de apoio judiciário junto com o recurso, requer-se que seja reconhecida a dispensa da Autora do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Neste termos, nos mais de direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências:
a) Deve ser considerado provado o teor dos arts. 15.° a 17.° da Contestação deduzida pela ora Recorrente, e consequentemente que o comportamento imputado à Autora nos presentes autos foi indiretamente causado pela própria Ré, o que em grande medida atenua a culpa da Autora e torna ilícito o seu despedimento, por a sua culpa não ser suficientemente grave para que lhe fosse aplicada tal sanção;
b) Ainda que assim não se entenda, deve o despedimento da Autora ser considerado ilícito, pelos fundamentos de direito acima expostos;
Assim se fazendo a costumada Justiça.

A Ré apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, na sequência da respectiva notificação, conforme ressalta de fls. 315 a 336, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Salvo douta opinião em contrário, considera a Recorrida que a interposição do recurso pela Recorrente não se pode deixar de considerar extemporânea, porquanto o prazo para a interposição já tinha terminado, não devendo, por isso, ser o recurso admitido, nos termos do artigo 81.°, n.° 3 do C.P.T. e artigo 641.°, n.° 2, alínea a) do C.P.C.
2. Com efeito, nos termos do artigo 80.°, n.° 1 do C.P.T., o prazo para interposição de recurso de apelação é de 20 dias, acrescendo-lhe 10 dias de o recurso também tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, conforme n.° 2 do mesmo artigo - o que foi o caso e;
3. Tendo a douta sentença ora em causa sido foi notificada via CITIUS aos Mandatários constituídos - por oficio com data de 13.7.2016, nos termos do n.° 4 do artigo 24.° do C.P.T., o prazo começou dos 30 dias no dia 16.7.2016 (o 3.° dia posterior ao da elaboração da notificação no sistema informático, nos termos do artigo 248.° do C.P.C.
4. Sendo o processo sub judice considerado urgente, nos termos do artigo 26.°, n.° 1, a) do C.P.T., o prazo não deixou de correr, por motivo de férias judiciais de Verão (16 de Julho de 2016 a 31 de Agosto de 2016), pelo que o fim do prazo para interposição de recurso seria dia 15.8.2016, não fosse este dia feriado: mas terminou no primeiro dia útil seguinte para a prática do ato, no dia 16.8.2016, nos termos do n.° 2 do artigo 144.° do C.P.C., ex vi artigo 1.°, n.° 2, a) do C.P.T.
5. Ora, a Recorrente Recorrida deu entrada nos autos no dia 17.8.2016, sem sequer apresentar (ou alegar) o comprovativo de pagamento do valor correspondente a multa;
6. Ademais, atendendo a que ato aqui em causa foi praticado por mandatário judicial e não pelo própria diretamente, o pagamento dessa eventual e devida multa devia ter sido feita imediatamente, como dispõe o artigo 139.°, n.° 7 do C.P.C.;
7. Não servindo também de desculpa o facto de a Autora, ora Recorrente, ter solicitado apoio judiciário, pois a concessão do apoio judiciário aos economicamente débeis não abrange a dispensa de aplicação de multas quando estas têm a ver com a inobservância dos prazos judiciais.
8. Também se constata que o recurso interposto não contém conclusões, ao arrepio do artigo 639.° do C.P.C., pois ónus da parte recorrente alegar e apresentar conclusões, que são a indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, e que delimitam o objeto do recurso:
9. Mas a Recorrente conclui com uma cópia das suas alegações - incluindo transcrições - que não poderão valer como conclusões, pois não descriminam as questões postas e os fundamentos invocados.
10. Equivale à falta de motivação a falta de conclusões, pelo que o recurso, também por este motivo prévio, deve ser rejeitado.
11. Quando ao objeto do recurso, em si, a Recorrente recorre, sem razão, da douta sentença que declarou lícito o seu despedimento, ignorando os factos dados como provados - e confessados -, que fundamentam, à exaustão a decisão ora recorrida.
12. Efetivamente, os factos assentes e dados como provados conduzem, indubitavelmente, a uma situação que determina a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral, fundamentada em factos dolosos e ilícitos da Recorrente.
13. Provado à exaustão ficou que a Recorrente (...) após praticar um ato que não seria autorizado pela Entidade Empregadora, mentiu por diversas vezes, quando interpelada para esclarecer os factos em questão (...), conforme factos V. a YY., dados como provados.
14. Com isto não conforma a Recorrente, alegando que a sua desonestidade e desobediência não são graves o suficiente para o seu despedimento, e que teria como atenuante o medo que teria do seu superior hierárquico;
15. Com efeito, fantasia a Recorrente no seu recurso sobre uma hipotética falta de gravidade do sucedido, sublinhando um medo de dizer a verdade, e tentando provar um assédio moral (!) - que antes não alegou, e muito menos provou - e que isso seria motivo legal atendível - o que não é:
16. Começando pelo fim, e reproduzindo as palavras do Mmo. Juiz a quo, relativamente ao que a Recorrente tenta extrair dos depoimentos que transcreve parcial e tendenciosamente, (...) tais exemplos, por si só e isolados de outros exemplos concretos, são insuscetíveis de demonstrar, em nosso entender e nos presentes autos, a prática de um assédio moral. (...) os Tribunais não podem trabalhar apenas neste registo. Precisam de mais, nomeadamente de factos concretos, exatos, suficientemente densificados que permitam concluir por uma prática de mobbing de tal forma intensa (...) E não se verificou nos autos (...).
17. Efetivamente, não houve qualquer erro no julgamento da matéria de facto, no tocante aos factos que não foram considerados provados, sendo que os sete (!) artigos da Contestação (11.° a 17.°) da Recorrente, plasmados nas suas motivações, nem sequer têm total correspondência com os factos dados como provados, apontados no recurso (III., JJJ., LLL., MMM., NNN., 000., PPP. e QQQ.):
18. Apenas parte do artigo 15.° é considerado como não provado, conforme redação do facto 8. dado na douta sentença) e os factos indicados como MMM. e NNN., postos em realce também, não são a confirmação total dos artigos 12.° e 13.° da contestação, antes sendo o facto MMM. parte do artigo 12.° e o NNN. a constatação de que o alegado no artigo 13.° apenas se verificou uma única vez.
19. Dos factos dados como não provados, que a Recorrente transcreve os numerados de 6. A 8., que pretende ver considerados provados, para depois fazer o salto de fé para a justificação do seu comportamento ilícito confesso, e provado ainda por documentos e testemunhas, também não se pode deixar de considerar a pretensão totalmente despicienda e sem fundamento: o medo de dizer a verdade sobre a falta disciplinar praticada, e que a levou a diversas mentiras consecutivas, também devidamente provadas;
20. Ora, e uma vez mais, parafraseando o Tribunal a quo, tenha-se em mente que (...) o Tribunal não pode é excecionar a falta da Autora, e a qual se traduziu em diversas mentiras face ao seu comportamento, perante o medo que esta (e os seus colegas têm de um Diretor Geral (...) Tal corresponderia a justificar um erro com outro erro, ou seja, justificar uma série de mentiras com o receio que se tem do chefe..
21. E certo é que, dos depoimentos que a Recorrente realça como indicadores de prática ilícita da entidade empregadora, que desculpariam as suas falhas disciplinares graves, sucessivas e dolosas, nada resulta de relevante (a não ser a confirmação constante das graves faltas disciplinares da Recorrente):
22. Efetivamente, do extenso depoimento da Sr.ª S... (segundo depoimento da audiência de julgamento de 4.5.2016), colaboradora da Recorrida e amiga da Recorrente (de onde esta apenas transcreve as últimas duas respostas a esclarecimentos do Mandatário da A.), retira-se que a Recorrente não cumpriu ordens e procedimentos e que mentiu conscientemente, diversas vezes, apenas tendo confessado à sua chefia os ilícitos disciplinares exatamente depois do ultimato que esta testemunha lhe fez: de contar ela a verdade da sua mentira à chefia, caso contrário, avançaria a própria testemunha com a informação da mentira da Autora.
23. Diga-se, aliás, que a audição desde depoimento é elucidativa quando à falta de seriedade da alegação do medo e do assédio que a Recorrente, durante o julgamento, resolveu tentar provar, sem, antes, sequer, o alegar.
24. Quanto ao depoimento da Sr.ª M... (sexto depoimento da audiência de julgamento de 4.5.2016, correspondente ao sexto e oitavo ficheiros de gravação da audiência de julgamento), outra amiga da Recorrente e antiga colaboradora da Recorrida, sublinhe-se que do mesmo não se extrai qualquer ilicitude do funcionário e Diretor da Ré, ora Recorrente, apenas de percebendo que é exigente no cumprimento das obrigações laborais, mormente, de zelo, brio e diligência na execução das tarefas;
25. Mais, dando diretamente a sua opinião sobre se os trabalhadores sentiam medo do Sr. F... , esta testemunha e amiga da Recorrente responde que não, explicando que, quanto muito, existiria uma tensão, quando os trabalhadores tinham de confessar erros e falhas no exercício das funções!
26. E é ainda esta testemunha perentória a classificar a gravidade da atuação da amiga no tocante a ter feito um desconto exclusivo de colaborador, sem autorização, a cliente e no tocante a não ter admitido a falcatrua imediatamente e ter mentido variadas vezes sobre o assunto.
27. Também o depoimento mencionado pela Recorrente nas suas motivações, da Sr.ª D. E... (primeiro e único depoimento da audiência de julgamento de 23.5.2016, décimo ficheiro de gravação da audiência de julgamento), que foi testemunha comum às partes, e que foi colega da Recorrente e que, com ela, praticou as infrações dadas como provadas em julgamento - e consolidadas na matéria de facto dada como provada, não é de molde a fazer prova dos factos que a Recorrente pretende ver dados como provados:
28. Esta testemunha, que, apesar de aos costumes, se dizer zangada com o Sr. F... , sua chefia, foi claríssima na confissão das suas falhas e expôs, cristalinamente, as falhas da Recorrente;
29. E, quando ao temor instigado pelo mesmo Sr. F... , acaba por, muito espontaneamente, fazer um relato que ilustra, apenas, não a suposta rudeza da chefia, mas antes o uso de ironia (quiçá exagerado, porém, legal) quanto a erros dos três trabalhadores que presenciaram a situação;
30. Ou seja, também esta testemunha não concretizou no seu depoimento qualquer atuação digna de ser subsumida ao conceito de assédio ou mobbing em que a ora Recorrente resolveu cismar, para tentar trajar com um início de exclusão a sua total e consciente culpa.
31. Finalmente, e quanto ao depoimento da Sr.ª C... (décimo primeiro e último depoimento da audiência de julgamento, segundo depoimento gravado no dia 23.5.2016) também destacado pela Recorrente (sua vizinha e amiga), não se pode deixar de alegar que o mesmo não passa de uma série de juízos de valor - mormente, opiniões desagradáveis e moralistas - de uma pessoa que não trabalha nem nunca trabalhou numa loja da Recorrida e que não conhece o Sr. F....
32. Aliás, é ilustrativo disso a resposta contrariada que a testemunha dá quando lhe é perguntado se sabe que o marido da Recorrente trabalha na loja precisamente desde a altura em que foi instaurado o procedimento disciplinar que culminou com o despedimento sub judice, e tem, exatamente, como superior hierárquico, o Sr. F... ;
33. E se sabe que, numa relação laboral, quanto os trabalhadores não cumprem ordens, têm de haver consequências.
34. Em suma, nenhum dos depoimentos destacados pela Recorrente é, na realidade, suficiente - ou, de todo, adequado - para justificar convicção diferente quando aos indicados factos dados como não provados.
35. Salvo melhor opinião, esta discussão é estéril e, em última análise, inadmissível, portanto o presente recurso será sempre para peticionar uma reponderação e não um reexame.
36. Mais se diga que os factos que a Recorrente gostaria de ver dados como provados são, ademais, irrelevantes para a conclusão que a Recorrente gostaria: a de ter uma causa de diminuição de culpa para a sua atuação consistente, consciente e repetida de incumprimento de ordens e de mentiras consecutivas ao superior hierárquico, tentando ainda instrumentalizar colegas para a prática de mais logros, de forma a que as iniciais faltas disciplinares não fossem descobertas:
37. Certo é que - e remetendo ainda e também para o depoimento do Sr. F... (primeiro ficheiro de áudio da gravação da audiência de julgamento, de 4.5.2016) - em quatro ocasiões distintas, a Recorrente mentiu diretamente ao DG da entidade empregadora, relevando uma falta total de consideração pela pessoa, que, no caso em particular, é seu superior hierárquico, e que lhe deu mais que uma oportunidade de se retratar acerca de uma conduta disciplinarmente ilícita - violando a alínea a) do n.° 1 do artigo 128.° do C.T. e comprometendo, de forma irreparável, a relação de confiança intuitu personae necessária à manutenção de uma relação laboral;
38. Certo é que com a sua atitude, a Autora ora Recorrente, fazendo um desconto exclusivo de 20/prct. para uso próprio de funcionários, a uma terceira entidade, violou flagrantemente as regras da empresa e as suas especiais obrigações de realizar o seu trabalho com zelo e diligência e de cumprir as ordens e instruções da entidade empregadora no que respeita à execução e disciplina do trabalho, violando o artigo 128.°, n.° 1, alíneas c) e e) do C.T. a isto se adicionando o facto de, no meio da mentira orquestrada, ainda ter permitido, desleixadamente, que a compra com desconto para colaborador (que não era) fosse paga através de multibanco;
39. Certo é que a divulgação da possibilidade de um desconto de 20/prct., através de um esquema de falsa venda a funcionário, para beneficio de uma cliente no valor da compra significou a inaceitável e ilícita divulgação de informações referentes à organização e métodos de negócio, tendo sido violado o preceito plasmado alínea f) do n.° 1 do artigo 128.° do C.T.;
40. E certo é que a violação foi tão mais gravosa, ao ter gerado uma situação de sucessivos contactos da cliente, em forma de reclamação, na loja, quer telefónica, quer pessoalmente, perturbando o normal funcionamento da mesma e sobrecarregando os colegas com a resolução da situação, ou, no mínimo, o seu encaminhamento para os responsáveis - quando era seu especial dever, nos termos do artigo 128°, n.° 1, alínea h), do C.T., a promoção e execução de todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa ainda nos termos do artigo 128.°, n.° 1, alíneas a) e h) do C.T. - devendo o trabalhador ao empregador um dever de respeito e urbanidade e um dever de promoção de atos tendentes à produtividade da empresa.
41. A Autora sabia das normas e sabia que a elas devia obediência; nomeadamente, a Autora sabia que não lhe cabia a si decidir sozinha sobre fazer descontos não autorizados a clientes ou conhecidos seus, sabia que os produtos comprados por funcionários, com o desconto exclusivo de 20/prct., deveriam ser pagos em numerário, e sabe que não deve mentir - mas fé-lo.
42. Resumindo, o Tribunal a quo apenas se limitou a apreciar a prova produzida e não produzida, mormente, a prova documental e testemunhal global, sendo esta apreciação, que passa por um juízo de apreciação da matéria factual vertida, livre e apenas dependente da prudente convicção do julgador e do balanço feito pelo mesmo com as motivações ajurídicas de julgar (que qualquer julgador-decisor deve ter em conta na análise da prova produzida sobre a matéria factual).
43. O princípio da livre apreciação da prova tem, portanto, de ser respeitado, sendo certo que, embora partindo de uma convicção pessoal do julgador, essa convicção pessoal é exatamente o resultado de uma atividade racionalmente não explicável, mas oriunda da imediatez e da indissociação desejável da oralidade, e de uma atividade cognitiva objetiva, que delimita e explica a credibilidade que se concede ou deixa de se conceder a determinado meio de prova.
44. E estando suficientemente fundamentada, como é o caso, a decisão resultante dessa legal discricionariedade do julgador, é nossa convicção que a decisão do Tribunal a quo é inatacável, proferida que foi no respeito à lei.
45. Assim sendo, e face à matéria dada como provada - faltas disciplinares graves da Recorrente - bem como a culpa e da gravidade das mesmas, a destruição da relação laboral é patente, havendo uma impossibilidade prática da sua continuação, por falta do alicerce essencial que é a confiança.
46. Não há, portanto, qualquer errada aplicação do direito aos factos (contando que tivessem sido dados como provados factos que nem o foram), verificando-se o elemento subjetivo (que é o comportamento culposo do agente, a Recorrente), verificando-se o elemento objetivo (que é a impossibilidade prática da manutenção da relação laboral) e verificando-se o necessário nexo causal entre o elemento subjetivo e o elemento objetivo, que se explicou e provou.
47. Efetivamente, a gravidade e as consequências do comportamento - em si grave, ilícito e já culposo, da Recorrente, violador dos diversos deveres legais a que estava adstrita como trabalhadora, por via do contrato de trabalho celebrado com a Recorrida - foram expostas e desenvolvidas em julgamento, sendo certo que não é difícil qualquer observador externo aperceber-se da inevitável impossibilidade prática de uma relação contratual continuada, baseada na confiança - assim estilhaçada - no caso do Recorrente e da Recorrida.
48. Atendendo-se ao quadro da gestão da empresa e ao grau de lesão dos interesses da Recorrida, bem como ao carácter da relação laboral - que implicava um índice de confiança adicional face à responsabilidade da Recorrida como empregada de balcão e caixeira - certo é que todos os requisitos legais previstos no artigo 353.°, n.°s 1, 2 e 3 do C.T. estão preenchidos e que a situação se enquadrou, objetiva e subjetivamente, no disposto no artigo 351.° do Código do Trabalho, mormente, nas alíneas a), d) e e) do n.° 1, acrescendo ainda a quebra de confiança irreparável.
49. Verifica-se, portanto, a justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 351.°, n.° 1 do C.T., sem violação do princípio da proporcionalidade: a sanção do despedimento foi a minimamente necessária e a proporcional à gravidade da atuação da Recorrente, descrita na nota de culpa, sendo também proporcional à sua culpabilidade e às exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.
50. E, assim, não merece qualquer censura a decisão do Mmo. Tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido do Recorrente quando ao despedimento promovido pela Recorrida, por não haver sombra de dúvida dos factos protagonizados pela Recorrente, nem tão pouco da sua gravidade, objetivamente analisada e apreciada com base nas circunstâncias inerentes ao caso, tendo-se respeitando plenamente os artigos 330.° e 351.°, n.° 1 do C.T. e tendo-se concluído que o despedimento era a única e última medida proporcional à gravidade dos factos.
Nestes termos, deve a sentença recorrida ser integralmente confirmada, julgando-se improcedente o recurso de Apelação do Recorrente, assim se fazendo costumada JUSTIÇA!»

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 204 a 206), não tendo a Autora se pronunciado acerca do mesmo dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificada para o efeito, ao contrário do que fez a Ré que, através do seu requerimento de fls. 2019 a 211 veio reiterar as suas contra-alegações e sustentar posição inversa da sustentada no dito parecer (manutenção da sentença recorrida, com a improcedência da ação).

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - OS FACTOS
Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.a instância:
A. A sanção de despedimento foi comunicada à Autora por carta datada de dia 14 de Outubro de 2015.
B. A Autora foi notificada pessoalmente da instrução do processo disciplinar e da nomeação de instrutores, e da sua suspensão preventiva, por comunicação escrita datada de 27 de Agosto de 2015.
C. Sendo que a instauração do procedimento disciplinar data do dia 26 de Agosto de 2015.
D. Com a entrega em mão dessa comunicação escrita de instauração de procedimento disciplinar com vista ao despedimento e suspensão preventiva, foi a Autora ainda notificada de que iria receber a nota de culpa na sua morada, registada, com aviso de receção, constante dos registos da empresa e identificada na carta.
E. Assim, e no seguimento da instauração do processo e comunicação da mesma à Autora, a nota de culpa foi enviada pela Instrutora por correio registado com aviso de receção no dia 1 de Setembro de 2015.
F. E cuja entrega na residência da Autora foi tentada às llh do dia 3 de Setembro de 2015.
G. Estando ausente de sua casa, a carta com a nota de culpa ficou disponível para levantamento durante oito dias úteis na estação de correios da zona.
H. A Autora não levantou nos Correios a carta.
I. No dia 18 de Setembro de 2015, elaborou a Ré uma nota de culpa adicional ainda e também com vista ao despedimento.
J. A nota de culpa foi entregue em mão à Autora nesse mesmo dia 18 de Setembro de 2015.
K. À nota de culpa adicional respondeu a Autora, na pessoa de Mandatário, por E-mail - sem certificação legal de assinatura - no dia 5 de Outubro de 2015.
L. Protestando juntar o documento original via CTT', bem como procuração forense que ratificasse o envio, assinatura e conteúdo da resposta à nota de culpa.
M. Marcou-se o dia 12 de Outubro de 2015 para a inquirição das duas testemunhas arroladas pela Autora, o que se comunicou por correio registado, à Autora e ao seu Mandatário.
N. No dia 6 de Outubro de 2015 foi rececionada a resposta à nota de culpa adicional, por correio registado, contendo uma cópia autenticada de procuração forense.
O. Foi junta aos autos cópia de nota de culpa no processo disciplinar com vista ao despedimento de E... bem como as declarações da aqui Autora na qualidade de testemunha arrolada pela mesma E... .
P. E, no dia 12 de Outubro de 2015, compareceram a Autora e o seu Ilustre Mandatário, para a inquirição de testemunhas.
Q. Também compareceram as Senhoras E... e M... , que depuseram sobre os factos.
R. Terminou-se a instrução e elaborou a instrutora o relatório de conclusões, com data de dia 13 de Outubro de 2015, enviando os autos do processo disciplinar à Autora para tomada de decisão.
S. Decidiu a Ré aplicar à Autora a sanção de despedimento com justa causa, cessando o contrato de trabalho no dia da receção da carta junta pela Autora ao formulário inicial, rececionada pela Autora no dia 19 de Outubro de 2015.
T. Nessa mesma missiva, a Ré referiu estarem à disposição da Autora, na empresa, a partir dessa data, os créditos emergentes da cessação e documentação conexa.
U. No início de Agosto, em data não concretamente especificada, o Diretor Geral da Ré, o Senhor F..., verificando a encomenda semanal - que é feita pelos colaboradores das lojas e é reencaminhada, depois, por aquele ao(s) fornecedor(es) do(s) produto(s) - reparou que constava uma encomenda/ venda, de uma lãmpada de terrário, que já estava, como dizia a indicação, previamente paga pela cliente.
V. A fatura referente a essa venda foi a n.° FS 1A1501/10241, onde consta a descrição de adiantamento manuscrita pela ora Autora, e contém a descrição de Porta lãmpada DEEP DOME COMP FIXTURE, no valor de 51,71 €, mais Iva a 23/prct., e indica um desconto de 20/prct. (no montante de 15,92 €), somando num total de 63,60 €.
W. O Diretor Geral, por se lembrar ter presenciado na loja da Amadora o atendimento da trabalhadora S... , ora Autora, a uma cliente interessada numa cobra e no respetivo equipamento (terrário, iluminação e demais acessórios necessários para o animal), perguntou, então, à ora Autora, se o equipamento (que nunca antes se vendeu na empresa) se destinava à tal cliente, ao que a Autora respondeu negativamente, afirmando que essa cliente ainda não tinha decidido nada e que o equipamento se destinava a si própria, isto é, à ora Autora.
X. O Diretor Geral achou estranha a alusão na encomenda de que o equipamento já estava pago, pois tal seria uma situação normal se se tratasse de um cliente tradicional que encomendasse um produto que não há habitualmente em stock, mas não é normal quando se destina a um colaborador, que usufrui de um desconto de 20/prct. em todas as compras nas nossas lojas.
Y. Por isso mesmo, no dia 10 de Agosto de 2015, ao final da manhã, na loja da Amadora da ora Ré, questionou novamente a colaboradora, ora Autora, sobre as dúvidas acerca da indicação de que a cliente já tinha pago.
Z. A Autora respondeu que também ela era cliente naquela transação, razão pela qual havia escrito na encomenda ao fornecedor que a mesma já estava paga pela cliente.
AA. O Sr. F... , Diretor Geral, disse-lhe que, assim sendo, não havia necessidade de ter já pago o equipamento e que o poderia ter feito apenas aquando da chegada do mesmo, tendo a mesma respondido que preferia já ter tudo pago.
BB. E o Diretor Geral voltou a perguntar-lhe, pela segunda vez, diretamente, se o equipamento era mesmo para a própria ou se para um cliente final, ao que a Autora, respondeu novamente que era para um terrário de uma das suas cobras.
CC. No dia seguinte, 11 de Agosto de 2015, cerca da 11h, na loja da Amadora (local de trabalho habitual da Autora, e onde foi efetuada a venda), o Diretor Geral da Ré recebeu um telefonema de uma cliente - que não se identificou - a perguntar se já estava na loja o equipamento em causa.
DD. A Ré nunca havia vendido aquele equipamento e excetuando a cliente que tinha demonstrado na loja interesse pela cobra e respetivo equipamento, nunca existiu sequer clientela a perguntar se poderia a Ré arranjar tal equipamento e por que preço.
EE. O Senhor F... , Diretor Geral, esclareceu então à cliente que não existia aquele produto em stock, porque o mesmo só é encomendado pela Ré mediante prévio pedido e encomenda específica de um cliente.
FF. Dois minutos depois desse telefonema, voltou a ligar a mesma cliente, insistindo em saber quando chegava o equipamento, mais revelando que tinha conhecimento de a loja tinha feito uma encomenda desse equipamento para um cliente, e perguntando se lhe sabia dizer a data de chegada do mesmo para poder vê-lo e melhor poder decidir de uma futura aquisição.
GG. Perante tal discurso, e subsistindo dúvidas sobre a veracidade da aquisição do mesmo por parte da colaboradora S... , ora Autora, o Diretor Geral foi verificar o modo de pagamento do equipamento.
HH. O método usado foi o multibanco.
H. Sempre foi pedido aos colaboradores que, quando adquirissem algo nas lojas da Ré para si próprios, pagassem em numerário para a empresa, pois, sendo-lhes já concedido um desconto de 20/prct., assim a empresa não teria de suportar ainda mais um custo na transação bancária.
JJ. O nome constante no talão do multibanco continha o nome S... .
KK. No seguimento, dia 12 de Agosto de 2015, às 14h, o Diretor Geral questionou outra vez a Autora sobre a tal venda, tendo a mesma afiançado - pela terceira vez - que, tanto o terrário já adquirido, bem como o dito equipamento, se destinavam à sua cobra.
LL. No dia 14 de Agosto de 2015, perto da 15h, voltou o Diretor Geral a questionar a Autora sobre a veracidade do que estava a contar, tendo inclusive perguntado à colaboradora se não tinha sido uma venda feita por si a uma cliente com o desconto de colaborador, com vista a aumentar a faturação e por vontade de vender.
MM. A Autora jurou que a encomenda era para si e convidou o Sr. F... a ir a sua casa para poder comprovar que o terrário que havia adquirido lá estava.
NN. Já no dia 19 de Agosto de 2015, cerca da 16h, a Autora telefonou ao Diretor Geral, dizendo que tinha uma coisa grave para contar.
00. Disse que queria confessar e confirmar as suspeitas de que a venda com o desconto não era, na realidade, para si, mas para uma cliente.
PP. Foi-lhe solicitado que descrevesse a situação por escrito, o que veio a acontecer.
QQ. Horas antes da confissão da Autora, a real cliente havia-se dirigido à loja da Amadora, e, em tom exaltado, havia perguntado quando lhe entregariam, afinal, o produto, que já tinha pago e que nunca mais chegava.
RR. A colega I... , presente na loja, telefonou, então, para a (antiga) colega S... , ora Autora - que se encontrava de folga - e esta disse que resolveria tudo.
SS. E a Autora mandou a colega ir ao sistema informático para anular a venda, com vista à devolução do dinheiro à cliente.
TT. A trabalhadora Inês recusou-se e passou o telefone para a sub-responsável de loja, a trabalhadora D... , que lhe disse não ir fazer o que a Autora sugeria, avisando que ia reportar o assunto à responsável de loja, a colaboradora S... .
UU. Tendo conhecimento dos factos, a colaboradora S... falou com a Autora e disse-lhe para contactar de imediato o Diretor Geral, relatando toda a situação, ao que esta ainda resistiu, dizendo que iria resolver tudo com a cliente.
VV. A Autora apenas mudou de ideias quando a colaboradora S... a avisou que se não ligasse a própria, então, ela mesmo teria de o fazer.
WW. Apurou-se ainda que a venda, como se pode verificar na respetiva fatura, foi feita pela colaboradora E... , que seguiu instruções telefónicas da ora Autora quando a cliente se deslocou à loja para realizar o negócio combinado com a Autora e esta estava de folga nesse dia.
XX. A situação foi diretamente confirmada pela própria cliente à Ré.
YY. E, anteriormente, também confirmada por telefone ao colaborador J…, a quem a cliente descreveu também toda a história.
ZZ. A instauração do processo disciplinar e da nomeação de instrutores e dos seus poderes foi dado conhecimento à ora Autora, pessoalmente, por comunicação entregue em mão, a 27 de Agosto de 2015 tendo, com essa informação, a Arguida, ora Autora, sido suspensa preventivamente, sem perda de retribuição.
AAA. Com essa comunicação a Autora foi informada de que recebia a nota de culpa em casa, na morada indicada pela própria à empresa, lendo-se na mesma carta A nota de culpa será enviada registada com aviso de receção para a sua morada, a que consta na empresa e acima indicada, e sendo a morada indicada a de Rua …, n.° 7, 4.° B, 2635-… Rio de Mouro.
BBB. A da Autora.
CCC. A Arguida, ora Autora, suspensa preventivamente e avisada de que iria receber em sua casa a nota de culpa, estando ausente do seu domicílio - ou não tendo atendido o carteiro - no dia 3 de Setembro, pelas 11h.
DDD. Não foi depois, em prazo, levantar a carta aos correios, à estação da área de residência, mormente, Loja CTT Serra de Minas.
EEE. Sendo que, na loja dos CTT, a mesma ficou disponível para levantamento a partir das 10h41 min do dia 4 de Setembro de 2015 e até dia 15 de Setembro de 2015.
FFF. Neste sentido, foi elaborada a nota de culpa contendo estes factos. GGG. Tendo-se convocado a Autora para a receber em mão.

HHH. Jamais foi a Autora objeto de processo disciplinar.
III. A Ré atribui um desconto de 20/prct., aos seus trabalhadores, pelos produtos que compram nas suas lojas.
JJJ. O Sr. F... , superior hierárquico da Autora e Diretor daquela, que trabalhava com a Autora na loja a que esta estava adstrita, e como forma de fidelização e cortesia para os clientes, atribui-lhes descontos com regularidade.
KKK. O próprio Sr. F... demonstrou à Autora que era essa uma forma por si aceite e praticada de fidelizar um cliente.
LLL. A Autora decidiu atribuir esse desconto à cliente.
MMM. Durante todo o período respeitante à execução do contrato de trabalho da Autora, tanto esta como os seus colegas vêm trabalhando num constante clima de medo do referido Sr. F... , diretor da Ré.
NNN. Provado apenas que o Sr. F... impôs, uma vez que os trabalhadores pagassem à loja, com o seu património, produtos que a empresa não conseguiu vender a clientes antes do fim do seu prazo de validade, solicitando aos trabalhadores que emitam faturas desses produtos e os paguem.
000. Em data que não se sabe precisar, tendo uma cliente da loja em causa oferecido à Autora, um animal de estimação, decidiu o referido Sr. F... fazer o animal da loja em causa e faturá-lo como se fosse da Ré.
PPP. A Autora jamais tentou obter para si qualquer benefício moral ou patrimonial aquando da venda em causa.
QQQ. A Autora veio a entregar à Ré o valor correspondente ao desconto que realizou na venda em causa.

RRR. Existia e existe um programa de fidelização denominado freebee, que consiste na atribuição de 10/prct. do valor pago pelo cliente para acumular ou descontar na compra seguinte.
SSS. O Sr. F... , muito esporadicamente, atribuía descontos especiais a quem ele entendia.
TTT. O Sr. F... podia, pois a isso está autorizado.
UUU. A Autora não, porque jamais lhe foi dada tal autonomia.
VVV. É regra na empresa que os produtos que chegam são arrumados atrás dos que têm menos prazo de validade, o que não aconteceu relativamente a duas sacas.
WWW. Em relação ao terrário que disse ter comprado também para ela e que a cliente confirmou, no E-mail junto ao processo disciplinar, que também lhe foi vendido pela Autora com os mesmos 20/prct. esses a Autora não devolveu.

B) Factos não provados:
1. Durante o decorrer do processo disciplinar, a cliente contactou diversas vezes a Ré porque a colaboradora suspensa, a ora Autora, a assediou múltiplas vezes sobre o assunto, solicitando-lhe que não contasse a verdade dos factos.
2. Que incluem, soube-se mais tarde, a aquisição de um terrário, também alegadamente pela e para a Autora, com o desconto de funcionária, e que afinal também foi vendido, na realidade, à cliente.
3. Elaborada que foi a nota de culpa, com data de 2 de Setembro de 2015, e enviada que foi por carta registada com aviso de receção, com o registo RD 5639 3381 5 PT, para a morada da ora Autora a mesma não foi deliberadamente recebida pela Arguida, ora Autora.
4. Bem sabia a Autora, que iria receber a nota de culpa por carta registada com aviso de receção na sua morada e, conscientemente, absteve-se de ir levantar a carta aos correios.
5. A atribuição dos descontos siga qualquer regra pré-definida, ou seja, quando entende que tais descontos possam cativar clientes a comprar outros produtos da loja.
6. A pessoa a quem a Autora vendeu o produto constante da fatura em causa nos presentes autos é uma cliente regular da loja, a quem foram anteriormente vendidos vários produtos entendendo ser necessário, na defesa dos interesses da Ré, promover que tais produtos fossem comprados a esta.
7. Ao refletir sobre esses factos, A Autora, face ainda ao facto de a própria cliente lhe ter pedido uma atenção no preço do produto, e sabendo que se o produto fosse eventualmente para si própria teria sempre um teto máximo de 20/prct. no desconto a atribuir a si própria, decidiu atribuir esse desconto à cliente.
8. O Sr. F... , diretor da Ré impõe aos mesmos, por um lado, que prestem trabalho suplementar e em dias de descanso semanal, não remunerado, e por outro, exigindo-lhes objetivos exageradamente rigorosos como forma de os poder reprimir.
9. A Autora vendeu alimentadores automáticos de comida para peixes a clientes que tinham um aquário-globo.
10. Vendeu aquecedores e filtros para aquários-rim em acrílico para tartarugas (onde mal cabe a tartaruga).
11. Colocou os camaroeiros da loja em lixívia, causando a morte aos peixes.
12. A Senhora M... , sua colega, confessou, inclusive, estar farta de trabalhar com a Autora, dada a pressão que tinha em ter que executar as suas tarefas e controlar as asneiras da colega.
13. Já as colegas sempre souberam e sempre ligavam e sempre ligaram a perguntar se podiam fazer algo diferente do estipulado.
14. Após tomarem consciência da situação, foram os colaboradores a propor a comparticipação em causa e com o tal desconto de empregados dos 20/prct..
15. E o Sr. F... entendeu nem fazer o preço com desconto dos 20/prct., mas sim cobrar apenas o preço de custo.
16. Sendo que o produto ficou para uma das colaboradoras em causa (pois quase todas tinham cão a quem dar a referida comida e habitualmente e adquirem-no, de qualquer maneira, na loja).
17. Uma cliente, por sinal atendida, as primeiras vezes, pelo Sr. F... - ainda a Autora não colaborava na empresa - veio oferecer à loja uma chinchila.
18. A Autora tomou-a como sendo dela, porque a ela lhe foi entregue, impedindo a empresa de obter rentabilidade nessa mesma chinchila.
19. Como diversas vezes acontece, são os trabalhadores os primeiros a ligar ao Sr. F... a perguntar se devem aceitar para a loja hamsters, periquitos, etc..
20. A Autora foi a única que não o fez (agindo, mais uma vez, de forma autónoma sem dar satisfações a ninguém).
21. Por diversas vezes lhe foram oferecidos sacos ROYAL CANIN: nomeadamente poucos dias antes da suspensão levou, sem custos, um saco de 15kg no valor de 95,00€.

III - OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 639.° e 635.° n.° 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.° n.° 2 do NCPC).

A - REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 16/12/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.°, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.° do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Estas ações, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.° 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.° 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.° 181/2008, de 28-08, Lei n.° 64-A/2008, de 31-12, Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.° 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.° 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.° 16/2012, de 26 de Março, Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.° 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido, essencialmente, na vigência do Código do Trabalho de 2009 (este último entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação.
B - QUESTÃO PRÉVIA
Constata-se nos autos que a cópia do procedimento disciplinar que culminou no despedimento da Autora não se mostra completa, pois da mesma não consta a decisão final da Ré no sentido da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa nem a posterior comunicação à trabalhadora da mesma, tendo a entidade empregadora assim como o tribunal recorrido, à revelia do que, em nosso entender, é imposto pelos artigos 98.°-I, número 4 e 98.°-J, número 3, do C.P.T. (apresentação atempada e integral do aludido processo disciplinar), considerado, para o efeito, a junção pela trabalhadora da referida decisão e a data da cessação indicada no formulário de fls. 3 (19/ 10/2016).
Ora, não somente esse suprimento pelo trabalhador despedido de falhas ou omissões no dito processo disciplinar, da responsabilidade do empregador, não nos parece ser juridicamente permitido pelo regime legal em questão, como, na situação concreta em análise, a junção da dita decisão da Ré + relatório final do instrutor do procedimento disciplinar é insuficiente para tal efeito, pois inexiste toda a documentação respeitante à notificação da trabalhadora (carta registada com Aviso de Receção, com este último devidamente assinado pela Autora).
Este cenário deveria ter implicado o funcionamento do regime do número 3 do artigo 98.°-J do CPT, mas não o tendo feito oportunamente o Tribunal do Trabalho de Sintra, sem a reação aprazada e consequente da parte prejudicada (neste caso, a Autora), a situação criada na ação, com a sua posterior tramitação, consolidou-se definitivamente, tendo este tribunal da 2.a instância de se limitar a constatar e a conformar-se com a mesma, dando o normal seguimento a este recurso de Apelação.
C - DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Vem a Apelante interpor recurso da decisão da Matéria de Facto, com referência aos factos descritos nas suas conclusões e que, na opinião da Autora, deveriam ter sido julgados de forma diversa pelo tribunal recorrido, sendo tal impugnação feita nos termos e para os efeitos dos artigos 80.°, número 3, 87.°, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 636.°, número 2 e 640.° do Novo Código de Processo Civil, importando, nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) a c), quando estatui que 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, dizendo por seu turno o seu número 2 que 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes., ao passo que o artigo 622.°, números 1 e 2, alíneas a) a d)
do NCPC determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:
Artigo 662.°
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.a instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.a instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3(...)
A Autora recorrente, nesta matéria, dá cumprimento suficiente às exigências de natureza substantiva e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de transcrever, o que permite conhecer o recurso, nesta primeira vertente da impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido.
Impõe-se realçar que, conforme ressalta do Relatório deste Aresto, a prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento foi objeto de gravação, tendo este procedido à sua integral audição, bem como à leitura, interpretação e conjugação dos documentos juntos aos autos e ao seu confronto com tais depoimentos e com os factos assentes que resultaram da confissão ou acordo das partes.
Passemos então a abordar as questões de facto suscitadas pela Ré, começando por transcrever a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto, conforme consta de fls. 138 a 138 verso e reproduzindo-se depois e para esse efeito, o teor dos pontos de facto que, na perspetiva da Apelante, foram objeto de um incorreto julgamento pelo tribunal da 1.a instância e que, nessa medida, merecem a sua contestação:
«O Tribunal teve em consideração, e para a prova da matéria de facto referida supra, a prova produzida e analisada em audiência de julgamento, globalmente considerada, a saber, não apenas o depoimento das testemunhas inquiridas naquela sede mas também a análise do teor dos documentos juntos aos autos.
De salientar que os depoimentos das testemunhas inquiridas e arroladas pela Ré não se revelaram incompatíveis entre elas, tendo estes testemunhado e deposto com credibilidade e isenção, com conhecimento direto e imediato dos factos pelos quais foram chamados a pronunciar-se.
Assim, do teor dos documentos juntos aos autos retira-se quais as peças processuais e o seu teor referente ao processo disciplinar de que a Autora foi objeto, sendo certo que pela própria Autora foi reconhecido que faltou à verdade quanto aos factos alegados pela Ré e referentes à venda operada com o desconto de 20/prct. a uma cliente da casa. De salientar que o Sr. F... , enquanto testemunha do processo, confirmou todos os factos referentes à conduta da Autora, com as respetivas datas e detalhes, e os quais estiveram na base do seu processo disciplinar.
No mais, todas as testemunhas inquiridas revelaram de forma clara, inequívoca e sem quaisquer margens de dúvida, quer através das suas palavras, quer através da postura que assumiram em audiência de julgamento, o medo que têm do Sr. F... , Diretor Geral da Ré, o qual é conhecido pelo carácter impositivo e forte nas suas relações com os trabalhadores, tendo a testemunha M... confirmado as questões referentes à aquisição de produtos da loja pelos seus trabalhadores após se ultrapassar o seu prazo de validade, assim como o episodio referente ao animal oferecido que a loja fez sua. Do depoimento de todas as testemunhas, assim como dos casos em concreto revelados em audiência de julgamento por estas, dúvidas não existem quanto aos factos reveladores da natureza das relações existentes entre o Sr. F... e os seus trabalhadores.
De reter igualmente que, e quanto à ausência de prova quanto à intenção da Autora em não rececionar a correspondência remetida pela Ré, sempre haverá que salientar que nada resultou provado nesse sentido, sendo que, e muito embora os factos considerados como provados permitam suspeitar de tal intenção, sempre teremos que concluir que (na ausência de qualquer outro meio de prova) presumir tal intenção corresponderia não a uma apreciação de facto mas sim a um salto de fé ao qual os Tribunais estão inibidos de o fazer.
O Tribunal não respondeu à matéria de direito alegada nos articulados nem àquela matéria que, face à sua formulação, se revelou de natureza meramente conclusiva.
Procura-se assim demonstrar processo lógico, dedutivo e sistemático que presidiu à apreciação da prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento.»
Pontos de Facto Não Assentes que deveriam ser dados como provados:
Importa referir que a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto não é clara, pois começando por fazer menção aos artigos 15.° a 17.° da sua contestação, remete-nos, depois, para os Pontos 7 e 8 da Factualidade dada como não
demonstrada pelo tribunal da 1.ª instância, que possuem uma redação que só remotamente coincidente com a daqueles artigos do articulado de defesa da trabalhadora:
«7. Ao refletir sobre esses factos, A Autora, face ainda ao facto de a própria cliente lhe ter pedido uma atenção no preço do produto, e sabendo que se o produto fosse eventualmente para si própria teria sempre um teto máximo de 20/prct. no desconto a atribuir a si própria, decidiu atribuir esse desconto à cliente.
8. O Sr. F... , diretor da Ré impõe aos mesmos, por um lado, que prestem trabalho suplementar e em dias de descanso semanal, não remunerado, e por outro, exigindo-lhes objetivos exageradamente rigorosos como forma de os poder reprimir. ».
Se, com a devida benevolência, interpretamos bem a impugnação em apreço, a Autora entende que devia ter sido dado como provado que o Diretor Geral da Ré, Sr. F... , pela forma agressiva, autoritária, excessiva e ameaçadora com que trata os trabalhadores da empresa (ou apenas as trabalhadoras?) criou nela um tal medo incontrolável ou inultrapassável que a levou a ocultar e a mentir-lhe acerca da real situação criada pela mesma no que tocava à venda/encomenda de uma cliente de uma lâmpada especial para um reptário.
Importa trazer a este terreiro o Ponto de Facto dado como Assente e não impugnado por nenhuma das partes:
«MMM. Durante todo o período respeitante à execução do contrato de trabalho da Autora, tanto esta como os seus colegas vêm trabalhando num constante clima de medo do referido Sr. F... , diretor da Ré.»
D - PONDERAÇÃO GLOBAL DA PROVA PRODUZIDA
Tendo compulsado os documentos juntos aos autos bem como ouvidos os depoimentos testemunhais e depois de fazer a devida ponderação de cada um desses meios de prova, quer em si como entre si, sem perder de vista os demais factos dados como assentes por acordo das partes, confissão ou por força dos aludidos meios probatórios, diremos que, no essencial a nossa convicção é idêntica à formada pelo tribunal da 1.a instância, sendo de destacar a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto, onde o juiz do processo explica e justifica suficientemente o valor probatório maior ou menor que atribuiu aos referidos meios de prova.
O confronto e conjugação entre esses diversos meios de prova apontam, seguramente, para um cenário coincidente ou, pelo menos, muito próximo daquele que foi vertido na Factualidade dada como Assente e Não Assente, não obstante os reparos e objeções levantadas pela Autora nas suas alegações/conclusões de recurso.
Importa dizer que da comparação entre a prova apresentada pela Ré D... UNIPESSOAL, LDA - traduzida em 5 testemunhas próprias e uma outra comum à Autora - e a que foi contraposta pela trabalhadora - consistente em 2 testemunhas, para além da já mencionada testemunha comum - resulta uma clara predominância, em termos de objetividade, fidedignidade, convencimento e isenção, daquela sobre esta última, que visou, com insistência, mas sem sucesso (havendo que, nesta matéria, ponderar também alguns dos depoimentos das testemunhas da Ré) demonstrar um nexo de causalidade entre o ambiente de «medo» que se vivia dentro do seio da empresa demandada, em razão da postura do seu Diretor Geral, Senhor F... e a ocultação por parte da recorrente das irregularidades do negócio da venda/encomenda da lâmpada do reptário, assim como das mentiras assumidas pela mesma perante interpelações daquele relativamente à dita situação, assim se mostrando explicada tal reiterado comportamento e atenuada a culpa derivado do mesmo.
Não se ignorando o teor do Ponto MMM - Durante todo o período respeitante à execução do contrato de trabalho da Autora, tanto esta como os seus colegas vêm trabalhando num constante clima de medo do referido Sr. F... , diretor da Ré -, temos para nós que a sua redação é vaga e conclusiva, pois inexistem factos concretos dados como demonstrados que consubstanciem e expliquem suficientemente esse ambiente de medo, como a prova testemunhal que tivemos oportunidade de ouvir não permite afirmar uma conduta daquele Diretor Geral da entidade empregadora que possa e deva ser qualificada como demasiado rigorosa, exigente, stressante, humilhante, agressiva e mesmo ameaçadora para com os trabalhadores da Ré (nomeadamente, para com a Autora e suas colegas).
A prova testemunhal produzida não logrou, de forma objetiva, sólida, convincente, evidenciar uma postura continuada e persistente do referido Diretor Geral que se pudesse caracterizar como assediante, coativa, física e verbalmente abusiva ou mesmo violenta, de maneira a impor à Autora, de forma inapelável, por força do «terror» infundido por aquele e por ela sentido, a atuação de ocultação e mentira que aqui está em causa.
Diremos que de tal prova poderá ter emergido um perfil exigente, autoritário, algo picuinhas e dado a gritar aqui e ali com os trabalhadores (trabalhadoras?) mas tal cenário não é, nem de perto, nem de longe, suficiente para dar como comprovados os factos reclamados pela Autora no âmbito desta impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto.
A enorme dúvida que, aliás, paira sempre no ar é a seguinte: se esse medo do Diretor Geral imperava e pesava de tal maneira sobre a Apelante, como foi ela permitir-se e abalançar-se a uma atitude como a demonstrada nos autos, de clara afronta das regras comerciais em vigor na empresa sua empregadora?
Esta análise global dos meios de prova produzidos na ação e a convicção que, a partir dos mesmos, pode ser formada pelo julgador com a segurança e objetividade juridicamente exigíveis e que vai no sentido do quadro fáctico que deixámos muito sumariamente sintetizado, permite-nos julgar improcedente o recurso de Apelação interposto pela trabalhadora S... , nesta sua primeira vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, por se considerar que inexistem fundamentos de cariz probatório que imponham a alteração dos Pontos da Matéria de Facto dada como Não provada pelo tribunal da 1.a instância e que foram contestados e acima transcritos por este .
E - OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES DE DIREITO
Abordando agora as questões de direito que a Apelante levanta nas suas restante conclusões, Dir-se-á que a mesma contesta o juízo de natureza jurídica que o tribunal recorrido fez relativamente ao preenchimento do conceito de justa causa para efeitos da confirmação do despedimento da Autora.

F - REGIME LEGAL APLICÁVEL
Analisemos então esta outra problemática do presente recurso, chamando, desde logo, à colação o estatuído nos artigos 128.°, 351.° e 357.°, número 4, do Código do Trabalho de 2009, na parte que para aqui releva, tendo para o efeito nos socorrido do relatório final do Procedimento Disciplinar e que foi acolhido pelo Gerência da Ré, conforme ressalta de fls. 4 seguintes dos autos):
Artigo 128.°
Deveres do trabalhador
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) (...)
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) (...)
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i) (...)
2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.
Artigo 351.°
Noção de justa causa de despedimento
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) (...)
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
fl (...)
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstãncias que no caso sejam relevantes.
Artigo 357.°
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - (...)
4 - Na decisão são ponderadas as circunstãncias do caso, nomeadamente as referidas no n.° 3 do artigo 351/prct. a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5_( ... )
G - FACTOS RELEVANTES
Os factos dados como provados e não provados, com relevãncia no julgamento das imputações disciplinares feitas pela Ré ao Autor, são os seguintes: - Factos Provados
X. No início de Agosto, em data não concretamente especificada, o Diretor Geral da Ré, o Senhor F... , verificando a encomenda semanal - que é feita pelos colaboradores das lojas e é reencaminhada, depois, por aquele ao(s) fornecedor(es) do(s) produto(s) - reparou que constava uma encomenda/ venda, de uma lãmpada de terrário, que já estava, como dizia a indicação, previamente paga pela cliente.
V. A fatura referente a essa venda foi a n. ° FS 1A1501110241, onde consta a descrição de adiantamento manuscrita pela ora Autora, e contém a descrição de Porta lãmpada DEEP DOME COMP FIXTURE, no valor de 51, 71 €, mais Iva a 23/prct., e indica um desconto de 20/prct. (no montante de 15, 92 €), somando num total de 63, 60 €.
W. O Diretor Geral, por se lembrar ter presenciado na loja da Amadora o atendimento da trabalhadora S... , ora Autora, a uma cliente interessada numa cobra e no respetivo equipamento (terrário, iluminação e demais acessórios necessários para o animal), perguntou, então, à ora Autora, se o equipamento (que nunca antes se vendeu na empresa) se destinava à tal cliente, ao que a Autora respondeu negativamente, afirmando que essa cliente ainda não tinha decidido nada e que o equipamento se destinava a si própria, isto é, à ora Autora.
X. O Diretor Geral achou estranha a alusão na encomenda de que o equipamento já estava pago, pois tal seria uma situação normal se se tratasse de um cliente tradicional que encomendasse um produto que não há habitualmente em stock, mas não é normal quando se destina a um colaborador, que usufrui de um desconto de 20/prct. em todas as compras nas nossas lojas.
Y. Por isso mesmo, no dia 10 de Agosto de 2015, ao final da manhã, na loja da Amadora da ora Ré, questionou novamente a colaboradora, ora Autora, sobre as dúvidas acerca da indicação de que a cliente já tinha pago.
Z. A Autora respondeu que também ela era cliente naquela transação, razão pela qual havia escrito na encomenda ao fornecedor que a mesma já estava paga pela cliente.
AA. O Sr. F... , Diretor Geral, disse-lhe que, assim sendo, não havia necessidade de ter já pago o equipamento e que o poderia ter feito apenas aquando da chegada do mesmo, tendo a mesma respondido que preferia já ter tudo pago.
BB. E o Diretor Geral voltou a perguntar-lhe, pela segunda vez, diretamente, se o equipamento era mesmo para a própria ou se para um cliente final, ao que a Autora, respondeu novamente que era para um terrário de uma das suas cobras.
CC. No dia seguinte, 11 de Agosto de 2015, cerca da 11 h, na loja da Amadora (local de trabalho habitual da Autora, e onde foi efetuada a venda), o Diretor Geral da Ré recebeu um telefonema de uma cliente - que não se identificou - a perguntar se já estava na loja o equipamento em causa.
DD. A Ré nunca havia vendido aquele equipamento e excetuando a cliente que tinha demonstrado na loja interesse pela cobra e respetivo equipamento, nunca existiu sequer clientela a perguntar se poderia a Ré arranjar tal equipamento e por que preço.
EE. O Senhor F... , Diretor Geral, esclareceu então à cliente que não existia aquele produto em stock, porque o mesmo só é encomendado pela Ré mediante prévio pedido e encomenda específica de um cliente.
FF. Dois minutos depois desse telefonema, voltou a ligar a mesma cliente, insistindo em saber quando chegava o equipamento, mais revelando que tinha conhecimento de a loja tinha feito uma encomenda desse equipamento para um cliente, e perguntando se lhe sabia dizer a data de chegada do mesmo `para poder vê-lo e melhor poder decidir de uma futura aquisição.
GG. Perante tal discurso, e subsistindo dúvidas sobre a veracidade da aquisição do mesmo por parte da colaboradora S... , ora Autora, o Diretor Geral foi verificar o modo de pagamento do equipamento.
HH. O método usado foi o multibanco.
II Sempre foi pedido aos colaboradores que, quando adquirissem algo nas lojas da Ré para si próprios, pagassem em numerário para a empresa, pois, sendo-lhes já concedido um desconto de 20/prct., assim a empresa não teria de suportar ainda mais um custo na transação bancária.
JJ. O nome constante no talão do multibanco continha o nome S... .
KK. No seguimento, dia 12 de Agosto de 2015, às 14h, o Diretor Geral questionou outra vez a Autora sobre a tal venda, tendo a mesma afiançado - pela terceira vez - que, tanto o terrário já adquirido, bem como o dito equipamento, se destinavam à sua cobra.
LL. No dia 14 de Agosto de 2015, perto da 15h, voltou o Diretor Geral a questionar a Autora sobre a veracidade do que estava a contar, tendo inclusive perguntado à colaboradora se não tinha sido uma venda feita por si a uma cliente com o desconto de colaborador, com vista a aumentar a faturação e por vontade de vender.
MM. A Autora jurou que a encomenda era para si e convidou o Sr. F... a ir a sua casa para poder comprovar que o terrário que havia adquirido lá estava.
NN. Já no dia 19 de Agosto de 2015, cerca da 16h, a Autora telefonou ao Diretor Geral, dizendo que tinha uma coisa grave para contar.
00. Disse que queria confessar e confirmar as suspeitas de que a venda com o desconto não era, na realidade, para si, mas para uma cliente.
PP. Foi-lhe solicitado que descrevesse a situação por escrito, o que veio a acontecer.
QQ. Horas antes da confissão da Autora, a real cliente havia-se dirigido à loja da Amadora, e, em tom exaltado, havia perguntado quando lhe entregariam, afinal, o produto, que já tinha pago e que nunca mais chegava.
RR. A colega I... , presente na loja, telefonou, então, para a (antiga) colega S... , ora Autora - que se encontrava de folga - e esta disse que resolveria tudo.
SS. E a Autora mandou a colega ir ao sistema informático para anular a venda, com vista à devolução do dinheiro à cliente.
TT. A trabalhadora Inês recusou-se e passou o telefone para a sub-responsável de loja, a trabalhadora D... , que lhe disse não ir fazer o que a Autora sugeria, avisando que ia reportar o assunto à responsável de loja, a colaboradora S... .
UU. Tendo conhecimento dos factos, a colaboradora S... falou com a Autora e disse-lhe para contactar de imediato o Diretor Geral, relatando toda a situação, ao que esta ainda resistiu, dizendo que iria resolver tudo com a cliente.
VV. A Autora apenas mudou de ideias quando a colaboradora S... a avisou que se não ligasse a própria, então, ela mesmo teria de o fazer.
WW. Apurou-se ainda que a venda, como se pode verificar na respetiva fatura, foi feita pela colaboradora E... , que seguiu instruções telefónicas da ora Autora quando a cliente se deslocou à loja para realizar o negócio combinado com a Autora e esta estava de folga nesse dia.
XX. A situação foi diretamente confirmada pela própria cliente à Ré.
YY. E, anteriormente, também confirmada por telefone ao colaborador J... , a quem a cliente descreveu também toda a história.
HHH. Jamais foi a Autora objeto de processo disciplinar.


III. A Ré atribui um desconto de 20/prct., aos seus trabalhadores, pelos produtos que compram nas suas lojas.
JJJ. O Sr. F... , superior hierárquico da Autora e Diretor daquela, que trabalhava com a Autora na loja a que esta estava adstrita, e como forma de fidelização e cortesia para os clientes, atribui-lhes descontos com regularidade.
KKK. O próprio Sr. F... demonstrou à Autora que era essa uma forma por si aceite e praticada de fidelizar um cliente.
LLL. A Autora decidiu atribuir esse desconto à cliente.
MMM. Durante todo o período respeitante à execução do contrato de trabalho da Autora, tanto esta como os seus colegas vêm trabalhando num constante clima de medo do referido Sr. F... , diretor da Ré.
NNN. Provado apenas que o Sr. F... impôs, uma vez que os trabalhadores pagassem à loja, com o seu património, produtos que a empresa não conseguiu vender a clientes antes do fim do seu prazo de validade, solicitando aos trabalhadores que emitam faturas desses produtos e os paguem.
000. Em data que não se sabe precisar, tendo uma cliente da loja em causa oferecido à Autora, um animal de estimação, decidiu o referido Sr. F... fazer o animal da loja em causa e faturá-lo como se fosse da Ré.
PPP. A Autora jamais tentou obter para si qualquer beneficio moral ou patrimonial aquando da venda em causa.
QQQ. A Autora veio a entregar à Ré o valor correspondente ao desconto que realizou na venda em causa.

RRR. Existia e existe um programa de fidelização denominado 'freebee que consiste na atribuição de 10/prct. do valor pago pelo cliente para acumular ou descontar na compra seguinte.
SSS. O Sr. F... , muito esporadicamente, atribuía descontos especiais a quem ele entendia.
TTT. O Sr. F... podia, pois a isso está autorizado.
UUU. A Autora não, porque jamais lhe foi dada tal autonomia.
VVV. É regra na empresa que os produtos que chegam são arrumados atrás dos que têm menos prazo de validade, o que não aconteceu relativamente a duas sacas.
WWW. Em relação ao terrário que disse ter comprado também para ela e que a cliente confirmou, no E-mail junto ao processo disciplinar, que também lhe foi vendido pela Autora com os mesmos 20/prct. esses a Autora não devolveu.
B) Factos não provados:
1. Durante o decorrer do processo disciplinar, a cliente contactou diversas vezes a Ré porque a colaboradora suspensa, a ora Autora, a assediou múltiplas vezes sobre o assunto, solicitando-lhe que não contasse a verdade dos factos.
2. Que incluem, soube-se mais tarde, a aquisição de um terrário, também alegadamente pela e para a Autora, com o desconto de funcionária, e que afinal também foi vendido, na realidade, à cliente.
5. A atribuição dos descontos siga qualquer regra pré-definida, ou seja, quando entende que tais descontos possam cativar clientes a comprar outros produtos da loja.

6. A pessoa a quem a Autora vendeu o produto constante da fatura em causa nos presentes autos é uma cliente regular da loja, a quem foram anteriormente vendidos vários produtos entendendo ser necessário, na defesa dos interesses da Ré, promover que tais produtos fossem comprados a esta.
7. Ao refletir sobre esses factos, A Autora, face ainda ao facto de a própria cliente lhe ter pedido uma atenção no preço do produto, e sabendo que se o produto fosse eventualmente para si própria teria sempre um teto máximo de 20/prct. no desconto a atribuir a si própria, decidiu atribuir esse desconto à cliente.
8. O Sr. F... , diretor da Ré impõe aos mesmos, por um lado, que prestem trabalho suplementar e em dias de descanso semanal, não remunerado, e por outro, exigindo-lhes objetivos exageradamente rigorosos como forma de os poder reprimir.
9. A Autora vendeu alimentadores automáticos de comida para peixes a clientes que tinham um aquário-globo.
10. Vendeu aquecedores e filtros para aquários-rim em acrílico para tartarugas (onde mal cabe a tartaruga).
11. Colocou os camaroeiros da loja em lixívia, causando a morte aos peixes.
12. A Senhora M... , sua colega, confessou, inclusive, estar farta de trabalhar com a Autora, dada a pressão que tinha em ter que executar as suas tarefas e controlar as asneiras da colega.
13. Já as colegas sempre souberam e sempre ligavam e sempre ligaram a perguntar se podiam fazer algo diferente do estipulado.
14. Após tomarem consciência da situação, foram os colaboradores a propor a comparticipação em causa e com o tal desconto de empregados dos 20/prct..
15. E o Sr. F... entendeu nem fazer o preço com desconto dos 20/prct., mas sim cobrar apenas o preço de custo.
16. Sendo que o produto ficou para uma das colaboradoras em causa (pois quase todas tinham cão a quem dar a referida comida e habitualmente e adquirem-no, de qualquer maneira, na loja).
17. Uma cliente, por sinal atendida, as primeiras vezes, pelo Sr. F... - ainda a Autora não colaborava na empresa - veio oferecer à loja uma chinchila.
18. A Autora tomou-a como sendo dela, porque a ela lhe foi entregue, impedindo a empresa de obter rentabilidade nessa mesma chinchila.
19. Como diversas vezes acontece, são os trabalhadores os primeiros a ligar ao Sr. F... a perguntar se devem aceitar para a loja hamsters, periquitos, etc..
20. A Autora foi a única que não o fez (agindo, mais uma vez, de forma autónoma sem dar satisfações a ninguém).
21. Por diversas vezes lhe foram oferecidos sacos ROYAL CANIN: nomeadamente poucos dias antes da suspensão levou, sem custos, um saco de 15kg no valor de 95,00€.
J - NOÇÃO JURÍDICA DE JUSTA CAUSA
O Professor JOÃO LEAL AMADO, a partir da noção geral de justa causa contida no número 1 do artigo 351.° acima transcrito, refere que a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infração disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (...)
As diversas condutas descritas nas várias alíneas do número 2 do artigo 351.° possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas)), contendo uma referência implícita à cláusula geral do n. ° 1 para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico'.
O Professor MONTEIRO FERNANDES, segundo esse mesmo autor, defende que a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória, ao passo que o Professor JORGE LEITE, sustenta que a gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstãncias do caso e os interesses da empresa e ainda que uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável, isto quanto ao requisito legal da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.
Finalmente, a Professora MARIA ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO por, acerca do «conceito geral de justa causa disciplinar», afirma o seguinte:
«A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para despedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.' 351.', n.' 1 do CT. Estes requisitos, de verificação cumulativa, são os seguintes:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador. (...)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. Estes requisitos justificam as seguintes observações:
i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.º 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (...)
ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii) O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (...) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.° 330. °, n.° 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não e, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Em interpretação da componente objetiva da justa causa, a jurisprudência tem chamado a atenção para três aspetos essenciais:
i) O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva. (...)
ii) A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. (...)
iii) A impossibilidade de subsistência do vínculo tem que ser imediata: este requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral. Assim, se, apesar de grave, ilícita e culposa, a infração do trabalhador não tiver, na prática, obstado à execução normal do contrato, após o conhecimento da situação pelo empregador, tal execução demonstra que a infração não comprometeu definitivamente o futuro do vínculo contratual. (...)
IV. Por fim, a lei exige que se verifique um nexo de causalidade entre o compor-tamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho. (cf., também, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1997, página 820).

K - APRECIAÇÃO DA JUSTA CAUSA DOS AUTOS
Ora, face ao descrito quadro legal e à interpretação que a transcrita doutrina faz do mesmo, afigura-se-nos manifesta a gravidade das condutas imputadas à Autora e que foram dadas como assentes, não convindo olvidar que as mesmas atingiram princípios e valores fundamentais no desenvolvimento de uma atividade comercial e no seio de uma organização empresarial como é a Ré e que são os da seriedade, honestidade, lealdade e confiança.
Se dissecarmos os comportamentos funcionais da Apelante, que estão na base do seu despedimento e que foram dados como provados, na sua essência, constatamos uma violação clara, intensa e plúrima dos deveres de obediência, lealdade, zelo, diligência e de defesa e prossecução dos interesses patrimoniais da sua entidade empregadora.
Julgamos que os mesmos, na sua singeleza - concretização de uma compra e venda/encomenda à revelia das normas internas da empresa e em prejuízo da mesma (valor do desconto de 20/prct. destinado a empregado e feito à cliente) e negação reiterada ao seu superior hierárquico de tal realidade -, podem ser reconduzidos a uma violação das obrigações de obediência às ordens e normas em vigor na organização onde a Autora laborava e se encontrava integrada e realização do «trabalho com zelo e diligência» (alíneas e) e c) do número 1 do artigo 128.° do C.T./2009) e os deveres de lealdade e de promoção da produtividade da entidade empregadora (alíneas 1) e h) do mesmo número da aludida e disposição legal), bem como preenchem a alínea a) do número 2 do artigo 351.° do Código do Trabalho, acima reproduzida, no que toca à desobediência ilegítima e intencional às ordens e instruções emanadas superiormente.
Mas será que os descritos comportamentos se revestem de uma gravidade tal que, só por si e em si, de um ponto de vista objetivo, desapaixonado, jurídico, implica uma quebra irremediável e sem retorno da relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe entre empregado e empregador, impondo, nessa medida, a este último, o despedimento com justa causa, por ser a única medida reativa de cariz disciplinar que se revela proporcional, adequada e eficaz à infração concreta e em concreto praticada pela trabalhadora arguida?
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com especial incidência para o Supremo Tribunal de Justiça, tem, em casos como o dos autos, em que está em causa a honestidade ou seriedade dos trabalhadores, considerado que está irremediavelmente comprometida a relação de confiança necessariamente pressuposta pelo vínculo laboral, independentemente do valor em causa, não tendo o empregador de manter ao seu serviço o assalariado desonesto e/ou desleal.
O artigo 330.° do Código do Trabalho de 2009, com a epígrafe Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar estipula, a esse respeito, no seu número
1, que «A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.».
Ora, se olharmos com olhos de ver, para a atuação da Autora, revestir-se-á a mesma da gravidade legalmente reclamada pelo legislador para que a única saída viável para resolver a crise de carácter laboral gerada pela dita conduta seja a sanção do despedimento com invocação de justa causa?
A resposta tem de ser, necessária e inevitavelmente, afirmativa, dado a situação deixada descrita e analisada ter aberto a porta da desconfiança relativamente à futura lealdade, seriedade e honestidade da Autora, que, na perspetiva da Ré só pode ser fechada satisfatoriamente através da medida disciplinar do despedimento com invocação de justa causa.
Logo, pelos motivos expostos, tem este recurso de Apelação de ser julgado igualmente improcedente nesta sua última vertente jurídica.

IV - DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 662.° e 663.° do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste , em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por S... , quer na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, quer no que concerne às questões de direito levantadas, confirmando-se, nessa medida, a sentença judicial recorrida.

Custas do presente recurso a cargo do Apelante - artigo 446.°, número 1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 22 de março de 2017
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
Sumário
Constitui justa causa de despedimento a conduta da Autora que se traduziu na concretização de uma compra e venda/encomenda à revelia das normas internas da empresa e em prejuízo da mesma (valor do desconto de 20/prct. destinado a empregado e feito ao cliente) e negação reiterada ao seu superior hierárquico de tal realidade.

(José Eduardo Sapateiro)
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