Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 08-03-2017   Competência material dos tribunais do trabalho. Contrato de trabalho com instituto público.
1 - É pacífico que a competência do tribunal, em razão da matéria, afere-se pelo pedido e causa de pedir formulados pelo Autor.
2 - Formulando o Autor pedidos que fundamenta na existência de contrato de trabalho que celebrou com um Instituto Público e relativos a períodos anteriores e posteriores a 1.1.2009, sendo as Secções do Trabalho competentes materialmente para apreciação dos anteriores àquela data, aos posteriores deverá estender-se a competência das mesmas Secções.
Proc. 15774/16.9T8LSB-A 4ª Secção
Desembargadores:  Maria Celina Nóbrega - Paula de Jesus Santos - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo n° 15774/16.9T8LSB-A.L1

Acordam os Juízes na Secção Social do :
Relatório
R... , solteiro, contribuinte n.°198…, residente na Av. F…, n.° 43, 3° Esq., em 1950-… Lisboa, intentou contra I... , com sede na Av. …, em 1000-… Lisboa, acção emergente do contrato individual de trabalho com processo comum, pedindo que esta seja considerada procedente por provada e por via dela:
a) seja reconhecida natureza de retribuição ao montante anual de 1.100,00€ que em 2002 foi pago ao A.;
b) seja reconhecida natureza de retribuição ao montante mensal pago ao A. sob a designação de Isenção de Horário de Trabalho, em quantia equivalente a 40/prct. da sua retribuição base;
c) seja declarado que aqueles valores referidos em a) e b) do presente pedido integram para todos os efeitos a sua retribuição base, devendo ser pagos pelo R. enquanto vigorar o contrato de trabalho do A. com o R. juntamente com a mesma;
d) seja o R. condenado a pagar ao A. o montante de 1.100,00€ em pagamentos mensais equivalentes a 1/12 do seu valor, juntamente com a restante retribuição mensal;
e) seja o R. condenado a pagar ao A. a quantia de 14.300,00€ (catorze mil e trezentos euros), correspondente à parte da retribuição identificada em a) e vencida desde o ano de 2003 até ao ano de 2015, acrescida das demais que se vençam até à prolação de sentença condenatória;
f) seja o R. condenado a pagar ao A. juros de mora sobre as quantias vencidas e vincendas, a liquidar em sede de execução de sentença; e
g) seja o R. condenado a pagar custas, procuradoria e demais encargos legais.
Invocou, para tanto, em síntese, que foi admitido por conta, ao serviço e sob a direcção do R. em 1 de Junho de 1997, admissão que foi feita com base num contrato de trabalho sem termo, para a categoria de Técnico Superior de Informática, tendo-lhe sido atribuída urna remuneração base mensal correspondente à prevista para o nível 11 dos regulamentos em vigor na R., acrescido de IHT contratual, no valor equivalente a 25/prct. da remuneração base. A relação de trabalho estabelecida entre A. e R. passou a regular-se pela Lei Geral do Trabalho, bem como pelo Estatuto do Pessoal, em vigor na R. Sucede que, a partir de Junho de 1991, o R. decidiu instituir um sistema de complementos salariais para alguns dos seus trabalhadores, complementos esses que se traduziam na atribuição de um montante mensal líquido, pré-definido e que passou a acrescer à remuneração base, sendo pago de forma regular e periódica, como contrapartida directa da sua normal prestação laborai na R. e a que foram dadas diferentes designações, sendo que, para além do seu desempenho profissional normal e habitual, nada era exigido aos seus destinatários para que estes pudessem beneficiar da sua atribuição pelo R., assumindo, assim, esta contrapartida, natureza retributiva. A partir de Janeiro de 2003 veio o R. a cessar totalmente o pagamento de parte desse complemento retributivo em vigor desde 1991, em concreto, na parte que era formalmente designada de prémio de produtividade,que não pagou ao A., nem aos restantes trabalhadores que dele beneficiaram, nem no seu 1° semestre, nem no seu 2° semestre, mantendo, contudo, atribuído ao A. a quantia de 40/prct. formalmente denominada de IHT, incorporando os 15/prct. de aumento atribuído a partir de Julho de 2001. A quantia paga ao A. e que ultimamente ascendia ao montante anual de € 4.355,00 tal como a própria quantia de 25/prct. da remuneração base, denominada de Isenção de Horário de Trabalho (IHT) que foi acordada ser-lhe paga aquando da admissão em Junho de 1997, integra para todos os efeitos legais a sua retribuição, pelo que estava submetida ao princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto na alínea c) do n.° 1 do artigo 21 ° da Lei do Contrato de Trabalho. A partir de Julho de 2001 o A. não viu de qualquer forma alterada a sua realidade laboral e as concretas condições em que exercia as suas funções profissionais, de modo a materialmente poder justificar essa atribuição, isto, porque desde a sua admissão que o A. exercia funções no Departamento de Informática da R., exercendo funções de Técnico Superior de Informática, continuando a partir de Julho de 2001 com esse conteúdo profissional. Tendo violado o direito do A, em não ver diminuída a sua retribuição, constitui-se o R. no dever de repor o direito ilicitamente retirado, constituindo-se o A. no direito de reclamar do R. a reposição do pagamento da parcela retributiva do ano de 2003, no montante de 1.100,00€, condenando-se a R. a manter esse pagamento enquanto vigorar o contrato de trabalho do A., devendo sê-lo, quanto ao montante de 1.100,00€ em pagamentos mensais equivalentes a 1/12 desse montante, integrando para todos os efeitos a sua retribuição base, tal como integrará a sua retribuição base a quantia formalmente paga a título de IHT, no montante de 40/prct. da remuneração base,
Realizou-se a audiência de partes, não tendo sido possível a sua conciliação.
O Réu contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou a incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria, por considerar que, sendo a relação sub judice uma relação jurídico-laboral que, desde 1 de Janeiro de 2009, é regida pelo Código de Trabalho em Funções Públicas, a competência para decidir do presente litígio está atribuída à jurisdição administrativa.
Por impugnação alegou, em síntese, que, contrariamente ao que defende o Autor, os montantes que este recebeu decorrentes do sistema de incentivos do I... e seus sucedâneos e substitutivos, independentemente do nomen júris atribuído, corresponderam a prémios atribuídos pela apreciação do seu bom desempenho, em consequência da avaliação que foi feita pelo I… aos seus trabalhadores a todo o tempo, pela Direcção da área do A. e, por isso, não constitui nunca retribuição mas sim uma forma de gratificação e prémio.
Pediu, a final, que seja julgada procedente a excepção dilatória da incompetência do tribunal em razão da matéria e, por via dela, se absolva o Réu da instância com as demais consequências legais e, em qualquer caso, deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente, sendo o Réu absolvido do pedido com as legais consequências.
O Autor respondeu pugnando pela competência, em razão da matéria, do Tribunal do Trabalho.
Foi proferido despacho saneador que conheceu da excepção da incompetência do tribunal, em razão da matéria, nos seguintes termos:
Cumpre agora apreciar a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, deduzida na contestação, alegando a ré, em resumo, que:
- A partir do dia 01/01/2009 (data da entrada em vigor do art.° 88° da Lei n° 12-A/2008, de 27.02, e do art. °17° da Lei n° 59/2008, de 11.09), os contratos de trabalho dos trabalhadores do réu se converteram em contratos de trabalho para o exercício de funções públicas constituídos por tempo indeterminado.
- Consequentemente, a conversão ope legis da natureza dos contratos dos trabalhadores do réu e a alteração do respectivo regime jurídico aplicável, implicou uma modificação da competência jurisdicional para a apreciação das questões decorrentes desses mesmos contratos, competência essa que passou a ser atribuída aos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do disposto no art. ° 4°, n° 3 do ETAF.
O autor respondeu, pronunciando-se no sentido da competência do tribunal.
Para se determinar a competência do Tribunal deve atentar-se nos termos em que foi proposta a acção, quer quanto aos seus elementos objectivos quer, quanto aos seus elementos subjectivos, ponderando-se a forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos.
Como ensina Manuel de Andrade, (Noções Elementares de Processo Civil, pp. 91), a competência do Tribunal afere-se pelo quid disputatum - quid decidendum , em oposição ao que será mais tarde o quid decisum , sendo isto o que se quer exprimir quando se diz que a competência se determina pelo pedido do autor. Mais acrescenta que a competência do Tribunal não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, sendo ponto a dirimir de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor, compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
Mostram-se, pois, irrelevantes as qualificações jurídicas feitas pelo autor ou até o juízo de prognose que se possa fazer quanto à viabilidade da pretensão.
O autor alega a existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado com o réu desde 01.06.1997 e pede que seja reconhecida a natureza retributiva do montante anual de 1.100, 00 € que lhe foi pago em 2002 como prémio de produtividade e a condenação do réu a pagar-lhe tal montante anual desde o ano de 2003 até ao ano de 2015, em pagamentos mensais correspondentes a 1/12 do seu valor, acrescida das prestações que se vençam até à prolação da sentença.
Na resposta à excepção, o autor defende que o seu contrato de trabalho não se converteu em contrato de trabalho para o exercício de funções públicas a partir de 1.1.2009 por efeito do disposto no art.° 88° da Lei n° 12-A/2008, de 27.02, e do art.° 17° da Lei n° 59/2008, de 11.09, continuando a ser-lhe aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho.
Porém, tal questão é irrelevante para aferir da competência material do tribunal, pois, a jurisprudência maioritária dos tribunais superiores portugueses tem considerado que Não obstante a convolação, em 01.01.2009, do contrato individual de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas (por virtude da entrada em vigor das Leis 12-A/2008, de 27.02 e 59/2008, de 11.09), as (atualmente denominadas) Secções do Trabalho são materialmente competentes para a apreciação dos pedidos referentes ao período que decorreu até essa convolação e, bem assim, para os demais posteriores a esse período verificada que seja a conexão prevista no art. 126°, al. n), da Lei 62/2013, de 26.08 (similar à al. o) da Lei 3/99, de 31.05).
Ora, aderindo-se a esta. jurisprudência em obediência ao disposto no art.° 8°, n° 3 do Código Civil, tendo em conta os factos alegados pelo autor, é de concluir que este tribunal é competente para apreciar e julgar a totalidade dos pedidos do autor, de acordo com o disposto no art.° 126°, n° 1, al. b) e n) da Lei n° 62/2013, de 26.08.
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção da incompetência material, sendo este tribunal também competente em razão da matéria, bem como em razão da hierarquia. Inconformado, o Réu recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
A) O R. em sede de excepção, alegou basicamente que o contrato de trabalho individual do A., se convolou ope legis em contrato de trabalho em funções públicas, em 1 de Janeiro de 2009, por força de Lei que assim determinou.
B) Ademais alegou que, não obstante tal conversão automática resultante da Lei, fez o R. publicar na sua página electrónica a lista de todos os seus trabalhadores abrangidos por tal conversão, bem como formalmente notificou cada um deles, incluindo o A., dessa mesma verificada alteração resultante da Lei.
C) O A. não arguiu a falsidade dos documentos entretanto juntos, antes se estribando para se opor à excepção, em outras questões de direito, designadamente ao facto de o período em que se haviam verificado os factos constituintes iniciais do seu direito de pedir, ser anterior à data 1 de Janeiro de 2009.
D) O contrato de trabalho do Recorrido, migrou em 01.01.2009 para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, tal se aferindo e dando por assente, não apenas a partir da matéria dada por confessada ou não controvertida nas posições dos articulados de apelada e apelante mas sobretudo por força da Lei entrada em vigor com tais efeitos automáticos, não estando dependente pois de quaisquer respostas a factos controvertidos, nem de qualquer juízo de prognose por parte do magistrado a quo.
No caso dos autos não assume qualquer relevância, no entendimento actual da Lei e da jurisprudência, que qualquer parte, ainda que majoritária fosse, da relação de trabalho em causa tivesse decorrido, como decorreu, sob o âmbito de contrato individual de trabalho.
Releva sim o facto de que à data da entrada da acção em juízo (ou na data em que o contrato houvesse eventualmente cessado), o vínculo existente entre as partes, fosse já o de contrato de trabalho em funções públicas regulado pela Lei 12-A/2008.
Já o artigo 83° n° 1 da Lei 12-A/2008 definia que eram os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal para apreciar litígios emergentes da relações jurídicas de emprego público.
O que hoje corresponde ao artigo 12° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho.
F) Nos termos do n° 3 do artigo 4° dos Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais, encontramos resposta na sua estipulação negativa, já que ali se prescreve que, transcrevendo, ficam excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes dos contratos de trabalho em funções públicas.
G) Sobre a convolação em contrato de trabalho em funções públicas, operado ope legis pelos artigos 88° e seguintes e 109° da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, bem esclarecedoramente esclareceu também a Relação do Porto em seu aresto de 03.11.2014.
H) Aqui chegados, de tudo o que vem de alegar-se, forçoso era o tribunal recorrido ter concluído na contrária do que concluiu e decidiu.
A tal obrigaria finalmente o bem decidido a propósito nesta Relação de Lisboa em 17.06.2015 no qual se decidiu que verificando-se nos termos do alegado na petição inicial, à luz do direito aplicável, que o Autor mantém um vínculo de emprego com o R., ininterruptamente, primeiramente sujeito ao regime de contrato de trabalho e partir de 01.01.2009, ao regime de contrato de trabalho em funções públicas, para apreciação da acção posteriormente proposta em que o pedido e a causa de pedir emergem dessa relação jurídica (abrangendo um e outra também, o período decorrido desde que vigora o contrato de trabalho em funções públicas, e inclusive, para futuro) é competente materialmente o tribunal administrativo, por força do artigo 4° n° 3, alínea d) dos Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
I) O momento relevante para a fixação da competência do tribunal em razão da matéria é indiscutível e incontornavelmente, e no caso dos presentes autos, o da data da propositura da acção, nos termos do n° 1 do artigo 38° da LOSJ.
J) No mesmo sentido, se pronunciou a 4a Secção desta Relação, no seu mais recente acórdão de 29.06.2016 em que foi Recorrido o aqui Apelante, no processo 26205/15.1T8LSB.
L) Nos termos do artigo 4.°, n.°3, alínea d) do ETAF, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 59/2008 de 11 de Setembro, os litígios emergentes de quaisquer contratos de trabalho em funções públicas são da competência da jurisdição administrativa.
M) A Lei n.° 59/2008 de 11 de Janeiro veio estabelecer o regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas, aplicando-se a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nos serviços da Administração directa e indirecta do Estado, conforme decorre do artigo 3.°, n.° 1 do diploma supra referenciado.
N) O I... , I.P. é um Instituto Público, ou seja, é um organismo que integra a Administração Indirecta do Estado, como se definia já nos termos do artigo 2.°, n.° 1 da Lei n.° 3/2004 de 15 de Janeiro, do artigo 1.0, n.° 1 do D.L. 166/2007 de 3 de Maio e do artigo 1.0, n.°1 do D.L. 280/89 de 23 de Agosto.
O) Se é verdade que o A. apresenta como causa de pedir e defende a competência do tribunal recorrido com base na alegação de um contrato de trabalho subordinado é certo que, de outra parte, ambas as partes assumem nos autos, pacificamente, que o R. era e é um Instituto público integrado na administração indirecta do Estado.
P) O que igualmente se extrai por confronto dos Decreto-Lei 212/2006, de 27 de Outubro, artigo 5° n° 1 e 219/2007, de 29 de Maio.
Q) E se ao tempo da contratação do A., a Lei Quadro dos Institutos Públicos permitia, e o R. apelante estabelecia vínculos laborais de natureza privada, ou seja, a adopção do regime do Contrato Individual de Trabalho, essa situação, incluindo no caso do A., veio a ser posteriormente convolada directa e automaticamente na decorrência da publicação da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
R) Esta Lei veio dispor que os institutos públicos se passariam a submeter ao regime jurídico aplicável aos trabalhadores exercendo funções públicas.
S) O contrato individual de trabalho que o A. mantinha com o Apelante I... transitou pois para uma relação jurídica de emprego público, por força do n° 3 do artigo 88° da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
T) A situação Sub judice é uma relação jurídico-laboral que, desde 1 de Janeiro de 2009, automaticamente, por força da Lei, passou a ser regida pelo Código de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), já que ope legis e sem necessidade ou exigência de quaisquer formalismos, o A. aqui apelada e o R. apelante passaram só por isso a estar vinculados, a partir de então, por um contrato de trabalho em funções públicas.
U) Entretanto e mais recente e esclarecedoramente, a orgânica anterior do I... , plasmada no DL n° 166/2007, veio a ser revogada pelo DL 136/2012, sendo pois e designadamente revogado o anterior artigo 10° onde se dispunha que ao pessoal do I... era aplicável o regime do contrato individual de trabalho.
V) Consequentemente nos termos da Lei que aprova o CTFP os, tribunais competentes para apreciar esta matéria são agora e desde então, os tribunais administrativos, o que se mostra mais claramente esclarecido na actualidade por força do artigo 12° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, publicada em anexo à Lei 35/2014, de 20 de Junho (diploma que vem revogar as leis 59/2008 e 12-A/2008) no sentido de que em matéria de jurisdição competente, são da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público.
O que é o caso dos todos os trabalhadores do I... e da aqui A., desde 1 de Janeiro de 2009.
X) Reafirmou-se pois, com esta nova base legal, que a competência passou a ser sempre dos tribunais administrativos, como aliás se reconheceu já em cerca de uma dezena de idênticas acções de trabalhadores do I... propostas na Instância Central de Lisboa, Secção de Trabalho, algumas das quais foram já remetidas para aquela outra jurisdição administrativa, após trânsito em julgado.
Z) Entretanto, pelo acórdão de 24.02.2015 (www.dgsi.pt) decidiu mais recentemente o STJ, por forma absolutamente clara e incontornável que deixara de ser possível no nosso ordenamento jurídico, a vinculação do Estado através de relações laborais comuns, de direito privado, por força da entrada em vigor da Lei 59/2008, de 11 de Setembro (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas), tendo revogado a Lei 23/2004.
AA) Assim ficou definido e claramente esclarecido por força deste aresto do STJ que os trabalhadores antes detentores de contrato individual de trabalho válido, passaram a ser titulares de um contrato de trabalho em funções públicas.
BB) Ora, consequentemente, por força da Lei e secundados também pelo decidido em acórdãos da Relação de Lisboa de 4/12/2013, e bem mais recentemente o de 29/06/2016, da 4a Secção, todos e quaisquer litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas são da competência da jurisdição administrativa e fiscal.
CC) A incompetência material constitui excepção dilatória, que é aliás do conhecimento oficioso e determina, se procedente, como aqui é o caso, a absolvição do R. da instância, por força dos artigos 96° alínea a), 576° n° 2, 577° alínea a) e 578°, do Código do Processo Civil.
Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, devendo revogar-se o despacho saneador, determinando-se a incompetência do tribunal em razão da matéria e anulando-se todos os actos posteriormente praticados, com todas as legais consequências.
O Autor contra alegou e formulou as seguintes conclusões:
1- Alega o Recorrente em Alegações de Recurso que a decisão proferida em sede de Despacho Saneador datado de 3/10/2106, pelo tribunal a quo que declarou improcedente a exceção de incompetência material por este invocado em sede de contestação merece reparo por inconforme à Lei e Jurisprudência aplicáveis ao caso em apreço,
2- Peticionando, a final a revogação do despacho saneador em apreço, determinando-se a incompetência do tribunal a quo em razão da matéria e anulando-se todos os atos posteriormente praticados com todas as legais consequências.
3- Sucede que, e salvo o devido respeito, é entendimento do Recorrido de que a decisão proferida pelo Tribunal a quo é manifestamente correta, fundada na aplicação acertada quer da Lei de Organização Judiciária quer da jurisprudência portuguesa mais recente.
4- Que por sua vez tem reiterado e confirmado a competência das secções do trabalho das instâncias centrais para o julgamento de casos análogos.
5- Efetivamente, a lei, e a mais recente doutrina e jurisprudência portuguesas têm reiterado e confirmado a competência das Secções do Trabalho das Instâncias Centrais dos Tribunais Judiciais, para o julgamento de casos análogos.
6- Com efeito, nos termos do Artigo 126.° n.°1, al. n) do Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível: (...)
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
7- Ora ponderando a causa de pedir e o pedido deduzido pelo Recorrido, atendendo a que os mesmos abrangem um período compreendido entre o ano de 2003 e 2015, e mesmo que se entendesse que o vínculo contratual celebrado com o Autor se convolou ope legis, em contrato de trabalho em funções públicas a partir de 01/01/2009 o facto é que o período que se reporta a créditos compreendidos entre 2003 e 2009, peticionados pelo Recorrido, estaria e está sempre abrangido pela lei laboral comum pelo que a competência para julgar pertence exclusivamente às secção do trabalho das instâncias centrais, o que no caso deveria ter sido apurado pelo Mm.° Tribunal a quo.
8- Dessa forma e no caso em concreto, para aferir a competência material do tribunal do trabalho dever - se - ia ter apreciado não a data da propositura da acção nem a relação laboral que existia à data entre a o Recorrente e o Recorrido, (facto que foi preponderante na decisão proferida pelo Ilustre Juiz do Tribunal a quo) mas sim a causa de pedir e o respectivo pedido que abrangem o período compreendido entre o ano de 2003 e de 2015, sendo certo que entre 2003 e 2009 vigorava um contrato individual de trabalho e obrigatoriamente abrangido pela lei laborai comum, pertencendo a competência para sua apreciação às secções do trabalho das instâncias centrais.
9- Sendo que quanto ao restante período, dada a indissociável conexão existente entre as matérias em discussão, não poderia deixar de se estender a competência do Tribunal do Trabalho para a apreciação da causa.
10- Entendimento esse que se encontra plasmado quer na jurisprudência do Tribunal de Conflitos, de 11.07.2000, proferida no Conflito n.° 000318, disponível em www.dgsi.pt, segundo a qual a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor ou requerente deve partir do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se estriba, sendo, para este efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma (por se tratar de questão atI... nte ao mérito da pretensão), mas sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo requerente ao autor .
11- Quer na que é proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, (Ac. de 04-12-2014, no âmbito do Processo: 209/14.OTTGRD-A.C1), segundo a qual Sumário:I - A apreciação da competência (material) de um tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se pelo quid disputatum , ou seja pelo pedido do autor e respectiva causa de pedir: II - Sendo a causa de pedir delineada pelo autor uma relação de trabalho subordinado de direito privado, a competência material para julgar esse litígio pertence aos tribunais do trabalho, atento o disposto no art° 85°, al. b) da LOFTJ (Lei n° 3/99, de 13/01) e art ° 4°, n ° 3, al. d) do ETAF.
12- Por conseguinte, a alegada e invocada convolação ope legis dos contratos de natureza privada que haviam sido outorgados entre o Réu e os diversos Autores, no dia 01/01/2009, em contratos de funções públicas, era para o caso irrelevante na determinação do tribunal materialmente competente.
13- Ainda que o contrato em causa se tivesse convertido em contrato de trabalho em funções públicas a partir do ano de 2009, a Recorrente vem exercitar direitos que se reportariam nesse caso a período em que tal não sucedia (i.e. de 2003 a 2009), período este que sempre estaria abrangido pela lei laborai comum e cuja competência pertenceria às secções do trabalho das instâncias centrais.
14- Entendimento esse sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.2014, proferido no âmbito do processo com o n.° 2596/11.2TTLSB, segundo o qual dada a indissociável conexão existente entre as matérias em discussão, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal de Trabalho, nos termos do art. 85°, alínea o) da LOTJ, segundo o qual compete aos tribunais conhecer em matéria cível das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade e dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente (preceito legal que corresponde ao artigo 126°, n.°1, alínea n) da Lei n.° 62/2013)
15- E por sua vez reiterado em diversa e recente jurisprudência portuguesa,
16- Da qual se salienta e refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-06-2015, no âmbito do Processo:117/14.4TTLMG.CI.S1, o Acórdão do , em 23-09-2015, no âmbito do Processo n.° 4277/13.3TTLSB.L1-4, e ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto em 13-04-2015 e em 15-06-2105, no âmbito dos Processos n.° 89/14.5TTMAI-A.P1 e 255/14.3T8AGD.P1, respectivamente.
17- É por conseguinte entendimento recente jurisprudencial que:
I - A determinação do tribunal materialmente competente radica na estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal, segundo a versão apresentada pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respectivos fundamentos.
II - Na petição inicial, o A. configura o vínculo estabelecido entre as partes (iniciado em 1/6/2006) como contrato individual de trabalho, contrato donde derivam todos os pedidos formulados pelo mesmo.
III - É certo que o n° 2 do art. 17. ° da Lei 59/2008, de 11/9, estabeleceu a transição dos trabalhadores das modalidades de nomeação e de contrato de trabalho para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, e segundo o art. 83° da Lei n° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (norma que entrou em vigor em 01.01.2009, conforme preceituado no seu art. 118. 0, n° 7, e no art. 23.° da Lei 59/2008), os Tribunais Administrativos são os normalmente competentes para apreciar os litígios emergentes de relações jurídicas desta natureza.
IV - No entanto, pretendendo o autor exercitar direitos que, em grande parte, se reportam a período anterior a 01.01.2009, período em que, segundo alega, entre as partes vigorava um contrato de trabalho, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal do Trabalho à totalidade das questões que nos autos estão em causa, nos termos do art. 85.º, alínea o), da LOFTJ, dada a conexão de dependência que se verifica entre a temática da qualificação dos contratos celebrados e os restantes pedidos deduzidos contra o R. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-06-2015, no âmbito do Processo: 117/14. 4TTLMG. C1. S1
18- E ainda que :
1- É pacífico que a competência do tribunal, em razão da matéria, afere-se pelo pedido e causa de pedir formulados pelo Autor.
(...)
3- Formulando os Autores pedidos que fundamentam na existência de contrato de trabalho e relativos a períodos anteriores e posteriores a 1.1.2009, sendo o Tribunal do Trabalho competente materialmente para apreciação dos anteriores àquela data, aos posteriores deverá estender-se a competência do mesmo Tribunal, nos termos do artigo 85° al. o) do LOFTJ Ac. , em 23-09-2015, no âmbito do Processo n. ° 4277/13.3TTLSB.L1-4
Não obstante a convolação, em 01.01.2009, do contrato individual de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas (por virtude da entrada em vigor das Leis 12-A/2008, de 27.02 e 59/2008, de 11.09), as (atualmente denominadas) Secções do Trabalho são materialmente competentes para a apreciação dos pedidos referentes ao período que decorreu até essa convolação e, bem assim, para os demais posteriores a esse período verificada que seja a conexão prevista no art. 126°, al. n), da Lei 62/2013, de 26.08 (similar à al. o) da Lei 3/99, de 31.05). Tribunal da Relação do Porto em 13-04-2015 e em 15-06-2105, no âmbito dos Processos n.° 89/14.5TTMAI-A.P1 e 255/14.3T8AGD.P1
19- Por conseguinte, e atendendo ao facto de que o Recorrido:
a. Foi admitido por conta e ao serviço e sob a direcção do Recorrente em 01/06/1997,
b. Tendo peticionado o reconhecimento da natureza retributiva do montante anual de 1.100,00€ que em 2002 havia sido pago ao Autor; o reconhecimento da natureza retributiva do montante mensal pago ao A. sob a designação de Isenção de Horário de Trabalho, em quantia equivalente a 40/prct. da sua retribuição base; o reconhecimento aa natureza de retribuição ao montante mensal pago ao A. sob a designação de Subsídio de Chefia, em quantia equivalente a 10/prct. da sua retribuição base; a condenação a pagamento ao Autor do montante de 1.100,00€ em pagamentos mensais equivalentes a 1/12 do seu valor, juntamente com a restante retribuição; e simultaneamente que fosse declarado que aqueles valores integravam, para todos os efeitos a sua retribuição base, devendo ser pagos pelo R. enquanto vigorar o contrato de trabalho do A. com o R., juntamente com a mesma; bem como que fosse o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de 14.300,00€ correspondente à retribuição identificada de 1.100,00€ e vencida desde o ano de 2003 até ao ano de 2015, acrescida das demais que se vencessem até à prolação de sentença condenatória,
E que:
c. Quanto à apreciação da natureza da retribuição e condenação ao cumprimento relativa aos anos de 2003 a 2009 (pelo menos) seria Inequívoca a competência material do Tribunal a quo, i.e, da Secção do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para o julgamento da causa,
d. Nos termos do Artigo 126.° n.°1, al. n) do Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível: (...)
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente; ,
20- É manifesto que, mesmo que o contrato em causa se tivesse convertido em contrato de funções públicas a partir do ano de 2009, o Recorrido vem nestes autos exercitar direitos que se reportariam ao período em que tal questão não se colocava, período este em que o caso estaria inequivocamente abrangido pela lei laborai comum, e por isso no qual seriam competentes para julgar, as secções de trabalho das instâncias centrais, pelo que comprovada que fica a indissociável conexão existente entre as matérias em discussão, forçosamente se teria de estender a competência da Secção de Trabalho, para o julgamento do presente caso, nos termos do artigo 126°, n.°1, alínea n) da Lei n.° 62/2013.
21- Entendimento a que o Douto , em decisão singular proferida em processo análogo ao que moveu o Recorrido, e onde consta o R. como Recorrido (vide decisão singular de 09/06/2016, no âmbito do Proc. 26192/16.6T8LSB.L1), aderiu plenamente!
22- Pelo que forçosamente, e conforme bem entendeu o douto Tribunal a quo, sempre se teria de estender a competência da Secção de Trabalho, para o julgamento do presente caso, nos termos do artigo 126°, n.°1, alínea n) da Lei n.° 62/2013.
23- Não enfermando, por essa via a decisão recorrida de qualquer vício, nem erro quer na aplicação de direito, quer na aplicação de jurisprudência, estando de encontro ao normativo legal aplicável, bem como ao entendimento jurisprudencial mais recente sobre o caso em apreço.
Finaliza pedindo a improcedência do recurso e manutenção da decisão proferida em Ia instância.
O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.
Recebidos os autos neste Tribunal, a Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608° n° 2 do CPC), no presente recurso cumpre apreciar se o Tribunal a quo errou ao considerar a Secção do Trabalho a competente, em razão da matéria, para conhecer do objecto do presente processo.
Fundamentação de facto
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório supra para o qual se remete.
Fundamentação de direito
Vejamos, então, se o Tribunal a quo errou ao considerar a Secção do Trabalho a competente, em razão da matéria, para conhecer do objecto do presente processo.
Sobre como se afere a competência material dos tribunais escreve-se no sumário do Acórdão deste Tribunal, proferido no Processo n° 4277/13.3TTLSB.L1 em que a ora relatora interveio como relatora: É pacífico que a competência do tribunal, em razão da matéria, afere-se pelo pedido e causa de pedir formulados pelo Autor.
E no mesmo aresto, sobre a competência material dos tribunais ainda se escreve:
De acordo com o artigo 64° do CPC São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional
De igual modo, dispõem o artigo 211° n° 1 da Constituição da República Portuguesa ( Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.) e o artigo 18° n° 1 da Lei 3/99 de 13 de Janeiro (São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional ).
Nos termos do artigo 96° al.a) do CPC determinam a incompetência absoluta do tribunal a infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, constituindo a incompetência absoluta do tribunal excepção dilatória (art.577° al. a), de conhecimento oficioso, excepto em determinados casos, (art.578) e obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (arts. 576° n° 2 e 99 do CPC).
Por outro lado e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.2015, in www. dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Gonçalves da Rocha, É entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade. E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo quid disputatum , ou seja, pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.
Foi neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.
É também esta a orientação do Tribunal de Conflitos, conforme se colhe do acórdão de 30.10.2013, proferido no Conflito n.° 37/13, donde se conclui que é pois a estrutura da causa apresentada pela parte que recorre ao tribunal que fixa o tema decisivo para efeitos de competência material, o que significa que é pelo quid decidendum que a competência se afere, sendo irrelevante qualquer tipo de indagação atinente ao mérito do pedido formulado, ou seja, sendo irrelevante o quid decisum .
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial e do respectivo pedido que deveremos decidir da questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.
E sobre questão idêntica à que agora se coloca nestes autos e em que figurou como Réu o ora Réu pronunciaram-se, recentemente, os Acórdãos deste Tribunal e Secção de 8.2.17 e 22.2.17, proferidos nos processos n.°s 6560/16.7T8LSB e 3054/15.9T8LSB, nos quais a ora relatora interveio como 2ª adjunta e a cuja fundamentação continuamos a aderir, pelo que se passa a transcrever o que naquele se afirma:
O cerne da argumentação expendida pelo Recrte. prende-se com a circunstância de o contrato de trabalho de que é titular o A. se ter convolado, ope legis, em contrato de trabalho em funções públicas em 1/01/2009, devendo relevar para efeitos de competência do tribunal o facto de, à data de entrada em vigor da ação em juízo, o vínculo existente já ser o regulado pela Lei 12-A/2008.
O Art° 64° do CPC dispõe que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Cabe às leis de organização judiciária determinar as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada (Art° 65° do CPC).
No regime atual os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca, que se desdobram em instâncias centrais e em instâncias locais, sendo que naquelas podem ser criadas secções de competência especializada, nomeadamente, em matéria de trabalho (Art° 79° e 81 ° da L 68/2013 de 26/08 (LOSJ).
No caso, tendo sido criada a 1ª secção do trabalho da instância central de Lisboa pergunta-se se esta terá competência para dirimir o litígio que nos ocupa.
Segundo o Art° 126°/1-b) da LOSJ compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.
De acordo com o disposto no Art° 38°/1 da L. 68/2013 DE 26/08 - LOSJ - a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. E são irrelevantes também as modificações de direito, exceto em caso de supressão do órgão a que a causa estava afeta ou atribuição de novas competências (n°2).
Contudo, não é de regras de fixação de competência que temos que nos socorrer para dirimir a questão em apreciação. O que importa aquilatar é como é que se afere a competência de um tribunal.
Isto porque, para além das normas acima citadas da LOSJ, também o Art° 83°/1 da Lei 12-A/2008 dispunha que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público. Situação correspondente vamos encontrar na atual lei geral do trabalho em funções públicas, aprovada pela Lei 35/2014 de 20/06 que, no seu a Art° 12° estipula que são da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes de vínculo de emprego público. E o Art° 4°/3-d) do ETAF, na redação que lhe foi dada pela Lei 59/2008 de 11/09, dispôs que fica igualmente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.
Portanto, sendo o contrato de trabalho invocado um contrato de trabalho em funções públicas o regime acima citado imporá o conhecimento das questões que com ele se prendam pelos tribunais da jurisdição administrativa.
Assim sendo, e arguindo a Recrte. a migração do contrato da Recrdo para o regime do contrato de trabalho em funções públicas, vejamos, então, se as secções de trabalho da jurisdição comum são ou não competentes.
Em causa na ação está, como se alega na petição inicial uma relação jurídica de trabalho subordinado entre o autor e o réu desde 06.03.1991, relação essa que teve como base a celebração de um contrato de trabalho a termo certo. Em causa está ainda um sistema de complementos remuneratórios instituído pelo R. em 1991 ao qual o mesmo terá posto termo em Janeiro 2003. Por outro lado, e tendo ainda em atenção a petição inicial, peticiona-se o reconhecimento da natureza retributiva do montante anual de 3.012,006' que lhe foi pago em 2002 como prémio de produtividade e a condenação do réu a pagar-lhe tal montante anual desde o ano de 2003 até ao ano de 2015.
Em presença da estruturação da ação nestes moldes, veio o R. alegar a exceção de incompetência em razão da matéria assente na circunstância de ele próprio ser um organismo que integra a administração indireta do Estado e, por outro, na de a relação jurídica reportada pelo A. ser, desse 1/01/2009, regida pelo Código do Trabalho em Funções Públicas dada a convolação ope legis do contrato inicialmente firmado, o que aconteceu por força dos Art° 88° e ss. e 109° da Lei 12A/2008 de 27/02.
O entendimento segundo o qual a competência de um tribunal se afere pela relação jurídica tal qual a mesma vem configurada pelo autor, é uma constante jurisprudencial.
Nesta lógica, a apreciação da competência decide-se em presença do pedido e da causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou mesmo o juízo de mérito sobre a pretensão formulada.
Ora, em passo algum da petição inicial vemos que o A. assuma a invocada convolação. O que ali se alega é a admissão ao abrigo de contrato de trabalho a termo certo, convolado em contrato de trabalho sem termo ao qual é aplicável a lei geral do trabalho.
Por outro lado, ali se alega também o estabelecimento de um sistema de complementos salariais desde Junho de 1991, altura em que o vínculo que unia as partes era, ainda, um contrato de trabalho a termo certo.
Donde, em presença da petição inicial, nada inculca no sentido de a relação jurídica existente ser de natureza administrativa, aqui também não cabendo decidir acerca do vínculo existente.
Contudo, em presença do regime introduzido pela Lei 12-A/ 2008 de 27/02, e, no que ao caso importa, muito concretamente em presença do disposto no Art° 88°, segundo o qual certas situações de trabalhadores contratados por tempo indeterminado transitam para o novo regime legal, poderá equacionar-se a incompetência?
Antes de mais, cumpre lembrar que o enquadramento assim pretendido pela Recrte. já é matéria de mérito e não de forma.
Nessa medida, não cabe no âmbito da decisão sobre competência.
Mas, mesmo admitindo que a relação se convolou a partir de 1/09/2009 para uma relação de trabalho em funções públicas, as secções do trabalho são diretamente competentes para apreciar o pedido na parte relativa ao período que antecedeu a entrada em vigor do novo regime, situação relativamente á qual não havia dúvidas sobre a competência da jurisdição laboral comum.
Esta razão permitiu já à Relação do Porto concluir pela competência dos tribunais de trabalho por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do artigo 85.° da LOFTJ (Ac. de 28/04/2014). Norma que encontra correspondência no Art° 126°/1-n) da Lei 62/2013.
E o STJ, no Ac. de 16/06/2015 veio sufragar este entendimento, ali se consignando que é na petição inicial que se configura o vínculo estabelecido entre as partes, pelo que ainda que por força do Art° 17°/2 da Lei 59/2008 de 11/09 (que aprova o regime do contrato de trabalho em funções públicas) se conclua pela transição dos trabalhadores das modalidades de nomeação e de contrato de trabalho para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, pretendendo o autor exercitar direitos que, em grande parte, se reportam a período anterior a 1/01/2009, período em que, segundo alega, vigorava um contrato de trabalho, não pode deixar de se estender a competência do tribunal à totalidade das questões que estão em causa, no termos do Art° 85/o) da LOFTJ, dada a conexão de dependência que se verifica.
Linha de raciocínio também seguida pelo STJ no Ac. de 11/02/2016, segundo o qual incumbe aos Tribunais Judiciais - Secções do Trabalho das instâncias centrais dos Tribunais de Comarca - a competência para conhecer de uma ação movida contra um Município em que um trabalhador pede que se declare a existência de um contrato de trabalho com o Réu, com início em 2006 e termo em julho de 2014 e que se condene este em várias pretensões derivadas daquele contrato e da respetiva cessação e fundamentadas no regime jurídico do contrato individual de trabalho.
Também neste sentido decidiu esta Relação, em 23/09/2015, num acórdão relatado pela ora segunda adjunta. Ali se consignou que, por força do disposto nos artigos 17° n° 2 e 23° da Lei 59/2008, a transição dos trabalhadores do IFAP das modalidades de nomeação e de contrato de trabalho para a modalidade de trabalho em funções públicas ocorreu em 1.1.2009. Formulando os Autores pedidos que fundamentam na existência de contrato de trabalho e relativos a períodos anteriores e posteriores a 1.1.2009, sendo o Tribunal do Trabalho competente materialmente para apreciação dos anteriores àquela data, aos posteriores deverá estender-se a competência do mesmo Tribunal, nos termos do artigo 85° al. o) do LOFTJ
No caso concreto, o pedido, como já deixámos antever, é de reconhecimento da natureza de uma dada prestação como retribuição, condenação no pagamento do montante em 1/12, integração do valor na retribuição base devendo ser pagos enquanto vigorar o contrato de trabalho e condenação no pagamento de um valor correspondente à retribuição vencida desde 2003 até 2015.
Em presença deste pedido, assente na causa de pedir já supra evidenciada, dúvidas não subsistem, pois, que, a petição, tal como é configurada pelo autor, não permite abdicar da competência da jurisdição comum, secções do trabalho, para o respetivo conhecimento. É que a decisão a proferir emana de factualidade que pressupõe a existência de um contrato de trabalho.
Termos em que improcede a apelação.
Ora, não vislumbramos que os argumentos carreados pelo Recorrente para os autos sejam suficientes para porem em causa o citado entendimento, tanto mais que, no caso em apreço, como no caso apreciado no Acórdão citado, para além do pedido de condenação do Réu no pagamento de créditos que o Autor entende serem-lhe devidos, ainda está. em causa a qualificação de atribuições patrimoniais instituídas pelo Réu em 1991, que o Autor considera terem natureza retributiva à luz do direito laborai e quando ainda vigorava a LCT pelo que, salvo o devido respeito, tal qualificação e respectivas consequências não podem deixar de estar na alçada das secções do trabalho, independentemente da convolação ocorrida a partir de 1.1.2009.
Em consequência terá de ser julgada improcedente a apelação com a consequente confirmação do despacho recorrido.
Considerando o disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 527° do CPC, as custas são da responsabilidade do recorrente.
Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 8 de Março de 2017
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão

Sumário:
1- É pacífico que a competência do tribunal, em razão da matéria, afere-se pelo pedido e causa de pedir formulados pelo Autor.
2- Formulando o Autor pedidos que fundamenta na existência de contrato de trabalho que celebrou com um Instituto Público e relativos a períodos anteriores e posteriores a 1.1.2009, sendo as Secções do Trabalho competentes materialmente para apreciação dos anteriores àquela data, aos posteriores deverá estender-se a competência das mesmas Secções.
Maria Celina de Jesus Nóbrega

Voto de vencida
Somos do entendimento de que deveria ser mantida a decisão recorrida, cujos fundamentos sufragamos, por, na nossa perspectiva, a mesma ter feito uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis.
Concorda-se, é certo, que a decisão acerca da competência material tem subjacente a natureza da matéria que fundamenta a acção. Contudo, o juiz não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 50 n°3 do CPC), havendo que considerar, para o que interessa ao presente caso, a publicação das leis 12-A/2oo8, de 27 de Fevereiro, sobre vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, a Lei n.° 35/2014 de 20/06, que revogou a Lei 12-A/2oo8 de 27102, a Lei 59/2008, de 11 de Setembro, que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e ainda da Lei do Orçamento do Estado para 2009 (Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro), que alterou a Lei-Quadro dos Institutos Públicos, dispondo que lhes são aplicáveis, quaisquer que sejam as particularidades dos seus estatutos, o regime jurídico aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas (cfr. art. 30°).
Como consequência, a partir de 1 de Janeiro de 2009, aquelas leis passaram a aplicar-se plenamente às relações de trabalho do Autor com o Réu, pese embora estejamos em presença de uma única relação jurídica entre as partes.
Nos termos do art. 38°, n° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 6212013, de 26 de Agosto, a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe.
Assim, e tal como foi decidido no acórdão proferido em 17-06-2015, no Processo 2266/1o.9TTLSB.L1, no qual interviemos como adjunta, e para cujos fundamentos remetemos, por os subscrevermos integralmente, Verificando-se, nos termos do alegado na petição inicial, à luz do direito aplicável, que o autor mantém um vínculo de emprego com o réu, ininterruptamente, primeiramente sujeito ao regime do contrato de trabalho, e, a partir de 1 de Janeiro de 2009, ao regime do contrato de trabalho em funções públicas, para apreciação da acção posteriormente proposta em que o pedido e a causa de pedir emergem dessa relação jurídica (abrangendo ume outra, também, o período decorrido desde que vigora o contrato de trabalho em funções públicas, e, inclusive, para futuro) é competente materialmente o tribunal administrativo, por força do art. 4., n.° 3, al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. (sic)
(Paula Santos)
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