Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 09-11-2016   Rejeição do requerimento acusatório para julgamento em processo sumaríssimo.
I. É excessiva e desproporcional, a posição defendida no despacho recorrido que rejeita a acusação deduzida pelo Ministério Público por omitir o lugar da prática dos factos, sendo que, objectivamente, essa descrição é realizada com uma descrição considerada suficiente.
II. Se a acusação pública inclui a identificação do arguido, a narração dos factos, as normas incriminadoras e as provas que a fundamentam, sendo que os factos descritos constituem crime nenhum fundamento existe para que se proceda à sua rejeição.
Proc. 789/16.5PBFUN 3ª Secção
Desembargadores:  Nuno Ribeiro Coelho - Ana Paula Grandvaux - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo 789/16.5PBFUN.L1
Acordam, em conferência, na 3.a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO
O Ministério Público, por não concordar com o despacho de 18/5/2016 que rejeitou o requerimento acusatório para julgamento em processo sumaríssimo por aquele apresentado, por entender que o mesmo era manifestamente infundado, vem dele interpor recurso pedindo a revogação daquele mesmo despacho e a sua substituição por outro que receba esse requerimento acusatório e designe a audiência de julgamento.
A motivação deste recurso conclui da seguinte forma:
1. Vem o recurso interposto do douto despacho emitido pelo 3.0 Juízo Criminal da Comarca da Madeira que rejeitou, por manifestamente infundado, o requerimento em processo sumaríssimo lavrado pelo Ministério Público.
Decisão com a qual não se concorda.
2. Nos presentes autos, na sequência do requerimento em processo especial sumaríssimo proferido pelo magistrado do Ministério Público, a Me. Juiz de Direito proferiu um douto despacho de rejeição do referido requerimento referindo a esse respeito que no caso em apreço temos como factos que o arguido entrou sem autorização no recinto desportivo exclusivamente destinado aos intervenientes no jogo que opôs o C. S. M... e o S..., não sabendo nós qual o local é a que a douta acusação se refere parã podermos concluir como o conclui a douta acusação. Ou seja, a acusação não contém factos, contém apenas unia conclusão. Não sabemos onde entrou o arguido, em que área, para podermos concluir se a mesma era ou não destinada exclusivamente aos intervenientes no jogo .
Salvo o devido respeito, dissentimos in totum.
3. Desde logo, no plano jurídico- 'actual, e no que tange ao local dos factos, o douto despacho recorrido, certamente por lapso, não se terá apercebido da menção expressa ao Estádio dos Barreiras'' que consta do requerimento em processo sumaríssimo; por outro lado, o arguido, foi intercetado pela. PSP dentro do recinto desportivo exclusivamente destinado aos agentes desportivos intervenientes do jogo de futebol que opôs o C. S. M... e o S..., ou seja, dentro do rectângulo desportivo em sede do qual se disputava o referido jogo de fnrtebol.
4. A esta luz, torna-se absolutamente irrelevante perscrutar, por um lado, qual a área do recinto desportivo (cujas medidas de comprimento e largura são um jacto notório e, logo, torna-se despicienda a sua alegação), e, por outro lado, qual a medida de significado funcional dessa concreta área desportiva que o arguido violou; a menos que, neste tipo legal de crime, seja necessária, aquando da detenção em flagrante delito do arguido, a medição concreta do perímetro violado pelo mesmo, o que convenhamos, roça a prova diabólica, no medida em que obrigaria os agentes da PSP a munirem-se previamente de uma fita métrica para saber se o arguido entrou no recinto desportivo ao metro 20 ou, diferentemente, ao metro 25, o que constituiria uni desolcdvr¬c7floranzento de uma `justiça a metro ..
5. No plano jurídico, o douto despacho recorrido olvida o essencial: a rejeição liminar da acusação do Ministério Público está reservada aos casos' em que aquele libelo acusatório incorre cm vícios estruturais graves, o que não será certamente cabível nos casos em que, como o presente, a discordânci u judicial dirige-se primacialmente a' questões métricas, e, logo, de somenos importância (no sentido de que o juiz deve apenas controlar os vícios estruturais graves da acusação referidos no art. ° 311.0, mt.° 3, do CPP; RODRIGO SANTIAGO, O conceito de manifesto infizndamento no Código de Processo Penal de 1987, in: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Stvidia Ivridica 100, Boletim da Faculdade de Diteito da Universidade de Coimbra, Vohune III, Coimbra, Coimbra Editora, (2010), p. 1131; aproximadamente no mesmo sentido, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Verbo, Lisboa, São Paulo, (2000), pp. 207-208).
6. Em conclusão, dir-se-á que a acusação só poderá considerar-se manifestamente infundada se se verificarem os vícios estruturais graves enunciados no n° 3 do citado art. 311o (assim, Paulo Pinto c'le Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3 ' edição actualizada, 2009, p. 789), se nexo fór apta para servir de base a uma sentença condenatória, O que desde logo afasta a possibilidade de rejeição liminar da acusação por manifestamente infiméladã íjuanc o os vícios de que eventualmente padeça reão sejam :estruturais e graves (vide, neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 04/10/2011, proc. 1062/10.8TACSC, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/07/2012, proc. 1087/11.6PCMT, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/12/2009, proc. 734/07. TAPDL, disponíveis em www.dgsi.pt, vide, também neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/02/2016, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Luís' Gominho, todos disponíveis em www.dgsi.pt, que seguimos textualmente).
7. Noutro hemisfério argumentativo, o douto despacho recorrido incorre, no plano jurídico-constitucional, nessoutro vício argumentativo: o da. inconstitucionalidade material, por violação do princípio da segurança jurídica extrai do art. ° 20 da CRP.
8. Com efeito, o princípio da segurança jurídica, na sua dimensão positiva, significa que o julgador está obrigado a concretizar, desenvolver e configurar os direitos fundamentais e a própria ordem jurídico-penal, vinculando-se, do mesmo passo, a adoptar as soluções que se conformem com os efeitos de protecção das normas de direitos, liberdades e garantias contidos naquele universo de normas (Neste sentido, JORGE REIS NOVAIS, «Os Direitos Sociais, Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais», Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 94, pp. 310, 312,370; Sobre o perfil do legislador, MENEZES CORDEIRO, «Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações, II, Tomo III, Gestão de negócios, Enriquecimento sem causa, Responsabilidade Civil», Coimbra, Almedina, 2010, pp. 652-678; Neste sentido, ADELAIDE MENEZES LEITÃO, «Normas de Protecção e Danos Puramente Patrimoniais», Tese de Doutoramento, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 799 e ss; Neste sentido, TIAGO VIANA BARRA, «Breves considerações sobre responsabilidade e tutela dos direitos .fundamentais», in Revista O Direito, Ano 144, N.° 1,2012, pp. 158).
9. Com efeito, apesar de a Constituição da República não consagrar expressa e textualmente, o princípio da segurança jurídica, este tem sido associado e extraído do princípio do Estado de Direito (artigo 2o, da CRP), à semelhança do que já sucedera, pela doutrina jus publicista germânica, relativamente ao artigo 20o da Grundgesetz alemã (Neste sentido, na doutrina alemã, ROBERT ALEXY, «Begriff und Geltung des Rechts», 4. Auf., Verlag Karl Alber GmbH, Freiburg/München, (2005), pp. 23- 45. Neste sentido, na doutrina alemã, KARL LARENZ, «Methodenlehre der Rechswissenschafi», Studienausgabe, Springer - Verlag, Berlin, Heidelberg, New York, Tokyo, (1983), pp. 135 e seguintes).
10. Por outro lado, o princípio da segurança jurídica impõe ainda que uma actuação judicial levada a cabo em consonância com as normas penais vigentes se consolide na ordem jurídica, a tal ponto que os poderes públicos, dentre os quais os tribunais e os julgadores, garantam o respeito, por terceiros, das situações jurídicas geradas por tais normas jurídicas, se necessário, mediante O emprego de meios coercivos (segurança na implementação ) (Adoptando esta contraposição, REINHOLD ZIPPELIUS, «Filosofia do Direito», Quid /uris, Lisboa, (2010), 215-216).
11. No caso ora em apreço, suscita-se o problema da compatibilidade da interpretação normativa do art. ° 311., n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, gizada pelo douto despacho recorrido, com O princípio da segurança jurídica (artigo 2° da CRP), na ,sua dimensão de segurança na implementação, nomeadamente no que tange à sua compatibilidade com o desígnio de previsibilidade da actuação do órgão jurisdicional, que constitui unia inalienável dimensão daquele meta princípio, e que perpassa toda a ossatura do ordenamento jurídico-constitucional.
12. A esta luz, advoga-se a inconstitucionaLidade material da dimensão normativa do cri. ° 311. °, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, contida no douto despacho recorrido, quando interpretada no sentido de que a inobervância no requerimento em processo sumaríssimo da medida concreta de um campo de futebol implica a rejeição liminar do libelo acusatório, por violação do princípio da segurança jurídica (art. ° 2.0, da Constituição da República Portuguesa).
13. A rejeição dá acusação por manifesta fruta de fundamento é uma forma de exercício jurisdicional; a invalidade da acusação implica o declinar, por impossibilidade, do exercício dé função jurisdicional, e, portanto, actos que dependeriãun da validade do exercício da função jurisdicional que não podenx produzir efeitos (neste sentido, JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, As Revisões do Código de Processo Penal. Algumas Questões de Técnica e Lógica Processuais ,, in: Reviski Portuguesa de Ciência Criminal, (RPCC), A reforma do direito processual penal português e 'm. perspectiva te(:?rico-prática, Ano 18, N. ° 2 e 3, Abril-Setembro 2005, Director: Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, Coimbra Editora, (2008), p. 215).
14. Vale dizer: a rejeição liminar da acusação, por manifestamente infundada, nos casos, como o presente, em que um.:tal declinar do exercício da função jurisdicional é manifestamente ilegal (e até, inconstitucional, como a seguir se verá) briga com o princípio do juiz natural (art. ° 32.º; n° 9, do CRP).
15. Porquanto, o princípio do 'juiz natural , ou do `juiz legal (art. ° 32.º; n. ° 9, da CRP), para além da sua ligação funcional ao princípio da legalidade em matéria penal (art. ° 29. °, n.° 1, da CRP), encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito (art. ° 2. 0, da CRP, art. ° 9. ° alínea. b), da CRP) np aymmniô der administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203. ° da Constituição), e, coerentemente, uma expressão da doutrina da essencialidade (7Veste sentido, JORGE REIS NOVAIS, As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Previstas na Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, Dissertação de Doutoramento, 2ª edição, Almedina, Coimbra, (2010), pp. 852 e ss; neste sentido, MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional, Dissertação de Doutoramento, Almedina, Coimbra, (2007), pp. 754-786).
16. A garantia do juiz natural tem, assim, um âmbito de protecção que é, em larga medida, configurado ou conformado normativamente - isto é, pelas regras de determinação do juiz natural, OU legal (assim, na doutrina alemã, GABRIELE BRITZ, ob. cit, pág. 574, BODO PIEROTH/BERNHARD SCHLINK, Grundrechte II, 16. Auflage., Heidelberg, (2008), pág. 269, § 876).
17. Na verdade, o despacho (manifestamente infundado) de rejeição liminar do requerimento em processo sumaríssimo é um acto materialmente jurisdicional incluído na reserva de juiz, densificando, assim, o princípio do juiz natural (art. ° 32. 0, n° 9, da CRP) (Neste sentido, KARL AUGUST BETTERNIANN, Das gesetzliche Richter in der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts, in Archiv des ôffentlichen Rechts, 4. Aujlage, (2002), págs. 263 e segs; aproximadamente neste sentido, na doutrina portuguesa, no que se refere à reserva de jurisdição dos mecanismos de consenso, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A Jurisprudência Constitucional Portuguesa e a Reserva do Juiz nas Fases Anteriores ao Julgamento ou a Matriz Basicamente Acusatória do Processo Penal, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, (2009), pp.54-55)
18. Ora, se assim é, este acto materialmente jurisdicional no inquérito, é a expressão lídima, por um lado, da referida reserva de juiz, e, por outro lado, mas simetricamente, da densificação material do princípio do juiz natural (art. ° 32. 0, n. ° 9, da CRP). - Neste sentido, ainda que no âmbito da suspensão provisória do processo, Acórdão do Tribunal Constitucional n. ° 144/2006, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes; no mesmo sentido, Acórdãos cio Tribunal Constitucional n. ° 244/99, de 29 de Abril de 1999; n,° 67/2006, de 24 de Maio de 2006; n. ° 128/2006, de 22 de Fevereiro de 2006; n.° 77/2005, de 21 de Fevereiro, e o quintessencial n.° 7/87, todos disponíveis em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Francês, Conseil constitutionnel.français, de 2 de Fevereiro de 1995).
19. Assim, o despacho de rejeição liminar do requerimento em processo sumaríssimo (art. ° 311.º, n. ° 3, alínea b), do CPP) corporiza um acto de confrole jurisdicional da proporcionalidade, adequação e necessidade (art. ° 18.º, n.° 2, da CRP) das penas propostas em sede do processo sumaríssimo pelo titular da acção penal, o Ministério Público (art. ° 219. °, n.° 1, da CRP): é a manifestação mais diáfana da estrutura acusatória do processo penal (art. ° 32.º, n._° 5, da CRP), enquanto separação funcional entre o, juiz (que julga) e o Ministério Público (que acusa) - (Neste sentido, no que se refere à estrutura acusatgria do processo penai, na doutrina italiana, LUIÇI FERRAJOLI, Dereclw y Razon. Teoria dei garantismo penal, prólogo de Norberto Bobbio, Madrid: Trotta, (1997), pp. 23-34; no mesmo sentido, na doutrina brasileira, SELMA PEREIRA DE SANTANA, Garantismo Penal à Brasileira , in Direito Penal. Fundamentos Dogmáticos e Político-Criminais. Homenagem ao Prof Peter Hünerfeld, Organizadores: Manuel da Costa Andrade; José de Faria Costa; Anabela Miranda Rodri'ues; Helena Moniz; Sónia Fidalgo; Coimbra Editora, Coimbra, (2013), pp. 663; neste sentido, na doutrina italiana, MICHELE SAPICNOLI, Giusto processo e cultura giuridica interna: i resultati di alcuni surdi empirici, in AAW, Ciusto Processo, Cedam, Padova, (2006), pp. 185-190; no mesmo sentido, AAW, in Commentario Costituzionale al Códice di Procedura Pende, (2003), pp. 260 e ss; na doutrina alenux, HANS-HEINER, Sírafprozessrecht, Heidelberg, CF. Müller, (2003), pp. 310-320.
20. Razão pela qual, e sob pena de uma fissão horizóntica dos contributos processuais de ambas as magistraturas- estrutural e funcionalmente autónomas-, esse acto materialmente jurisdicional deve ser particularmente criterioso na identificação de eventuais vícios estruturais graves do libelo acusatório porque esses - e só esses - podem configurar a subtracção do exercício da função jurisdicional, sob a forma de rejeição liminar da acusação pública, por manifestamente infundada.
21. Sendo essa uma garantia institucional de que a administração da justiça penal se desenrola, natural e necessariamente, sob o império da legalidade processual, procedimental, e, essencialmente, material (Na doutrina alemã, THOMAS ROTH, Das Grundrecht (ruf den gesetzlichen Richter, Duncker & Humblot, Berlim, 3. Auflage, (2010), § 76); neste sentido, do ponto de vista da legalidade, JOÃO CONDE CORREIA, Concordância Judicial à Suspensão Provisória do Processo: equívocos que persistem , in Revista do Ministério Público (RMP), ano 30, n..° 117, Janeiro-Março de 2009, Coimbra Editora Coimbra. (2009). pp. 53, no'Cn 22; no mesmo sentido, referindo-se obediência à lei; JQRGE DE FIGUEIREDO DIAS, A Autonomia do Ministério Publico e O seu Dever de Prestar Contas à Comunidade: Um Equilíbrio Difícil, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC), Coimbra Editora, Coimbra, (2007), pp. 205-208; também na doutrina austríaca, ANDREAS VENIER, Einsteilung und Amrkiage icn neuen Sírafprozessrecht, GJG, Wien, (2007), pp. 911.).
22. Assim, a dimensão normativa do art. ° 311. 0, n.° 3, alínea h), do CPP contida no douto despacho recorrido é materialmente inconstitucional, quando interpretada no sentido de que é possível rejeitar liminarmente um libelo acusatório, por manifestamente infundado, quando essa recusa do exercício da função jurisdicional não seja fundamentada na existência de vícios estruturais graves da acusação, por violação do princípio da reserva de juiz e do princípio do juiz natural (art. ° 32. 0, rz °,9, da CRP).
23. De outra banda, a conformação do regime jurídico da rejeição liminar da acusação pública (art. ° 311.° n.° 3, alínea h), dq CPP), corresponde ao cumprimento de um dever de legislar, que merecerá assim censura constitucional se vier a ser cumprido ou de, forma excessiva ou de modo insuficiente ou_ deficitário. Mas também significa que se o julgador não cumprir o múnus jurisdicional que, a montante, escora a garantia institucional do princípio do juiz natural (ar . ° 32.º, n.° 9, da CRP) e da estrutura acusatória que enforma o processo penal (art° 32. °, n.° 5, da CRP), uma tal violação da dimensão objectiva do princípio da proibição do défice ou da insuficiência é
afirmada, et pour cause, sindicada (Neste sentido, na doutrina brasileira, INCO SARLET, «Constituição e Proporcionalidade. O direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência», in Revista dos Estudos Sociais Criminais, n. ° 12, ano 3, Sapucaia do Sul, Editora Nota Dez, (2003), pp. 9 e ss, Sobre a ligação funcional entre o princípio do juiz natural e o princípio da proibição do défice ou da insuficiência, MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, 0 princípio do Juiz Natural é a Nova Organização Judiciária , in Revista Julgar (RJ), N.° 20, Maio-Agosto de 2013, Director: José Igreja de Matos, Coimbra, Coimbra Editora, (2013), pp. 29-30).
24. Por conseguinte, a dimensão normativa do art. ° 311. °, n. ° 3, alínea b), do CPP, contida no douto despacho recorrido, não logra passar o exame de eficiência entronizado pela mais autorizada doutrina alemã, e, por isso, claudicando, igualmente, no triplo teste da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que esvazia o núcleo essencial daquele direito de acesso aos tribunais pelos restantes sujeitos processuais (art. ° 20.° n. ° 1, da CRP) e, principalmente, o princípio do juiz natural (art. ° 32. 0, n.° 9, da CRP) (Neste sentido, na doutrina alemã, ISENSEE, «Das Grundrecht ais Abwehrrecht und ais Schutzpflicht», in ISENSEEIKIRCHHOF (lirsg.), HGDE, Band II, Heidelberg, (2006), pp. 232-233. Neste sentido, na doutrina alemã, STÕRRING, «Das Unterma&verbot in der Diskussion», Berlin, (2009), pp. 123 e ss).
25. Assim, a dimensão normativa do art. ° 311.° n.° 3, alínea h), do CPP contida no douto despacho recorrido é materialmente inconstitucional. quando interpretada no sentido de que o despacho de rejeição liminar da acusação pública pode ser proferido sem a existência de vícios estruturais graves do libelo acusatório, por violação do princípio da proibição do défice ou da insuficiência (art. ° 18. 0, n.° 2, da CRP, art.° 2.° da CRP, art. ° 9. 0, alínea h), da CRP), do ponto de vista do cumprimento do princípio- garantia do juiz natural (art. ° 32. °, n. ° 9, da CRP) e da estrutura acusatória do processo penal (art. ° 32. ° n. ° 5, da CRP).
26. Deste modo, a douta decisão recorrida violou o art. ° 32.° n. ° 1, 2, 5 e 9, da CRP, o art. ° 29.° n.°1, da CRP, art.°18.° n.° 2, da CRP, art.°20.° n.°s 1 e 4, da CRP, art.° 2.0, da CRP, art.° 9. °, alínea h), da CRP, art. ° 311. °, n.° 3, alínea h), do CPP.
27. Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente procedente, com a consequente revogação do douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordene o recebimento do requerimento em processo sumaríssimo e a observância dos seus ulteriores trâmites processuais, sendo essa a correta interpretação normativa do art. ° 311.0, n. ° 3, alínea b), do CPP, com o que se, fará a costumada JUSTIÇA.
Não foi apresentada resposta ao recurso pelo arguido.
Foi admitido o recurso e mandado subir a este tribunal de recurso.
A Ex.m.° Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da revogação do despacho de indeferimento, com a argumentação de que o requerimento cumpre os requisitos mínimos relativos à narração dos factos de forma a integrar o ilícito imputado ao arguido.
Colhidos os demais vistos legais, cumpre decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO
Há que tomar em linha de conta o teor da decisão recorrida, no que respeita à sua fundamentação e à descrição do teor da matéria da acusação em causa:
. O Ministério Público encerrou o inquérito e, para além do mais, deduziu requerimento com vista a levar o arguido José António Rodrigues de Agrela a julgamento sumário, datado de 10/5/2016, pela prática, de um crime de invasão da área do recinto desportivo, p. e p. pelo Art.° 32.°, n.° 1, da Lei n.° 39/2009, alterada pela Lei n.° 52/2013, de 25 de Junho, com referência ao Art.° 26.°, do Código Penal e ao Art.° 14.°, n.° 1, do Código
Penal, alegando a seguinte matéria:
O Ministério Público requer a aplicação de sanção não privativa de liberdade, em PROCESSO SUMARÍSSIMO, nos termos do disposto nos arts. 392.° e seguintes do Código de Processo Penal, contra:
JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DE AGRELA. melhor identificado a fls. Porquanto indiciam suficientemente os autos que:
No dia 8 de Maio de 2016, pelas 21 h 35 m, no Estádio dos Barreiros, sito na Rua Doutor Pita, 41, São Martinho, área desta comarca, o arguido entrou, sem autorização, no recinto desportivo exclusivamente destinado aos intervenientes no jogo de futebol que opôs o C.S. M... e o S....
O arguido actuou da forma descrita, com reflexão sobre o meio empregado, com o propósito concretizado de entrar no recinto desportivo destinado aos intervenientes no jogo de futebol que opôs o C.S. M... e o S..., bem sabendo que não tinha autorização para esse efeito, o que representou mentalmente e quis realizar.
O arguido agiu consciente e livremente, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
Constitui-se, assim, o arguido, como autor imediato, na forma consumada, na prática de 1 crime de invasão da área do recinto desportivo, p. e p. pelo Art.° 32.°, n.° 1, da Lei n.° 39/2009, alterada pela Lei n.° 52/2013, de 25 de Junho, com referência ao Art.° 26-0, l a alternativa do Código Penal e ao Art.° 14..°, n.° 1, do Código Penal.
. Por seu turno, a decisão recorrida tem o seguinte teor:
=CLS=
Nos termos do disposto nos art.°s 395.° e 394.° do CPP. Artigo 395.°
Rejeição do requerimento
1 O juiz rejeita o requerimento e reenvia o processo para outra forma que lhe caiba: a) Quando for legalmente inadmissível o procedimento:
b; Quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 311.° Artigo 394.°
Requerimento
1- 0 requerimento do Ministério Público é escrito e contém as indicações tendentes à identificação do arguido, a descrição dos tactos imputados e a menção das disposições legais violadas, a prova existente e o enunciado sumário das razões pelas quais entende que ao caso não deve concretamente ser aplicada pena de prisão.
Dispõe ainda o mencionado art.° 311.° do CPP:
1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.
2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada;
b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte, em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.° 1 do artigo 284.° o do n.° 4 do artigo 285.°, respectivamente.
3- Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera- se manifestamente infundada: Quando não contenha a identificação do arguido;
b) Quando não contenha a narração dos factos;
c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam: ou
d) se os factos não constituírem crime.
Sobre o recebimento da acusação em juízo, postula como vemos o artigo 311.° do CPP:
1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.
2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
De rejeitar à acusação, se a considerar manifestamente infundada;
De não aceitar a aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.° 1 do artigo 284.° e do n.° 4 do artigo 285°, respectivamente.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: -Quando não contenha a identificação do arguido;
-Quando não contenha a narração dos factos;
-Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; cu -Se os factos não constituírem crime.
Na vigência da redacção originária do art. 311° do CPP suscitaram-se dúvidas sobre os poderes do juiz de julgamento, no despacho inicial, quando recebe o processo sem que tenha sido requerida a instrução - caso em que o J.I.C. goza de amplos poderes da apreciação dos indícios do crime acusado, mas não pode, por outro lado, intervir na fase de julgamento.
Quer porque a lei não apresentava qualquer esboço de definição do conceito de manifesta improcedência.
Quer porque na definição dos poderes de sindicância da acusação, pelo juiz de julgamento, na fase liminar, confluem princípios estruturantes do processo designadamente o da estrutura acusatória, de onde decorre a clara separação entre acusação e julgamento, entre a função de acusar e a de julgar, com incidência constitucional.
Com efeito é sabido que o nosso sistema penal consagra uma estrutura acusatória do processo, ou seja, o juiz tem de ser imparcial relativamente às posições assumidas pela acusação e pela defesa e, por isso, não pode nunca assumir a veste de acusador, ainda que indirectamente, provocando a acusação pelo MP ou definindo-lhe os termos - cfr. Germano M. Silva, Curso de Processo Penal, 1, 58.
Assim, perante as dúvidas e questões de constitucionalidade do preceito que se vinham suscitando (cfr., em síntese, Maia Gonçalves, CPP Anotado, 16s ed. em anotação ao citado art. 311°) (1a revisão operada pela Lei 59/98 de 25.08, o legislador tenha sentido a necessidade de aditar ao preceito o actual n.2 3, com a redacção supra reproduzida,
que contém, precisamente, a definição do que o legislador considera manifesta improcedência, para efeito de rejeição da acusação.
Os casos de rejeição por manifesta improcedência são, pois, agora definidos taxativamente pelo n.° 3 do art. 311.°.
As referidas previsões do n.s 3 do art. 311° têm correspondência nas alíneas do n.° 3 do artigo 283°, que definem as nulidades da acusação.
Existindo uma íntima conexão entre os dois preceitos - nulidade da acusação de um lado, consequente rejeição do outro.
O art. 283° n.° 3 prevê, de forma genérica, as nulidades da acusação - as quais, na falta de preceito que as regule especificamente, deverão ser tratadas de acordo com o regime gerai das nulidades processuais, por referência ao regime da taxatividade e, por isso dependentes de arguição e sanáveis.
Já o art. 311° n.° 3 prevê apenas os casos extremos (a rejeição liminar apenas se justifica em casos limite insusceptíveis de correcção sem prejudicar o direito de defesa fundamental), que, por isso o legislador de 1995 sentiu necessidade de definir, como de ameaça extrema aos princípios processuais penais com assento constitucional.
Configurando-a como um tipo de nulidade sui generis, extrema, insuperável ou insanável, ainda que susceptível de correcção pelo Ministério Público, a ponto de permitir ao juiz de julgamento a intromissão na acusação, de forma a evitar um julgamento sem objecto fáctico e probatório [ai. b) e segunda parte da ai. c) - provas], sem acusado [ai. a)], sem incriminação [a! c)3, ou sem objecto legal [ai. d)j.
Já o regime de qualquer outro vício da acusação (previsto no art. 233 ou eventualmente em outras disposições legais) terá que ser procurado, fora da previsão do n.° 2, ai. a) do art. 311.13, por não coberto nem pela letra nem pelo espírito do referido preceito na perspectiva de inserção no direito de defesa e na estrutura acusatória do processo.
De facto, a falta dos elementos referidos naquelas alíneas acarretaria uma gravíssima violação dos direitos de defesa do aausado, tornando inviável o exercício dos direitos consagrados no artigo 32° de Lei Fundamental.
Assim, o n.° 3 do artigo 311° do Código de Processo Penal, ainda que o legislador não o diga de forma expressa, veio a consagrar um específico regime de nulidades da acusação que, face à gravidade e à intensidade da violação dos princípios processuais penais contidos na Constituição da República Portuguesa, são insuperáveis/insanáveis enquanto a acusação mantiver o mesmo conteúdo material. Daí que a rejeição liminar apenas possa ter lugar naquelas situações típicas extremas e não reiativamente a outros vícios de menor densidade. ( Ac. Rel. Coimbra de 14.4.2010).
Ora, toda a acusação haverá de respeitar os requisitos previstos no art. 283.n.° 3, do CPP, subsidiariamente aplicável à acusação particular por via do art. 285.°, n.° 3, do CPP, devendo conter, entre outros, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Essa exigência constitui clara emanação do princípio acusatório consagrado no n.° 5 do art. 32.° da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que só se pode ser julgado pela prática de crime precedendo acusação e formulada por órgão distinto do julgador.
Conforme refere Figueiredo Dias, in Direito Processual Penai, Coimbra Editora, 1974, pág. 65, a concepção típica de um processo acusatório implica «estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa, tanto na determinação do objecto do processo (thema decidendum), como na extensão da cognição (thema probandum),como nos limites da decisão (ne eat judex ultra vel extra petita partium)», só assim, quanto àquele objecto e suas consequências, estando asseguradas as garantias de defesa, para que o arguido conheça, na sua real dimensão, os factos de que é acusado, para que deles se possa convenientemente defender.
Contém-se na dimensão ampla de que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, nos termos do n.- 1 desse mesmo art. 32.°, que se constitui corno verdadeiro princípio constitucional, consagrando uma cláusula geral englobadora de todas as garantias que hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido, ou seja, de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. 1, Coimbra Editora, 2007, pág. 516).
A importância da acusação está, pois, bem revelada, não podendo o arguido ser surpreendido em julgamento com factos de que, acusação, lhe não tivesse posto diante dos olhos, como se acentuou expressivamente no acórdão do STJ de 06.12.2002, in CJ Acs. STJ, ano X, tomo lli, pág. 240. ( neste sentido entre outros Ac. Rel. Évora 6.10 2015 )

No caso em apreço ternos como factos o arguido entrou, sem autorização no recinto desportivo exclusivamente destinado aos intervenientes no jogo que opôs o C.S M... e o S..., não sabendo nós qual o local é a que a Douta Acusação se refere para podermos concluir como o conclui a Douta Acusação. Ou seja a Acusação não contém factos, contém apenas uma conclusão. Não sabemos onde entrou o arguido, em que área, para podermos concluir se a mesma era ou não destinada exclusivamente aos intervenientes no jogo.
Assim rejeito a acusação por manifestamente infundada. Notifique.
Fx, ds



Em face desta matéria factual há que nos pronunciarmos sobre a pertinência e a validade dos fundamentos do recurso apresentado.
A questão aqui em discussão tem a ver com o enquadramento dos pressupostos que basearam a rejeição jurisdicional deste requerimento acusatório (válido como acusação) levada a julgamento pelo Ministério Público nos termos dos Art.°s 392.°, n.° 1, e 394.°, ambos do CPPenal, averiguando se o mesmo libelo acusatório pode-se qualificar como manifestamente infundado.
Diz-nos o Ministério Público, aqui recorrente, que a acusação deduzida contra o arguido José de Agrela contém a descrição dos factos que fundadamente permitem imputar ao arguido a prática do supra referido crime. Naquela se inclui a identificação do arguido, a narração dos factos, as normas incriminadoras e as provas que a fundamentam, sendo que os factos descritos constituem crime, pelo que, no seu entendimento, nenhum fundamento existia para que tivesse lugar à rejeição da acusação. Mais ainda, para o Ministério Público o emprego de uma interpretação tão restritiva da norma levaria à consideração da inconstitucionalidade da mesma. Defende que a interpretação do Art.° 311.°, n.° 3, do CPpenal, no sentido de que o despacho de rejeição liminar da acusação pública pode ser proferido sem a existência de vícios estruturais graves do libelo acusatório, é inconstitucional por violação do princípio da proibição do défice ou da insuficiência (Art.° 18.°, n.° 2, da CRP, Art.° 2.° da CRP, Art.° 9.°, alínea b), da CRP), do ponto de vista do cumprimento do princípio garantia do juiz natural (Art.° 32.°, n.° 9, da CRP) e da estrutura acusatória do processo penal (Art.° 32.°, n.° 5, da CRP).
Cumpre apreciar.
De harmonia com o disposto no Art.° 311.°, n.° 2, al. a), do CPPenal, o juiz pode rejeitar a acusação, quando esta é manifestamente infundada. Por seu turno, no domínio do processo sumaríssimo, coexiste normativo idêntico no Art.° 395.°, n.° 1, alínea b), do mesmo Código.
Este conceito normativo encontra-se descrito nas alíneas a) a d) do n.° 3, do Art.° 311.° (preceito referido).
Assim, o juiz, deve rejeitar a acusação, quando, faltar a identificação do acusado, a narração de factos, a identificação da incriminação ou das provas que a suporta, ou, ainda, quando os factos ali descritos não constituam crime.
E sabido que os poderes do juiz (de julgamento) sobre a acusação, antes do julgamento, são limitados, isto é, deve apenas controlar os vícios estruturais graves da acusação referidos neste mesmo preceito legal.
Aquele conceito de acusação «manifestamente infundada», assente na omissa narração dos factos deve aproximar-se da previsão do Art.° 283.°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, que sanciona com a nulidade a acusação que não contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve c quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Tal como defende o Ministério Público no seu recurso e tem expressado a jurisprudência produzida nesta matéria da narração dos factos e do local do seu cometimento (assim, por todos, o Ac. da RP de 28/9/2016, processo n.° 190/12.0GAV2L.C1, disponível em htm://wvvw.dg i.pt/jtrc.nsl78fc0e606d8156b228O2570c000:)-(i37dc!99882d651bac77e8802580 41003477b7'?Opcnl)ocument).
Ora, constata-se que a área a que se refere a imputação dos factos está suficientemente delimitada, em termos de outra área ou áreas susceptíveis do mesmo enquadramento legal, por um lado (por referência por exemplo aos balneários. que não será recinto desportivo). Afigura-se-nos que o facto de se dizer que o arguido entrou, sem autorização, no recinto desportivo exclusivamente destinado aos intervenientes no jogo que opôs o C.S. M... e o S... e não se dizer que o arguido entrou no relvado do estádio dos Barreiros quando se disputava o jogo de futebol entre o M... e o Benfica, possa alguma vez ser interpretado como um qualquer «um vício estruturalmente grave» a que
jurisprudencialmente se associa os casos de rejeição de acusação por manifestamente infundada, sem esquecer que se trata de processo sumaríssimo.
Recinto desportivo trata-se de uma expressão mais do que usual pelo cidadão comum e que conexionada com a identificação do Estádio dos Barreiros, tal como fez o Ministério Público no início da sua narrativa dos factos, lhe concede uma função concretizadora da acção e não confundível com um mero juízo de valor ou um qualquer conceito normativo-jurídico.
Para mais, no que tange a esta localização dos factos, o despacho reco.rrido, certamente por lapso, não se terá apercebido da menção expressa ao Estádio dos Barreiros e que o arguido foi interceptado pela PSP dentro do recinto desportivo exclusivamente destinado aos agentes desportivos intervenientes do jogo de futebol que opôs o C. S. M... e o S..., ou seja, dentro do rectângulo desportivo em sede do qual se disputava o referido jogo de futebol.
Pode-se dizer que a utilização não foi rigorosa e que se poderia ter utilizado uma outra designação que não contivesse o 'exclusivamente destinado aos agentes desportivos intervenientes do jogo...
Mas mesmo a esta luz, torna-se absolutamente irrelevante perscrutar, por um lado, qual a área do recinto desportivo (cujas medidas de comprimento e largura são um facto notório e, logo, torna-se despicienda a sua alegação), e, por outro lado, qual a medida de significado funcional dessa concreta área desportiva que o arguido violou; não se surpreendendo que no tipo legal de crime em causa, seja necessária, aquando da detenção do arguido, a medição concreta do perímetro violado pelo mesmo.
A relativa excepcionalidade da aplicação da consequência da rejeição da acusação, por manifestamente infundada, está reflectida na conjugação dos Art.°s 283.°, n.° 3, e 311.°, n.° 3 (ex vi Art.° 395.°, n.° 1, alínea b)), na medida em que se o vício cominado quanto à falta de requisitos da acusação é de nulidade sanável (Art.°s 119.° a contrario e 120.°, ambos do CPP), não se compreenderia que, na prolação desse despacho, se cominasse alguma deficiência, desde que manifestamente suprível, com a imediata rejeição da mesma.
Assim, não se aceita, por excessiva e desproporcional, a posição defendida no despacho recorrido que rejeita a acusação deduzida pelo Ministério Público por omitir o lugar da prática dos factos, sendo que, objectivamente, essa descrição é realizada com uma descrição considerada suficiente.
Efectivamente, a acusação pública inclui a identificação do arguido, a narração dos factos, as normas incriminadoras e as provas que a fundamentam, sendo que os factos descritos constituem crime, pelo que, em nosso entendimento, nenhum fundamento existe para que se proceda à rejeição da acusação.
Nesta conformidade, o despacho recorrido, ao rejeitar a acusação por a considerar manifestamente infundada por não conter narração dos factos, não efectuou, na verdade, uma correcta e adequada análise e apreciação da estrutura formal e do conteúdo do libelo acusatório, tendo violado o disposto nos Art.°s 395.°, n.° 1, alínea b); 311.°, n.°s 2, alíneas a) e n.° 3, alínea b) e 283.°, n.° 3, alínea b), todos do Código de Processo Penal, impondo-se a sua revogação e a substituição por outro que cuide do recebimento da acusação para julgamento em processo sumaríssimo, do arguido, nos termos dos Art.°s 392.°, n.° 1, e 394.°, ambos do CPPenal.
Não pode pois o recurso deixar de proceder.
III. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em iulgar procedente este recurso apresentado pelo Ministério Público, revogando-se o despacho impugnado de refeição da acusação, o_qual deverá ser substituído por outro que cuide do recebimento da acusação pará
julgamento do arguido, nos termos dos Art.°s392.° .° 1, e 394.°, ambos do CPPenal.

Sem tributação, em face da procedência do recurso, Notifique.

Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.° 94.°,A n.° 2, do CPPenal).


Lisboa, 9 de Novembro de 2016

Nuno Coelho

Ana Paula Grandvaux
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