Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 18-10-2016   Processo de promoçao e protecção. Acolhimento de menor em instituição.
I- Concluindo-se inexistir resposta a executar em meio natural de vida para os menores, é adequada a aplicação da medida de acolhimento em Instituição pelo período de um ano
II- Os interesses da criança ou jovem em perigo são mais importantes do que o interesse da família que o pretenda manter no seio do grupo familiar, embora sem exercer convenientemente os poderes-deveres que a lei lhe impõem para que tal aconteça.
III- Os interesses das crianças ou jovens em perigo podem ser (e amiúde o são) conflituosos e distintos dos interesses da própria família natural, que deles não soube ou não quis cuidar em termos de salvaguardar o interesse das crianças ou jovens em risco, havendo, pois, em tais casos, de dar prevalência aos interesses das crianças ou jovens em risco e procurar fora dos laços de família natural, o que esta não lhe proporcionou, designadamente, encontrar fora da família natural uma solução ou alternativa que permita que as crianças ou jovens em risco possam vir a obter o que não lhes foi propiciado por quem a tal estava adstrito.
Proc. 2220/13.9TBSXL 7ª Secção
Desembargadores:  Luís Filipe Pires de Sousa - Carla Inês Câmara - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Proc. N° 2220/13.9TBSXL.L1- Apelação
Recorrente: D…
Recorrido: Ministério Público

ACORDAM OS JUÍZES NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

RELATÓRIO
O Ministério Público instaurou processo de promoção e proteção em benefício dos menores L…, nascido em 03/09/2005 e L…, nascido em 29/10/2011, ambos filhos de D… e de A… (o L…) e de M… (O L…), requerendo a aplicação a favor dos mesmos de medida de promoção e proteção adequada a afastá-los da situação de perigo que vivenciam.
Alegou, em síntese, que as duas crianças residiam com a mãe em Fernão Ferro, vivendo o progenitor do L… em S. Tomé e Príncipe e o do L… na Serra da Luz, em Odivelas, acrescentando que aquando da coabitação com M… era alvo de maus tratos psicológicos e físicos por parte do mesmo, seu padrasto, mais esclarecendo que subsequentemente a mãe dos menores abandonou a residência que partilhava com o pai do L… e os filhos levando-os consigo passando a residir de favor em casa de familiares. Contudo, as duas crianças mantêm-se em situação de perigo devido a precariedade habitacional e económica da progenitora, mais alegando que o Li… estava carecido de cuidados especiais de saúde de que necessita por possuir défice cognitivo, atraso na linguagem e agitação psicomotora, revelando, por outro lado, a progenitora, quanto ao L..., negligência na prestação de cuidados a essa criança.
Após instrução e realização de debate judicial, foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Pelo exposto e nos termos dos artigos 1º, 3º, n° 1 e 2, b), primeira parte, c) e e), 3º, a) e b), 35º, n° 1, f), 49º, 50º, nºs 1 e 4 e 121º, todos da L.P.C.J.P., decido julgar procedente a presente ação e consequentemente:
A) Aplicar a favor dos meninos L… e L… a medida definitiva de promoção e proteção de acolhimento prolongado em Instituição, pelo período de 1 (um) ano 1 preferencialmente em Lar de Infância e Juventude competindo o acompanhamento executivo desta medida para efeitos de contributo para as legais revisões de medida, à Equipa Técnica do Lar que vier a acolher as crianças, que enviará relatório social aos autos dentro de 5 meses, em articulação com a E.C.J. de Loures/Odivelas que manterá acompanhamento da situação da progenitora dos Menores e progenitor do L…;
B) Determinar que logo que institucionalizado o L… seja encaminhado para frequência de Colégio de ensino especial adequado à problemática do Menor em apreço;
C) Determinar que a progenitora dos Menores se empenhe em regularizar a sua situação pessoal em Portugal e subsequentemente que diligencie ativamente por conseguir trabalho remunerado;
D) Determinar ainda que a progenitora dos Menores e o progenitor do L... frequentem curso de aquisição de competências parentais e terapia familiar, este último nomeadamente se decidirem manter-se a coabitar um com o outro.»
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«a) No que toca ao superior interesse das crianças, temos presente o princípio da inseparabilidade dos filhos dos pais. Também não ignoramos o princípio da prevalência da família. Os pais tem o dever de promover o desenvolvimento são, equilibrado e harmonioso dos filhos, o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral. De entre tais deveres, parece-nos, o de favorecer o contacto dos filhos com os familiares, nomeadamente com irmãos e com os avós, consagrado no art° 1878°-A do Código Civil.
b) Se é já difícil, a agravante conseguir estabelecer a normalidade no convívio com os filhos, atento o tempo decorrido sem que haja eficazmente conseguido arranjar trabalho certo, para conseguir equilibrar as condições em que vive, poderá ser atendida e relevante, não querendo prejudicar os seus filhos, mas dar-lhes o amor que estes necessitam, com a sua presença na vida destes.
c) Podendo desta forma ser encontrada uma medida intermédia quanto a estes poderem ter a sua mãe a pernoitar na instituição para onde irão viver durante um ano, ou ser diligenciado sobre a existência de familiares com possibilidades económicas e familiares para os albergarem.
O art. 1887.-A, que foi introduzido no Código Civil pelo Dec.- -Lei n° 84/95, de 31 de Agosto, representa quanto a nós a necessidade de salvaguarda de relações familiares não estritamente nucleares que poderiam perder-se caso os pais entendessem que os seus filhos não deveriam conviver com os seus irmãos ou avós. Tal desiderato tem por pressuposto a ideia de que esse relacionamento se traduz numa mais-valia para o desenvolvimento psicossocial e educacional dos menores.
d) No caso dos autos, salvo melhor opinião, não está suficientemente demonstrada a justificação para que sejam estes menores retirados e afastados da mãe, privando-se estes da presença desta, obstando-se ao convívio dos filhos com a mãe.
e) Ora parece que à recorrente, progenitora, poderia ao menos ser possível pernoitar com os seus filhos, longe das circunstâncias que levaram à decisão do tribunal a quo, criando-lhes espaço de convivia, ainda que não na casa da progenitora mas em casa de familiares, ou desta numa nova casa, de forma a que a convivência e interação seja possível entre mãe e filhos.
f) Decerto que as crianças 1 jovens terão um sofrimento menor se assim for decidido por V. Exas.
g) E dos autos, retirando as considerações feitas pela recorrente conclui esta que nada existe em desabono da mesma, ora Agravante, que possam V.Exas. permitir quanto ao não afastamento da mãe, inconformada e a sofrer com tal decisão, permitindo que os menores e a mãe convivam de modo são e que ao menos possa esta diariamente estar em contacto com estes.
h) Sendo a decisão revista e alterada, aplicadas alternativas tais como:
- Ficar com os seus filhos, em albergue da segurança Social,
- O semi-internamento dos menores, i.e. com idas a casa aos fins de semana,
- Diligenciar junto deste tribunal pela guarda temporária atribuída a familiares dos menores, após reconhecimento das suas condições, com visitas diárias à mãe, recorrente,
- O internamento com a possibilidade da mãe poder pernoitar junto aos menores. É certo que o amor e a criação de laços afetivos não se pode impor por decisão do Tribunal, mas não é menos certo que, sem conhecimento e convívio entre as pessoas, esses sentimentos também não se poderão desenvolver. Há que criar oportunidades e deixar que os relacionamentos sigam o seu destino. Por conseguinte, o tribunal a quo ao indeferir a pretensão da Agravante, está a impossibilitar o convívio entre a mãe e os filhos, não lhes sendo facultada sequer essa possibilidade, sem qualquer justificação plausível, que não seja a precariedade económica e familiar, pelo que, deve a sentença recorrida ser revista.
i) Sem que seja possibilitada essa alternativas, através do não afastamento da mãe, não se pode concluir, como fez o tribunal a quo, em nosso entender e com o devido respeito, que um afastamento total com a institucionalização dos menores nada traz de favorável ao interesse destes.
j) Ao assim decidir, sem que exista relativamente à agravante qualquer facto que desabone o convívio desta com os filhos, deve a sentença recorrida ser alterada.
Termos em que, vem a agravante, de acordo com o art. 123º da Lei 147/99 de 1 de Setembro, com as devidas atualizações em vigor,
Recorrer da sentença e da medida aplicada, devendo esta ser alterada, e substituída por outra que ordene e diligencie no sentido de permitir à agravante:
- Não lhe serem retirados os seus filhos, nomeadamente o menor L..., de cinco anos de idade,
A não entenderem assim V. Exas.:
Optar-se pelo apoio junto dos pais ou outro familiar, nos termos dos art°s. 39°, 402.da LPCJP,
OU
- Ficar a viver com os seus filhos, em casa de acolhimento;
- O semi-internamento dos menores, i.e. com idas a casa aos fins de semana,
- Diligenciar junto deste tribunal pela guarda temporária atribuída a familiares dos menores, após reconhecimento das suas condições, com visitas diárias à mãe, recorrente,
- A institucionalização com a possibilidade da mãe poder pernoitar junto dos menores.»
O Ministério Público contra-alegou propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.1 Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
I. Verificar se se encontram reunidos os legais requisitos para reapreciação da matéria de facto;
II. Aquilatar da bondade da medida aplicada aos menores e alegada necessidade da sua revisão e alteração.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
«1- L… nasceu no dia 03 de Setembro de 2005 e encontra-se registado como filho de A… e de D…;
2- L… nasceu em 29/10/2011 e encontra-se registado como filho de M… e de D…;
3- O progenitor do L... reside em S. Tomé e Príncipe em paradeiro desconhecido e não mantem qualquer tipo de contacto com o filho;
4- A mãe dos Menores é natural de S. Tomé, República de São Tomé e Príncipe, tendo-se deslocado para Portugal em Abril de 2007 acompanhando o L... para tratamento médico de cardiologia a ministrar a este último no Hospital de Santa Maria em Lisboa, ao abrigo dos acordos de cooperação existentes para estes efeitos entre Portugal e os PALOP, com visto válido para esse efeito;
5- O pai do L… é nacional de Angola e veio viver para Portugal há cerca de 15 anos atrás, tendo conhecido e iniciado um relacionamento afetivo com a progenitora dos Menores há cerca de nove anos atrás do qual viria a nascer o L…, estando nessa altura a progenitora a residir com uma prima, com quem mantinha um relacionamento difícil;
6- Os progenitores do L… decidiram, então, iniciar coabitação um com o outro tendo até hoje vivenciado vários episódios de separação e posterior reconciliação, encontrando-se de momento ambos a repartir o mesmo espaço habitacional juntamente com o L... e o L... assumindo a progenitora que não fazem vida de casal um com o outro, mas que recentemente solicitou ao progenitor do L... que voltasse a repartir a casa onde a mesma vive com os Menores unicamente porque necessita que aquele suporte as suas despesas e dos Menores;
7- A progenitora dos Menores encontra-se desempregada e não aufere subsídio de desemprego, ou R.S.I., assumindo que tal se deve ao facto de não ter de momento regularizada a sua situação de permanência em Portugal verbalizando pretender fazê-lo no próximo mês de Abril para, subsequentemente, poder tentar o seu ingresso no mercado de trabalho, candidatar-se legalmente a benefícios sociais a que possa ter direito e procurar outra casa esclarecendo possuir muitas rendas em atraso na casa onde vive e poder ser despejada com os Menores a qualquer momento;
8) O L… recebeu alta clínica em 2008, tendo nessa altura a sua progenitora assumido pretender manter-se em Portugal;
9- O agregado dos Menores começou a ser acompanhado por Entidades de primeira linha e posteriormente pela C.P.C.J., tendo beneficiado entre Fevereiro de 2008 e Outubro de 2012 da intervenção do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), a nível de apoio com alimentação, vestuário, acompanhamento médico e medicamentoso, apoio esse que cessou devido a postura agressiva e pouco colaborante da progenitora dos Menores em reunião conjunta havida com a C.P.C.J. e o CEPAC em 10/10/2012 em que a mesma expressou não precisar dos apoios indisponibilizando-se a viabilizar posteriores visitas domiciliárias;
10- A progenitora dos Menores e o progenitor do L... possuem um histórico de conflitos físicos e verbais que motivaram as várias separações, quase sempre de curta duração, já registadas entre ambos, a que os dois Menores vem assistindo e que se traduzem em cenários de gritaria, violência física e exibição de armas brancas;
11- O progenitor do L... desempenha atividade profissional como pedreiro de forma irregular, em regime de biscates, sem rendimento certo ou seguro;
12- O L… é um menino com diagnóstico de atraso global do desenvolvimento que se traduz, entre outros comportamentos, em dificuldades de aprendizagem, menor rendimento escolar, dificuldades de autorregulação emocional agressividade, dificuldades de relacionamento com pares e enurese;
13- Devido às condutas assumidas amiúde pelo L… motivadas pela sua problemática de saúde o progenitor do L... em alturas em que ficava com a criança sob a sua supervisão enquanto a progenitora permanecia ausente de casa castigava-o fisicamente com palmadas em zonas diversas do corpo procurando que o mesmo cessasse por esse meio algum episódio de choro;
14- A progenitora dos Menores não tem assegurado o acompanhamento médico do L… em consulta de pedopsiquiatria invocando dificuldades económicas;
15- Tendo sido assegurado à dita progenitora o pagamento antecipado de transporte público para se deslocar com o filho à dita consulta a progenitora não providenciou pela comparência do L… à consulta;
16- A progenitora não vem assegurando a frequência regular e pontual do L... e do L... em adequado equipamento escolar;
17- O L… é um menino que necessita urgentemente, face às problemáticas que já lhe foram diagnosticadas de transferência escolar para um colégio de ensino especial;
18- A progenitora do L... inviabilizou uma eventual transferência escolar do L... para colégio de ensino especial ao recusar-se a participar em entrevista agendada pela direção do atual estabelecimento de ensino;
19º- A progenitora dos Menores e o progenitor do L... vêm descurando a alimentação dos dois filhos havendo relatos de entidades de primeira linha de que as duas crianças se apresentam frequentemente nas escolas com fome :
20- A progenitora dos Menores e o progenitor do L... adotam amiúde como práticas educativas sobre aqueles o castigo físico e o uso de linguagem ofensiva e ameaçadora;
21- O agregado dos Menores vivencia uma situação económica notoriamente precária devido ao desemprego dos progenitores, que origina a existência de rendas de casa por pagar e a suspensão frequente do fornecimento de consumos essenciais como seja o de água e gás;
22- Os Menores repartem um quarto com a progenitora, pernoitando num colchão, apesar da casa dispor de um outro quarto que não tem sido ocupado;
23- A progenitora dos Menores e o progenitor do L... têm revelado ao longo de vários anos de acompanhamento pouca permeabilidade à intervenção dos Serviços de primeira linha que se envolveram na situação dos Menores sendo recorrente, especialmente a progenitora, entrarem em rutura com os Serviços e não cumprirem as orientações técnicas emanadas o que tem dificultado a intervenção e celeridade de respostas sociais comunitárias;
24- Não se conhecem familiares do L... e do L..., nomeadamente em território Português, que reúnam condições, ou sequer demonstrem interesse, para receber os mesmos de imediato no respetivo agregado familiar;
25- Em sede de debate judicial o progenitor do L... admitiu dar o seu consentimento à aplicação a favor daquele da medida de acolhimento prolongado em Instituição, tendo a progenitora se recusado a aceitar a aplicação de tal medida em relação a ambos os Menores, revelando algum desequilíbrio emocional e ambivalência entre a situação atual que expôs respeitante ao seu agregado e a não aceitação de tal medida.»
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (Artigo 640º, n° 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Existe divergência jurisprudencial no que tange a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no Artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº 2 e 639º, n°1, do Código de Processo Civil). Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar como predominante a posição que se expressa nos seguintes arestos. Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(...) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» Em sentido confluente, o mesmo STJ afirmou no Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12 que: « Do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. / Tem sim, essa especificação de ser efetuada nas alegações. / Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorretamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.» No Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, deverão nelas ser identificadas com precisão os pontos de factos que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.
0 recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que reputa incorretamente julgados bem como a decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos prestados com afloramentos de resultados probatórios que entendem ter sido logrados na produção da prova - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, Tomé Gomes, 212/06. De igual modo, não cumpre o ónus do Artigo 640º, nº1, o recorrente que faz uma transcrição integral dos depoimentos que culmina com uma alegação genérica de erro na decisão da matéria de facto - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Abrantes Geraldes, 961/10.
Ora, a apelante pretende impugnar a decisão quanto aos factos enumerados sob 9, 14, 17, 18 e 19, requerendo que seja expurgada da decisão «o que foro conteúdo dos meios de prova, julgando-se em conformidade com os factos provados: ausência de maus tratos aos menores, pela progenitora; audição do menor L..., quando à sua relação com a mãe, irmão; acompanhamento da mãe quanto à medicação diária do menor L....»
Todavia, a apelante não indica os concretos meios de prova que, no seu entender, impunham decisão diversa dos factos provados sob 9, 14, 17 e 18. Não basta a mera enunciação de uma discordância quanto aos termos em que foi avaliada a prova. Perante a omissão do cumprimento do ónus enunciado no Artigo 640.1.b) do Código de Processo Civil, impõe-se a rejeição do recurso nesta parte.
A apelante também exprime o seu desacordo quanto ao facto provado sob 24, afirmando que não foram feitas diligências de busca de familiares dos menores, residentes em Portugal, com possibilidade económica para guarda temporária dos menores. Entende, assim, que a sentença deverá «ser declarada suspensa até novas diligências de prova, havendo sempre que ser reformulada.»
Também neste segmento, a apelante não cumpriu os ónus processuais impugnatórios decorrentes do Artigo 640 do Código de Processo Civil, nomeadamente o de indicação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa, razão de rejeição do recurso, o que se decreta.
Sempre se dirá que a apelante foi notificada por duas vezes para requerer diligências e indicar meios de prova (fls. 24, 28, 210, sendo esta última notificação de 17.7.2015), sem que a apelante tenha, oportunamente, requerido qualquer diligência ou indicado meios de prova. A apelante só requereu o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 7.3.2016 (fls. 300), depois de ocorrido o debate judicial.
Nesta precisa medida, falece qualquer sentido e pertinência ao requerimento intempestivo ora formulado para serem feitas diligências de busca de familiares dos menores.
PERTINÊNCIA DA MEDIDA APLICADA AOS MENORES
A apelante insurge-se contra a medida decretada, argumentando - no essencial - nestes termos:
a. Esta medida é a mais severa e gravosa para os menores, indo além do interesse destes;
b. A institucionalização dos menores agudizará os problemas psicossomáticos do L... e os problemas de crescimento do L...;
c. A sentença deu bastante relevo aos relatórios sociais quanto à doença do L..., os maus tratos do padrasto, à necessidade de acompanhamento médico do L..., «desconhecendo a recorrente, quanto ao menor L..., qual a convicção do tribunal para aplicação de tão gravosa medida»;
d. Privar os menores da mãe significa adicionar a uma situação de carência económica uma situação de carência de sentimentos;
e. Deve ser decretada uma medida alternativa que mantenha a mãe próximo dos menores, designadamente: a mãe ficar com os seus filhos, em albergue da Segurança Social; o semi-internato dos menores, com idas a casa aos fins de semana; guarda temporária dos menores atribuída a familiares, após reconhecimento das suas condições, com visitas diárias à mãe; ou o internamento com a possibilidade da mãe poder pernoitar junto dos menores.
Nos termos do Artigo 3º, nº1, a Lei n° 147/99, de 1.9., a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo tem lugar quando os pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a quem aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
A medida decretada na sentença impugnada é definida, nos termos do Artigo 49º da Lei nº 147/99, de 1.9, assim: «A medida de acolhimento em instituição consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e equipamento de acolhimento permanente e de uma equipa técnica que lhes garantam os cuidados adequados às suas necessidades e lhes proporcionem condições que permitam a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral.»
A aplicação das medidas de promoção e proteção deve obedecer aos princípios orientadores enunciados no Artigo 4º do mesmo diploma. Quanto à caraterização dos principais princípios, acolhemos o ensinamento do Acórdão desta Relação de 23.4.2009, Manuel Gonçalves, 11162.03, de que extratamos as seguintes passagens:
«a) O «superior interesse da criança e do jovem», «deve ser entendido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade» (Almiro Rodrigues - Interesse do Menor, Rev Infância e juventude 1-1985). Já vimos em que termos se lhe refere a Lei (art. 4º a) LPCJP). Como refere Maria Clara Sottomayor (Regulação do Exercício do Poder Paternal – 4ª edc. Pag. 37), trata-se de «um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais...».
O mesmo princípio se mostra consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução da Ass. Da República nº 20/90, DR. N9 211/90). Com efeito, dispõe-se no art. 3º nº 1 da mesma que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança».
Como se refere em (Protecção de Crianças em Perigo (Beatriz Marques Borges, pag. 45) «Rigorosamente, os outros princípios constantes do art. 4º da LPCJP são desenvolvimento e concretização desse interesse superior da criança, colocado num plano superior e de hierarquia em relação a quaisquer interesses da própria criança ou jovem, ou quaisquer outras pessoas, sendo portadoras de interesses legalmente protegidos, conflituam com o interesse superior da criança».
b) Já se viu o âmbito do princípio da «Privacidade», tal como resulta da alínea b) do art. 4º da LPCJP. Conforme se refere em Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada por Tomé de Almeida (pag. 33) «como afloramento deste princípio, o processo é reservado (art. 88º), nele devem intervir o menor número de pessoas possível, no debate judicial apenas podem assistir as pessoas que o tribunal expressamente autorizar (art. 116/3), os órgãos de comunicação não podem identificar, transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação... (art. 90º), a consulta do processo para fins científicos depende de autorização e não podem ser divulgadas peças do processo que possibilite a identificação da criança ou jovem, seus familiares e restantes pessoas nelas envolvidos (art. 89º). O mesmo princípio se mostra consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 16º. Ainda que invocada a violação deste princípio, pela recorrente «progenitora», não concretizou a mesma em que factos alicerça tal violação, nem a mesma resulta do factualismo assente.
c) Violação do princípio da «proporcionalidade e actualidade». Já se viu em que termos se lhe refere a lei (alínea e) art. 4ºLPCJP). Também a Convenção Sobre os Direitos da Criança o contempla - (art. 9º). «Este princípio subdivide-se e, três princípios seus corolários, que têm de se preencher cumulativamente (Estudo Luso-Hispânico - pag. 69): ... o princípio da adequação ou da conformidade; o princípio da exigibilidade ou da necessidade...; o princípio da proporcionalidade em sentido estrito». O primeiro, pressupõe a investigação e prova de que o acto de poder público (intervenção estadual) é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção. O segundo, exige a prova de que para a obtenção de determinados fins (a promoção de direitos e proteção da criança), não era possível adoptar outro meio a não ser a intervenção menos onerosa para o cidadão. O terceiro é o princípio da «justa medida». Meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado... (Estudo Luso-Hispânico, pag. 69).
Este princípio tem subjacente o consagrado no art. 36 CRP e 1878 e 1885 CC, de que decorre, que: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos»; «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial»; «é aos pais que incumbe velar pela segurança e saúde dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, promover de acordo com as suas possibilidades, o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos».
Como refere Tomé d'Almeida (obra citada pag. 33), «na verdade, a intervenção estadual representa, normalmente, uma restrição dos direitos fundamentais da criança ou do jovem (nomeadamente o seu direito à liberdade e autodeterminação pessoal) e, direitos fundamentais dos seus progenitores (v.g. o direito à educação e manutenção dos filhos). Por isso, e atendendo ao disposto no art. 18º 2 da Constituição, não pode essa intervenção deixar de obedecer aos princípios da necessidade e proporcionalidade».
Delimitado que está o âmbito deste princípio, a final, e em função dos elementos constantes do processo, se apreciará se a decisão recorrida o violou.
d) Responsabilidade parental. De acordo com este princípio, a intervenção deve privilegiar o papel dos pais levando-os a assumir os seus deveres para com a criança ou jovem. Este princípio mostra-se igualmente consagrado na Convenção Sobre os Direitos das Crianças - art. 18º, onde se dispõe: «Os Estados Partes, diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais ... O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental. (n° 2) Para garantir e promover os direitos enunciados na presente Convenção, os Estados Partes asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança e garantem o estabelecimento de instituições, instalações e serviços de assistência à infância».
Como se refere em «Direito de Menores - Estudo Luso-Hispânico sobre Menores em Perigo e Delinquência Juvenil) Manuel Monteiro Guedes Valente, pag. 72, «O legislador, vivendo numa sociedade baseada em valores de solidariedade e sociais, sabendo que a criança ou jovem em perigo pode ser uma consequência do ausente exercício do poder paternal, não quis que a responsabilidade de promoção de direitos e da proteção fosse apartada dos pais, que além de terem o direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos ... têm o dever de zelar pela segurança e saúde dos filhos (n° 1 do art. 1878 CC). o poder e dever de educá-los (nº 5 do art. 36 CRP, nº 1 do art. 1878 CC), o dever de sustentá-los (n° 1 do art. 1878 CC). (...) Mas a responsabilização parental, na nossa opinião, vai mais longe do que a chamada ao processo de promoção e de proteção dos pais, pois o termo parental engloba as relações familiares mais próximas da criança ou do jovem».
e) Princípio da prevalência da família.
A «prevalência da família», princípio referido na alínea g) (art. 4º), significa que «na promoção de direitos e proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção». Este mesmo princípio tem consagração constitucional (art. 67, 36 nº 6 CRP). Também a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 9º) (assinada em Nova Yorque a 26.01.1990 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 de 12 de Setembro), consagrou que «nenhuma criança pode ser separada de seus pais contra a vontade destes, excepto se as entidades competentes considerarem que a separação se impõe pela necessidade de salvaguardar o interesse superior da criança».
Como se refere na obra que vimos citando, pág. 73) (Estudo Luso-Hispânico) «A convenção não deixou que cada Estado Parte definisse por si só o que preenchia o pressuposto da necessidade. Verifica-se que existe necessidade de separação sempre que os pais maltratem ou negligenciem a criança e que existe separação dos pais, ficando a criança a residir com um dos progenitores».
Já se viu que o interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, «em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado» (Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Obra citada, pag.47).
Do reconhecimento de que é direito fundamental da criança «poder desenvolver-se numa família (art. 67 CRP) deriva que «se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar (art. 35/1) (...) «A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso, apenas sendo possível quando é previsível o seu regresso à família, sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção» (Tomé d'Almeida, obra citada pag. 35).
O princípio de «Intervenção mínima», vem referido na alínea d) art. 4º LPCJP, como exigência de a intervenção «ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo». Como se refere em (Direito de Menores - Estudo Luso-Hispânico... pag.66/67) «Este princípio surge como contraponto da intervenção precoce e como corolário do princípio da privacidade e do princípio do interesse superior da criança, consagra-se dois limites à intervenção exterior: o da exclusividade das entidades e instituições com competência para a promoção efectiva dos direitos e para proteção da criança ou jovem em perigo; e a ação ou intervenção tem de ter como fundamento não só a sua indispensabilidade, mas também a efectiva promoção dos direitos e proteção da criança ou jovem em perigo... O segundo limite... exclui automaticamente quaisquer intervenções que não se enquadrem neste figurino (...) O legislador procurou preservar a criança ou jovem de modo que seja encarada como uma pessoa que necessita de proteção e que lhe sejam reconhecidos o promovidos os seus direitos e não como um caso de estudo e de análise puramente clínica «cobaia» evitando assim a sua estigmatização e etiquetagem social».
A argumentação da apelante assenta na discussão, in casu, da operacionalidade e observância dos princípios do interesse superior da criança e da prevalência da família.
Em primeiro lugar, há que referir que as medidas alternativas preconizadas pela apelante (a saber: ficar a apelante a viver com os seus filhos em casa de acolhimento; semi-internamento dos menores com idas a casa aos fins de semana; institucionalização com a possibilidade da mãe pernoitar junto dos menores) não estão sequer legalmente previstas como tal no elenco taxativo das medidas de proteção e promoção do Artigo 35º.
Em segundo lugar, a valoração feita na sentença com base nos factos apurados e a fundamentação da medida de acolhimento prolongado em instituição não nos merecem reparo.
Com efeito, os factos apurados constituem alicerce suficiente e adequado para as considerações expendidas na sentença que abarcam os dois menores, designadamente as seguintes:
«(...) se atentarmos com especial enfoque na matéria considerada provada, nomeadamente a descrita sob os factos nºs 6, 7, 10 , 13 a 16 , 18 , 19 e 20 , temos de reconhecer que a progenitora do L... e o progenitor do L... vêm revelando, desde há vários anos a esta parte , muitas fragilidades e mesmo disfuncionalidades de assinalável gravidade a nível do processo educativo das duas crianças expondo ambas a cenário reiterado de conflitualidade verbal e física , quer como espectadores , quanto tal se verifica entre eles progenitores, quer como destinatários diretos dessas condutas quando são visados com castigos físicos e linguagem ofensiva e ameaçadora como parte da sua educação , acrescendo relativamente ao L... a conduta do progenitor do L... consubstanciada nos castigos físicos que o mesmo lhe infligiu para calar o choro do Menor.
Este tipo de atuação a par, ainda, do sinalizado deficit alimentar das duas crianças, belisca, sem margem para rebuços, com a segurança e saúde dos dois Menores colocando tais aspetos em flagrante cenário de perigo.
Por outro lado, os comportamentos negativos assumidos pelos ditos progenitores na parte formativa relativamente aos Menores, muito particularmente no que tange ao L… que é um menino com necessidade diagnosticada de cuidados especiais a nível de ensino, retardando e obstaculizando à integração do L... em unidade especializada para a sua problemática, mormente por parte da sua progenitora, é passível de colocar em perigo a formação educação e desenvolvimento harmonioso dos Menores.
Por fim a atitude de pouca colaboração destes progenitores para com as Entidades que ao longo de anos têm procurado ajudar o agregado e a subsistência duma situação económica e habitacional muito precária conduz necessariamente ao raciocínio de que se trata de progenitores francamente resilientes a mudanças em sentido positivo e pouco sensibilizados com o interesse dos Menores, sendo certo que se desconhecem familiares de qualquer um deles mormente em território Português que possam receber as duas crianças nos respetivos agregados apenas tendo resultado provado que a progenitora terá chegado a repartir por curtos períodos de tempo nomeadamente naqueles em não se encontrava a viver com o progenitor do L..., um espaço habitacional com uma prima com quem , porém , entrava , também , em conflito.
Destarte, conclui-se inexistir resposta a executar em meio natural de vida para o L... e para o L..., não restando, por ora e até que a progenitora de ambos e o progenitor do L... resolvam alterar o seu registo de vida outra solução que a aplicação da medida de acolhimento em Instituição, para já pelo período de um ano (..)»
De facto, a matéria de facto apurada evidencia que os progenitores demonstram uma efetiva incapacidade para assumir as responsabilidades parentais, a que acresce uma postura recalcitrante perante ajuda externa (facto 9), expondo os menores a uma situação de perigo para a sua saúde, segurança e desenvolvimento. Os factos apurados demonstram que os laços de sangue - de per si - não tornam as pessoas aptas a tratar e criar as crianças. O princípio da prevalência da família deixa de se justificar e sobrelevar quando, como é o caso, através de juízo de prognose formulado com base nos factos apurados, se conclui pela impossibilidade de alcançar esse fim com recurso a medida no âmbito da qual os menores continuem integrados no seio da sua família.3 Num contexto desta índole, não se afigura que seja viável - para já - a realização do superior interesse da criança dentro do enquadramento familiar natural.
Com efeito, «(...) os interesses da criança ou jovem em perigo são mais importantes do que o interesse da família que o pretenda manter no seio do grupo familiar, embora sem exercer convenientemente os poderes-deveres que a lei lhe impõem para que tal aconteça. / Os interesses das crianças ou jovens em perigo podem (e amiúde o são) conflituosos e distintos dos interesses da própria família natural, que deles não soube ou não quis cuidar em termos de salvaguardar o interesse das crianças ou jovens em risco, havendo, pois, em tais casos, de dar prevalência aos interesses das crianças ou jovens em risco e procurar fora dos laços de família natural, o que esta não lhe proporcionou, designadamente, encontrar fora da família natural uma solução ou alternativa que permita que as crianças ou jovens em risco possam vir a obter o que não lhes foi propiciado por quem a tal estava adstrito.»
Note-se que, nos termos do facto provado sob 24, não se conhecem familiares do L... e do L..., nomeadamente em território português, que reúnam condições, ou sequer demonstrem interesse, para receber os mesmos de imediato no respetivo agregado familiar.
Pelo que falece qualquer sentido à medida preconizada pela apelante de apoio junto dos pais ou junto de outro familiar (Artigos 39º e 40º).
Sem embargo, a sentença decretada contém várias medidas que visam habilitar a apelante e o progenitor do L... a ter meios, conhecimentos e aptidões para tratar e educar os menores, com dignidade e responsabilidade (cf. dispositivo C) e D)). Estas medidas, conjugadas com o caráter transitório do acolhimento prolongado em instituição pelo período de um ano, visam criar condições para que os menores possam regressar para junto da sua família biológica. Deve a apelante empenhar-se em reunir esse conjunto de condições. Sempre se dirá que, caso a família biológica soçobre nessa tarefa, poderá - futuramente - ter de equacionar-se outro projeto de vida para o menor L... (nascido em 2011) que poderá passar por uma entrega para adoção ou outra medida alternativa.
Em suma, a sentença impugnada mostra-se orientada estrategicamente no sentido de os pais reassumirem os seus deveres para com as crianças (princípio da prevalência da família), embora transitoriamente essa situação não se revele viável, tudo evidenciando a pertinência e adequação das medidas transitórias decretadas na sentença impugnada.
É natural que a separação física da mãe dos menores caangústia e apreensão, sobretudo à apelante. Porém, conforme referido, a solução adotada é por natureza transitória e visa propiciar aos menores a nutrição, estabilidade, equilíbrio, segurança e educação que lhes tem faltado, sobrelevando a apreciação do superior interesse da criança numa perspetiva de longo prazo e não numa ótica imediatista de evitar - a qualquer preço - sofrimento psíquico temporário aos menores. A privação de contactos é relativa porquanto os menores - consoante decorre do Artigo 58º, alínea a) da Lei nº 147/99, de 1.9 - têm direito a manter regularmente, e em condições de privacidade, contactos pessoais com a família/apelante.
O argumento expendido no sentido de que a medida de acolhimento agudizará os problemas psicossomáticos do L... também não colhe porquanto, nos termos do dispositivo sob B), logo que institucionalizado, o L... será encaminhado para frequência de colégio de ensino especial adequado à sua problemática, sendo que - anteriormente- a apelante inviabilizou a transferência do menor para colégio de ensino especializado (facto 18).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Lisboa, 18.10.2016
(Luís Filipe Pires de Sousa)
(Carla Câmara)
(Maria do Rosário Morgado)
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