Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 14-09-2016   Marcos da liberdade condicional no caso de execução sucessiva de penas de prisão
Em caso de execução sucessiva de penas de prisão, devem somar-se todas as penas para, relativamente à soma (e passando os 6 meses de prisão), se encontrarem os marcos da Liberdade Condicional: metade, 2/3 e, sendo disso caso, os 5/6 da soma.
Proc. 1660/14.9TXLSB-D.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Conceição Gomes - Carlos Almeida - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
PROC 1660/14.9TXLSB-D. L1
4° Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO
1.1 Inconformado com o despacho de 17 de maio de 2016 na parte relativa a contagem de penas de prisão em execução sucessiva e respetivos marcos de Liberdade Condicional de 1/2 e de 2/3, que o condenado (…) cumpre, dele interpôs recurso o MINISTÉRIO PÚBLICO, que motivou, concluindo nos seguintes termos (transcrição).
«5.1. A Liberdade Condicional é um instituto que tem por objecto a pessoa humana do condenado em pena de prisão, visando promover a sua ressocialização;
5.2. A Liberdade Condicional não pode ser concebida em função da espécie ou duração das penas, embora exista um patamar mínimo antes do qual não pode ser concedida = a expiação efectiva de 6 meses de prisão = artigo 61.°, n.° 2 do Código Penal
5.3. Em caso de execução sucessiva de penas de prisão, devem somar-se todas as penas para, relativamente à soma (e passando os 6 meses de prisão), se encontrarem os marcos da Liberdade Condicional = metade, 2/3 e, sendo disso caso, os 5/6 da soma;
5.4.É esta a tese que, salvo melhor entendimento, foi sufragada pelo Código Penal, nomeadamente no artigo 62.°, n.° 1 e 2, redacção de 1995, e artigo 63.°, n.° 1 e 2, redacção actual;
5.5. Tese que é expressamente defendida por Figueiredo Dias, Presidente da Comissão Revisora do Código Penal de 1982 e reafirmada por Maia Gonçalves, nas obras citadas supra;
5.6. O Tribunal recorrido, ao não incluir a pena aplicada no Processo 852/11.9SIL5B (120 dias de prisão subsidiária), excluindo-a para efeitos dos marcos da Liberdade Condicional, não está a efectuar uma correcta aplicação do artigo 63.°, n.° 2 do Código Penal, na leitura ora defendida, o que importa a sua correcção.
5.7. O Tribunal recorrido, ao não incluir a pena aplicada no Processo 852/11.9SILSB nas contas da Liberdade Condicional, está a executar duas penas de prisão pela tese da diferenciação, ou seja,
tratando cada uma delas de forma autónoma, tratamento esse que, salvo o devido respeito, não tem sustento bastante, nem nas normas que regulam a Liberdade Condicionai, nem nas normas que estabelecem os fins das penas e das medias de segurança.
Termos em que, operando uma correcta Ieitura do artigo 63°, n° 2 do Código Penal, na tese que se vem defendendo, deve o despacho em causa, na parte ora em crise, ser revogado e substituído por outro que, aplicando a tese da soma das penas às penas de prisão em execução, considere que os marcos da Liberdade Condicional se encontram em relação à soma de todas as penas e que, no caso vertente, e sem prejuízo de alterações que possam sobrevir, são os constantes da liquidação já promovida pelo Ministério Público».
1.2 Na 1ª Instância não houve Resposta.
1.3 Nesta Relação o Exm° Procurador Geral Adjunto apôs o seu Visto.
1.4. Foram colhidos os Vistos legais.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Dos autos resultam as seguintes ocorrências processuais relevantes para a decisão do recurso:
2.1.1. O arguido (…) tem duas penas de prisão aplicadas e para cumprir em regime de sucessão, resultantes dos seguintes processos;
«Processo 42/14.9JBLSB = 5 anos de prisão;
Processo 852/11.95IL5B = 120 dias de prisão subsidiária correspondente à conversão de uma pena de multa de 180 dias à razão diária de 5€, que foram convertidos em 120 dias de prisão, já expiados entre 28.07.2015 a 24.11.2015.
2.1.2. Em 14ABR16 o Ministério Público procedeu à liquidação das penas nos seguintes termos:
«Arguido (…). Penas em execução:
A. Processo 42/14.9JBLSB = 5 anos de prisão
B. Processo 852/11.951 SB = 120 dias de prisão (expiada)
Cômputo de penas - artigo 141.°, alínea i) do CEPMPL e 63°, n° 1 do Código Penal (segundo a tese da soma das penas, independentemente da natureza ou duração)
Total das penas 5 anos e 120 dias de prisão
Desconta = sem registo
Início da contagem = 18.03.2014 1/2 das penas = 17.11.2016
2/3 das penas = 06.10.2017
5/6 das penas = não aplicável
FIM das penas = 16.07.2019.
2.1.3. A decisão recorrida datada de 17MAI016 é do seguinte teor, na parte que aqui releva (transcrição):
«Concorda-se com o cômputo das penas de execução sucessiva que antecede apenas no que concerne ao termo inicial e final, homologando-se nessa parte.
Assim, tendo presente os elementos aí mencionados deverão atender-se, para efeitos de liberdade condicional, às datas a seguir indicadas:
Início das penas: 18.03.2014 (o indicado pelo MP);
Meio das penas: 16.01.201 7 (soma do 1/2 da pena A com a totalidade da pena B);
Dois terços das penas: 15.11.2017 (soma dos 2/3 da pena A com a totalidade da pena B);
Termo das penas: 16.07.2019 (o indicado pelo MP)».
3. O DIREITO
3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação da recorrente, que definem e delimitam o objeto do recurso, prende-se, em suma, com a seguinte questão:
- Se em caso de execução sucessiva de penas de prisão, devem somar-se todas as penas (incluindo os 6 meses) para se encontrarem os marcos da Liberdade Condicional = metade, 2/3 e, sendo disso caso, os 5/6 da soma, ou se deve excluir-se a pena de 6 (seis) meses de prisão, por ser uma pena subsidiária e inferior a um ano.
3.1.1. O art. 61°, do Código Penal, que rege os pressupostos e duração da liberdade condicional, consagra no seu n° 2, que «O tribunal coloca o condenado a prisão em Iiberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadarnente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A Libertarão se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social», estabelecendo o n° 3 que: «O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior,.
Por seu turno determina o art. 63°, do Código Penal que:
«1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro Iugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.
2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional».
No caso dos autos o Tribunal a quo para determinar o meio e os dois terços das duas penas que o condenado se encontra a cumprir somou, à metade da pena de 5 anos de prisão, 120 dias de prisão da pena aplicada no processo 852/11.95ILSB, bem como somou aos 2/3 da pena do processo 42/14.9JBLSB a totalidade da pena do processo 852/11.95IL58.
O despacho recorrido não explicita qual a razão de tal entendimento, no entanto deduz-se que é aplicável ao caso a limitação constante da parte final do corpo do n° 2 do artigo 61° do Código Penal.
Conforme se afirma no AC do TRL de 10ABR141, citado pelo recorrente,
“...não vemos que a exigência de cumprimento de 6 meses de prisão tenha justificação no caso de cumprimento de penas sucessivas, desde que a soma delas exceda um ano de prisão.
De facto, Figueiredo Dias, na altura pronunciando-se sobre a redação originária do Código Penal e defendendo a solução do projeto de que veio a resultar a revisão de 1995 daquele diploma, justificou o fundamento daquela exigência dizendo que «o pressuposto material de concessão da liberdade condicional - o juízo de prognose favorável cf infra § 848 s. - nunca poderia ser devidamente fundado face ao cumprimento de um tempo escassíssimo de prisão, nomeadamente um tempo de prisão inferior a 3 meses.... dando-se, porém, o valor devido (como, sem dúvida, deve dar-se) a este último argumento, então o pressuposto em causa não deveria tanto referir-se ao tempo de prisão a que o delinquente foi condenado, quanto sobretudo ao tempo de prisão efetiva já cumprido. Pelo que o que a lei deveria exigir como pressuposto de concessão da liberdade condicional, em rigor, não deveria ser que o delinquente houvesse sido condenado a pena de prisão superior a 6 meses, mas sim que ele houvesse cumprido um tempo mínimo de prisão, v. g., 6 meses.
Ora, se é esta a justificação da exigência de cumprimento mínimo de 6 meses de prisão, essa exigência não deve ser feita relativamente a uma pena parcelar quando ela é cumprida na sequência de outras e a permanência no Estabelecimento Prisional se prolongue por mais do que aquele tempo.
Quer isto dizer que, a nosso ver, o meio da pena atingiu-se no momento em que se completou o cumprimento de 2 anos e 6 meses de prisão de uma pena de 5 anos (3 anos + 15 meses + 9 meses) e não quando se vierem a cumprir 2 anos, 7 meses e 15 dias de prisão (1 ano e 6 meses + 7 meses e 15 dias + 6 meses)».
Aplicando este entendimento, que seguimos, ao caso dos autos, o meio da pena atinge-se no momento em que o condenado cumprir metade da soma das penas de 5 anos de prisão e 120 dias de prisão subsidiária, ou seja, em 17 de novembro de 2016 e os dois terços em 6 de outubro de 2017, tal como consta da liquidação efetuada pelo Ministério Público.
Processo n° 5963/10.8TXL5B-KT-1, 3° secção (relator Carlos Almeida)
2 DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Lisboa, 1993, p. 534.

4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso e em consequência, revogando-se o despacho recorrido, determina-se que para efeitos de liberdade condicional, a metade das penas em execução do condenado (…) atinge-se em 17 de novembro de 2016 e os dois terços em 6 de outubro de 2017.
Sem tributação.
Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94°, n° 2, do CPP).
Lisboa, 14 de setembro de 2016
Relatora: Maria da Conceição Simão Gomes

Adjunto: Carlos Almeida

Notas de Rodapé:
1. Processo n° 5963/10.8TXL5B-KT-1, 3° secção (relator Carlos Almeida)
2. DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Lisboa, 1993, p. 534.
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