Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 17-09-2008   Segredo de justiça-art. 89º nº 6 do CPP. Adiamento do acesso aos autos. Prorrogação do adiamento. Prazos
1. Decorre do art. 89º nº6 do CPP/revisto que o termo do segredo de justiça é estabelecido por referência ao termo do prazo máximo de realização do inquérito.
2. Findo tal prazo admite-se, porém, que o acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais possa ser adiado por decisão do JIC, a requerimento do MºPº, por período máximo de três meses – adiamento a que se reporta o 1º segmento do nº6 do art. 89º do CPP.
3. Tal prazo de adiamento conta-se a partir do momento da prolação da decisão do JIC.
4. No entanto, se estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do art. 1º do CPP, aquele adiamento pode ainda ser prorrogado por prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, o que vale por dizer, que a prorrogação do adiamento pode ser concedida pelo JIC por prazo não coincidente com os três meses do 1º segmento da norma, podendo sê-lo por período superior, desde que tal prazo seja tido como indispensável à conclusão da investigação.

NOTA: Ver, no mesmo sentido, o Acórdão de 24-09-08, Processo n.º 6650/08, 3.ª Secção (relatora Margarida Ramos de Almeida).

Anexa-se o texto integral do acórdão
Proc. 5036/08 3ª Secção
Desembargadores:  Conceição Gonçalves - Margarida Ramos de Almeida - -
Sumário elaborado por Natália Lima
_______
I-Relatório.

1. Nos autos de Inquérito 482/04.1TABCL, pendentes no Tribunal Central de Instrução Criminal em que são arguidos, entre outros, “SPAL-Sociedade de Porcelanas de Alcobaça, S.A, Maria Helena de Soveral Ferreira da Bernarda e José Bento Jordão, com os sinais dos autos, na sequência de requerimento apresentado pelos arguidos, insurgindo-se contra o despacho proferido em 4/03/2008, a fls. 26240/26241, que determinou “o adiamento por um período de três meses do acesso aos autos, por parte dos demais intervenientes”, veio o Mmº Juiz de Instrução a proferir, em 13.03.08, o despacho de fls. 26735 e ss., que na parte que interessa se transcreve:

“Notificados do despacho de fls. 26240 e seguintes, vieram os arguidos “SPAL-Sociedade de Porcelanas de Alcobaça, S.A, Maria Helena de Soveral Ferreira da Bernarda e José Bento Jordão e ainda o “Grupo Soares da Costa, SGPS, SA” e Abílio Manuel Soares Leite, requerer que lhes seja, de imediato, dado acesso aos autos, para consulta, alegando que:
“1.O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Janeiro de 2008, declarando procedente o recurso, ordenou a revogação dos despachos recorridos, de Setembro de 2007, e ordenou que fossem substituídos por outro que decidisse se o acesso aos autos poderia ou não ser adiado por três (3) meses.
2.Em obediência ao mesmo acórdão, proferiu o Exmº Senhor Juiz de Instrução, em 4 de Março de 2008, despacho (fls. 26239 a 26241) determinando o adiamento do acesso aos autos por um período de 3 (três meses), satisfazendo assim o que havia sido promovido pelo Ministério Público em Setembro de 2007.
3.Este despacho, conforme determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e como é de Lei, substitui os anteriores, revogados em sede de decisão recursória.
4.Além disso, em Setembro de 2007, quando da entrada em vigor da reforma/revisão do Código de Processo Penal e quando da prolação dos recorridos e revogados despachos, encontravam-se já ultrapassados os (novos) prazos, de aplicação imediata.
5.Razão, aliás, pela qual o Ministério Público promoveu o adiamento por três meses do período em que se encontraria vedado o acesso aos autos, designadamente pelos sujeitos processuais.
6.Entre meados de Setembro de 2007 e a presente data, passaram já aqueles 3 (três) meses. Aliás, passaram já quase 6 (seis).
7.Apenas a prorrogação por três meses, a contar da data em que expiraram os prazos ordinários (neste caso, 15 de Setembro, data da entrada em vigor e da aplicação imediata do novo CPP), tem cobertura legal.
8.E tem, cobertura nestes autos, por despacho ora proferido, em substituição dos anteriores, pelo Exmº JIC.
9.Assim, desde meados de Dezembro de 2007 que cessou, legal e formalmente, o período de afastamento do acesso aos autos.
10.Outra solução seria contrária à Lei, desobedeceria ao determinado pelo Tribunal da Relação, faria persistir os autos na situação de ilegalidade em que se tês encontrado, por força dos despachos revogados e ora, finalmente, substituídos.
11.E equivalente a deixar entrar pela janela o que o Tribunal da Relação (e a Lei) não deixaram entrar pela porta!...Uma espécie de “golpe de estado legal-jurisprudencial”, o que se não concebe como possível…”
O MºPº, na douta promoção, pugna pelo indeferimento, alegando o seguinte:
(…).
Na prática, os requerentes insistem na defesa da tese de que o prazo de três meses de adiamento do acesso aos autos, conferido pelo artº 89º-6 do CPP, se conta a partir da data em que expiram os prazos ordinários para a duração do Inquérito, previstos no artº 276º do mesmo Código.
Em consequência dessa tese, pretendem os requerentes que a decisão agora proferida, a fls. 26240, e que concede o referido adiamento do acesso aos autos por três meses, se reporta, por absurdo, ao passado, devendo ser entendida como estabelecendo que, no prazo entre 15 de Setembro (data da entrada em vigor do Código) e 15 de Dezembro, teria continuado a vigorar um regime de segredo de justiça.
Entendemos que os requerimentos agora apresentados sofrem de vários vícios de raciocínio.
Em primeiro lugar, porque retiram do Acórdão da Relação de Lisboa a obrigação de ser proferido um despacho inútil e sem, qualquer eficácia para os autos ou seja, um despacho que iria decidir sobre o regime de acesso aos autos num período de tempo já decorrido.
Em segundo lugar, porque a tese da contagem sucessiva entre os prazos ordinários do inquérito e o prazo de adiamento do acesso aos autos já havia sido invocado no recurso a que se reporta a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (Recurso onde os agora requerentes não tiveram intervenção) e na mesma não mereceu acolhimento, uma vez que se tivesse sido acolhida levaria a que tivesse sido determinado o imediato acesso aos autos pelos intervenientes e não a ponderação sobre a justificação ou não de um adiamento desse acesso por três meses.
Em terceiro lugar, porque qualquer que seja o entendimento, sempre a prorrogação do prazo de adiamento de acesso aos autos, face aos tipos de crime em causa, nos termos da parte final do artº 89º-6 do mesmo Código, teria de ser admitida.
(…)
Concluímos assim, entendendo que a decisão proferida a fls. 26240 e seguintes faz correcta interpretação e aplicação da decisão proferida pelo tribunal da relação, sendo os agora requerentes quem a pretende adulterar, fazendo-a consagrar teses de contagem seguida de prazos que foram alegados e não acolhidos e fazendo-a remeter a juiz de instrução para a prática de actos inúteis, razão pela qual promovemos que os requerimentos visando obter o imediato acesso aos autos sejam indeferidos”
Cumpre decidir:
Compulsada a argumentação expendida pelos requerentes e a resposta do MºPº afigura-se a este TCIC ser patente que, não sendo lícito ao JIC praticar actos inúteis no processo, cabendo-lhe, outrossim, cumprir escrupulosamente o decidido pelo Tribunal Superior, uma cuidada leitura do dispositivo do acórdão não consente outra interpretação que não seja a afirmada, a saber, que manifestando o MºPº como promoção que seja alargado o prazo de segredo em três meses, tal prazo se iniciar com o cumprimento de acórdão do TRL.
Como bem aduz o MºPº na promoção que antecede, considerar que o Venerando TRL decidiu no sentido do prazo se considerar iniciado a partir de 15 de Setembro de 2007, dizendo-o em 23 de Janeiro de 2008, conduziria a que o JIC fosse induzido a praticar um acto inútil e, até, permita-se-nos, incoerente.
O TCIC, ao cumprir o acórdão do TRL não pode olvidar que este foi proferido a 23 de Janeiro de 2008.
Destarte, atendo-nos à economia dos requerimentos, não faz qualquer sentido que o TRL quando um prazo já está precludido/consumido, mande ao Tribunal de primeira instância que o aplique.
Dão-se por reproduzidas, no que tange à interpretação que se considera adequada do acórdão do TRL as considerações aduzidas pelo MºPº (…), renovando-se o entendimento de que o prazo se iniciou com a prolação do despacho de 4 de Março de 2008 (exarado a fls. 26239 a 26241), o que implica que não possa ser facultado, por ora, o acesso aos requerentes ou a quaisquer dos outros arguidos já constituídos”.

2.Os arguidos não se conformando com o decidido vieram interpor recurso.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“A)No dia 23 de Janeiro de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao mesmo tempo que decidiu revogar o despacho proferido pelo Exmº Senhor Juiz de Instrução, em Setembro de 2007, que tinha sujeitado o processo a segredo de justiça pelo “novo” prazo de duração do inquérito (pelo menos), também ordenou a sua substituição por outro despacho que, conhecendo da promoção do MºPº. decidisse “se o acesso aos autos pode ser adiado por três meses, nos termos do artº 89, nº 6 do CPP”.
B) Em obediência a esse Acórdão, o Exmº Senhor Juiz de Instrução proferiu, em 4 de Março de 2008, despacho (fls. 26239 a 26241) que substituiu o anteriormente proferido e determinou o adiamento do acesso aos autos por um período de 3 (três) meses, nos termos daquele artigo 89º, nº 6 do CPP.
C) No seguimento desse despacho, vieram os ora Recorrentes –cfr. 26240 e ss- requerer que lhes fosse, de imediato, dado acesso aos Autos, uma vez que o prazo de três meses tinha, assim, terminado em meados de Dezembro de 2007.
D) Todavia, o Exmº Senhor Juiz de Instrução veio negar o acesso dos Recorrentes aos Autos, alegando para o efeito que a contagem dos três meses se iniciou, não em Setembro de 2007 (que foi a data do despacho revogado/substituído e a data da cessação do anterior regime de segredo, data na qual o prazo de inquérito já estava ultrapassado), mas em 4 de Março de 2008, que foi a data de prolação do despacho de substituição.
E) Ao decidir dessa forma, o Tribunal a quo interpretou erradamente a ordem que lhes foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa: uma vez que havia sido proferido um despacho ilegal, o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou que fosse proferido um despacho legal, em sua substituição.
F) Despacho esse que, substituindo o despacho revogado, deveria decidir, nos termos do nº 6 do artº 89º do CPP, se o acesso aos autos poderia ser adiado por mais três meses com efeitos a Setembro de 2007, seja porque essa a data do despacho revogado, tendo sido a partir desse momento que esse mesmo despacho definiu o seu âmbito de aplicação temporal, seja porque essa seria a data em que, se não houvesse despacho, o processo se teria tornado público.
G) Basta, aliás, atentar nos resultados (legalmente inadmissíveis) a que se chega na interpretação acolhida pelo despacho recorrido para se perceber que a mesma se encontra, de facto, votada a não proceder.
H) Por um lado, a interpretação do Tribunal a quo conduz a um resultado que colide frontalmente com a natureza e com a própria lógica subjacente a um qualquer recurso: revoga-se um despacho que foi proferido numa determinada data, ordena-se a sua substituição por outro e, no fim, em vez de proferir um despacho em substituição do despacho revogado, profere-se um novo despacho que tem um âmbito de aplicação temporal totalmente distinto do âmbito de aplicação temporal do despacho que foi revogado.
I) Por outro lado, a interpretação plasmada no despacho recorrido torna contra legem a história do segredo de justiça destes Autos: o processo esteve sujeito a segredo até Setembro de 2007 (ao abrigo da anterior versão do Código), deixar de o estar entre Setembro de 2007 e Março de 2008 (uma vez que inexiste um despacho judicial que, validamente, declare a manutenção do segredo de justiça, já que o despacho de Setembro, ilegal, foi revogado pela Relação), e, entre Março de 2008 e Junho de 2008, o processo volta estar a segredo.
J) Por fim, o entendimento do Tribunal a quo origina esta situação inédita: o processo encontra-se em segredo há mais de 6 meses, sendo que, desde Setembro de 2007 (altura em que cessou o segredo de justiça decretado automaticamente pela lei), apenas existe, validamente, um despacho de prorrogação do segredo por três meses.
K) O despacho de Setembro de 2007 do Exmº JIC, revogado pela Relação de Lisboa, era ilegal, tendo a Relação ordenado que fosse reposta a legalidade, o que, tudo visto, determinava que o acesso aos autos fosse possível de imediato, tanto mais quanto mais o despacho revogado era cerceado de direitos fundamentais, reportando-se a um regime excepcional, que não conferia direitos, antes retirava ou limitava.
L) E qualquer outro entendimento diferente do entendimento ora sustentado pelos Recorrentes, isto é, qualquer entendimento no sentido de que os três meses legais de prorrogação do período de segredo de justiça destes autos se podem contar da data do despacho proferido em obediência ao Acórdão da Relação que revogou o anterior despacho (decorrente nomeadamente da conjugação dos artigos 86º e 89º, nº 1 e 6 do CPP), redundará em norma inconstitucional, gerará, dito de outro jeito, um problema de inconstitucionalidade normativa, nomeadamente por violação dos artigos 1º, 2º, 18º, nº 2, 20º, nº 4 e 32º, nº 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade essa que se deixa cautelar e expressamente arguida para todos os efeitos legais.
Termos em que deve o Tribunal julgar o Recurso procedente, determinando a revogação do despacho recorrido e reconhecendo a nulidade processual com ele cometida, nos termos e com as consequências legais.”


3.O Ministério Público respondeu á motivação, considerando, em síntese, o seguinte:
“O acesso aos autos, como forma de abertura parcial do segredo de justiça interno, pode ainda ser adiado, mesmo ultrapassados os prazos ordinários do Inquérito, nos termos consentidos pelo artº 89º, nº 6 do CPP., cuja decisão cabe, em última análise, ao Juiz de Instrução. A intervenção judicial em sede de excepções às regras da publicidade processual é uma constante do novo regime legal.
No que se refere aos momentos do fim dos prazos ordinários do Inquérito e do adiamento do acesso aos autos, não decorre que os mesmos necessariamente se tenham que suceder. Com efeito, se a faculdade de consulta dos autos surge na esfera dos intervenientes logo que decorridos os prazos ordinários do Inquérito, já o adiamento do acesso aos autos, porque é uma medida que depende da evolução da investigação e depende de uma decisão judicial, não se inicia automaticamente com o termo de qualquer prazo. O acórdão da Relação de Lisboa veio reconhecer a necessidade de uma decisão judicial que procedesse à apreciação dos fundamentos do pedido de adiamento de acesso aos autos por um período de três meses. A contagem do prazo de adiamento do acesso aos autos é feita para o futuro, tendo-se iniciado a 4 de Março de 2008. A retroactividade pretendida pelos recorrentes não é imposta pela decisão do Tribunal de recurso, não decorre da lei e geraria uma quebra da segurança, uma vez que conduzir um processo em regime de segredo de justiça é diverso de o fazer em regime de acesso aos autos pelos intervenientes. Qualquer decisão para o passado sobre o regime de segredo de justiça implica, além do mais, uma ruptura da segurança jurídica, devida a qualquer operador judiciário, uma vez que actos que tivessem sido desencadeados na perspectiva do regime de segredo, perderiam agora a razão de ser (a eficácia de uma diligência de intercepção telefónica, por exemplo, deixa de existir num processo com acesso aos autos permitido aos intervenientes).
Se fosse entendimento do Tribunal da Relação que o prazo de três meses já se havia esgotado, e pela tese dos requerentes tal prazo já estava esgotado na data em que o acórdão foi proferido (23 de Janeiro de 2008), então o Tribunal Superior não poderia estar a mandar o juiz da primeira instância tomar uma decisão ilegal.
Entende assim o MºPº, que o Tribunal da Relação foi integralmente respeitado com o proferir da decisão sobre o adiamento do acesso aos autos por três meses e este não podem deixar de contar-se desde o momento em que tal decisão foi proferida, sob pena de se entender que o acórdão do Tribunal superior determinou a prática de um acto inútil.
A decisão recorrida, ao determinar a contagem do prazo para o futuro, não merece qualquer reparo, porquanto realiza o Direito”.

4.O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (cfr. despacho certificado a fls.121).

5.Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta quando o processo lhe foi apresentado apôs o seu Visto.

6.Os autos foram aos Vistos legais e após procedeu-se á Conferência.

Tudo visto, cumpre decidir.


II-Fundamentação.

O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas conclusões , reporta-se á questão do segredo de justiça, na vertente do acesso aos autos pelos ora recorrentes, mais concretamente, a questão de saber os limites temporais do segredo em caso de adiamento do acesso aos autos, conferido pelo artº 89º, nº 6 do CPP., designadamente, quando se inicia a contagem deste prazo?

Vejamos:

7. Resultam dos autos, com interesse para a decisão, as seguintes ocorrências processuais:
7.1. Os autos de inquérito em causa (segundo o que é disponibilizado pelos presentes autos) foram instaurados no decurso do ano de 2004, estando em causa a investigação de factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes de branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, de abuso de confiança fiscal, de fraude fiscal qualificada e ainda de organização criminosa, previstos e punidos, respectivamente, nos artigos 368º-A nº 1, 2 e 3 e 205º,1 e 4 b) do C.P. e nos artigos 89º e 103º,1 b) e 104º,1 e f) e 2 do RGIT.
7.2 O Ministério Público, considerando que em face da entrada em vigor das alterações ao CPP, introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29/08, estava já excedido o prazo máximo do inquérito, veio promover a prorrogação por três meses do instituto do segredo de justiça, ao abrigo do artº 89º, nº 6 do CPP.
7.3 Na sequência do promovido, o Mmº JIC, por despacho proferido a 18/09/2007, de fls. 21451 e ss, decidiu (em transcrição do que interessa): “Ao conferir a alguns intervenientes processuais um novo direito, que nele integra o núcleo dos direitos fundamentais de tais sujeitos, mas que acresce secundariamente, a nova Lei deve ter uma aplicação para o futuro, contando-se os prazos de que depende a aplicação de tal novo direito a partir da data de aplicação da nova Lei (…).
Pelo exposto, entendemos que o prazo do Inquérito para efeito de o Ministério Público decidir provisoriamente e pedir a validação do segredo de justiça, findo o qual se inicia o direito do arguido e de outros intervenientes a terem total acesso aos autos, se iniciou com a vigência da reforma determinada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, Lei que criou em absoluto os referidos direitos, razão pela qual se trata de um prazo vigente.
Assim, estando em curso para os referidos efeitos, o prazo previsto no artº 276º do CPP, entendemos que não tem cabimento o pedido de adiamento por três meses, do acesso aos autos pelo arguido e pelos outros intervenientes, indeferindo-se o requerido adiamento por se reportar a um direito de acesso que ainda não nasceu na esfera do arguido e dos outros intervenientes.
Uma vez que se iniciou com a vigência da Lei 48/2007, a contagem do prazo do artº 276º do CPP para efeito do regime do acesso aos autos e da aplicação do segredo de justiça, voltem os autos ao MºPº para decidir o que tiver por conveniente”.
7.4 Subsequentemente, o MºPº, após determinar a aplicação do segredo de justiça aos presentes autos, promoveu a respectiva validação judicial, nos termos do artº 86º do CPP/07.
7.5 E o Mmº JIC, em 19/09/2007 proferiu o despacho de fls.21531 e ss que aqui se transcreve na parte que interessa: “…o detentor da acção penal, na sua douta promoção antecedente, ao abrigo do nº 3 do artº 86º do já citado normativo legal, determinou a aplicação do segredo de justiça aos presentes autos, uma vez que a publicidade afectará de forma gravosa e irremediável os interesses da investigação e da descoberta da verdade.
(…).
Tendo bem presente a matéria sob investigação nos presentes autos e a sua inerente complexidade decorrente, além do mais do elevado número de arguidos e bem assim da dificuldade de surpreender os suspeitos na prática de esquemas de fraude sob investigação e na reconstituição dos circuitos de contabilidade e financeiros subjacentes às fraudes já cometidas, para além de identificar os fundos ou bens resultantes da prática dos crimes precedentes, a publicidade nesta fase, iria afectar de modo irremediável a investigação em curso, bem assim, a descoberta da verdade material sobre factos ilícitos sob investigação.
Assim, defiro ao doutamente promovido, pelo que, valido a decisão do detentor da acção penal -ex vi do nº 3 do artº 86º do CPP (parte final)”.
7.6 De ambos os despachos foi interposto recurso, os quais vieram a ser conjuntamente decididos pelo douto acórdão de 23/01/2008, deste Tribunal da Relação de Lisboa, desta mesma 3ª secção , nos termos seguintes: “…declara-se procedente o recurso, pelo que se revogam os despachos recorridos, que devem ser substituídos por outro que, conhecendo da promoção do MºPº, decida se o acesso aos autos pode ser adiado por 3 meses, nos termos do artº 89º, nº 6 do CPP.
Da respectiva fundamentação transcreve-se, na medida do necessário, o seguinte:
“Ao contrário do que consta do primeiro dos transcritos despachos, a questão que cumpria decidir era a da eventual prorrogação por 3 meses do instituto do segredo de justiça, pretensão que era deduzida pelo MºPº, ao abrigo do artº 89º, nº 6 do CPP, na base dos interesses em jogo e porque considerava estar já excedido o prazo máximo do inquérito, face à entrada em vigor da Lei 48/07, de 29-08 (que alterou profundamente o CPP).
(…).
A verdade, porém, é que a lei nova não suporta qualquer distinção entre prazos de inquérito, designadamente a que vem afirmada (“para efeito de o Ministério Público decidir provisoriamente e pedir a validação do segredo de justiça”).
E essa distinção constitui o necessário pressuposto lógico de toda a decisão, de modo que se esse pressuposto estiver errado, como está, toda a decisão ficará afectada.
Os prazos de inquérito, previstos no artº 276º do CPP, foram profundamente alterados pela referida lei 48/2007 de 29.08, sendo todos encurtados.
Com o devido respeito por diversa opinião, este encurtamento dos prazos não pode nunca e por natureza integrar a previsão do artº 5º, nº 2, al. b) do CPP/07, pois dele não decorre qualquer “quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo”.
(…).
Assim sendo e porque a lei nova -instituindo diferentes e menores prazos do inquérito, decorrentes da redacção que a Lei 48/07, de 29.08 deu ao artº 276º -deve ser de aplicação imediata, nos termos do nº 1 do artº 5º do CPP, temos que os despachos recorridos não podem manter-se.
Alegaram os recorrentes que o primeiro será mesmo nulo.
Não é o caso, pois ele não se enquadra na previsão dos artºs. 118º a 120º do CPP.
Ele tem de ser revogado -e o segundo despacho igualmente, porque decorre do antecedente -na medida em que opta por uma interpretação legal que contraria a letra e o espírito da lei, sendo que deverá ser substituído por outro que, conhecendo da promoção do MºPº, decida se o acesso aos autos pode ser adiado por três meses, nos termos do artº 89º, nº 6 do CPP.
7.7 Em face deste acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o MºPº veio renovar a sua anterior promoção.
7.8. E o Mmº JIC, em 4/03/2008 proferiu o despacho de fls.26240 que aqui se transcreve na parte necessária:
“Em obediência ao Acórdão nº 10091/07 de 23/01/2008, cumpre decidir:
(…).
Atento a matéria sob investigação nos presentes autos, à sua inerente complexidade, nesta fase, iria afectar de modo irremediável a investigação em curso, a eficácia das futuras diligências e, bem assim, a descoberta da verdade material sobre os factos ilícitos sob investigação.
Assim e, em obediência ao Acórdão proferido no Proc. nº 10091/07, em 23/01/2008, defiro ao doutamente promovido, pelo que, determino o adiamento, por um período de três meses, do acesso aos autos por parte dos demais intervenientes processuais –ex vi do nº 6 do artº 89º do CPP”.
7.9 Na sequência deste despacho, em 10/03/07, os arguidos vieram aos autos requerer que lhes fosse, de imediato, dado acesso aos autos para consulta e demais finalidades legais, com o entendimento de que desde meados de Dezembro de 2007 cessou, legal e formalmente, o período de afastamento do acesso aos autos.
7.10 E o Mmº JIC veio a proferir o despacho que consta de fls. 26735 e seguintes, objecto do presente recurso e que acima se transcreveu na parte relevante, no qual renovou o entendimento de que o prazo de três meses se iniciou com a prolação do despacho de 4 de Março de 2008.

*
Sendo estas as vicissitudes processuais ocorridas nos autos, cumpre, agora, decidir:

8. A questão objecto do recurso assenta no instituto do segredo de justiça que tem sido, como todos sabemos, muito debatido nos últimos anos e cujo regime processual foi alterado na mais recente reforma do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, em vigor desde 15 de Setembro de 2007.
A doutrina de forma consensual tem entendido o segredo de justiça como a sujeição de certos actos processuais a um regime de reserva, enquanto proibição de divulgação do teor de certos actos, não numa perspectiva de um valor absoluto, devendo antes persistir em articulação com o direito de “acesso a informação” contida no processo, pelos respectivos intervenientes processuais, designadamente na fase de inquérito.
Também quanto aos fundamentos do segredo de justiça não se prefiguram divergências na doutrina, convergindo de modo geral no sentido de que o segredo de justiça é uma forma de garantir condições de eficiência da investigação e de preservação dos meios de prova para que possa culminar com êxito na descoberta da verdade, (interesses da investigação), assumindo igualmente uma função de garantia para as pessoas que intervêm no processo, como sejam, as vítimas e as testemunhas ou mesmo o suspeito ou arguido a quem pode interessar que certos factos que lhe são imputados não sejam do conhecimento público, porque podem não vir a provar-se, funcionando neste aspecto o segredo de justiça como um mecanismo de garantia da efectividade do princípio da presunção de inocência do arguido.
Como sabemos o segredo de justiça está constitucionalmente previsto, estabelecendo o nº 3 do artº 20º da CRP que “a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça”, o que significa que são permitidas limitações ou restrições a outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, deixando então ao legislador ordinário a concretização do âmbito e os limites do segredo de justiça, através de uma ponderação dos vários direitos e interesses dignos de tutela e, potencialmente, conflituantes. O que a lei constitucional exige é que o segredo de justiça seja adequado .

9. In casu, o presente inquérito com o nº482/04.1, a correr termos no Tribunal Central de Instrução Criminal teve o seu início no decurso do ano de 2004.
À data, no que se reporta ao segredo de justiça, regia o artº 86º do CPP (redacção da Lei nº 59/98), que, no seu nº 1, estabelecia que “o processo penal é, sob pena de nulidade, público, a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não puder ser requerida”.
Aqui o processo era tendencialmente secreto durante toda a fase de inquérito, sendo a publicidade a excepção. E o secretismo decorria automaticamente da lei até findar o inquérito.
Com as alterações do Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador estabeleceu no artº 86º, nº 1, que “o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei”. Deste modo, o legislador instituiu, como regra, a publicidade em todas as fases do processo, passando o segredo de justiça a excepção. Foi esta a opção feita pelo legislador, visando naturalmente uma melhor compatibilização entre o segredo de justiça e o acesso aos autos, com a preocupação de uma melhor garantia de defesa dos direitos do arguido.
Naturalmente que em função dos propósitos e finalidades do Inquérito é nesta fase que efectivamente ocorrem as grandes restrições á publicidade, com a sujeição a segredo de justiça. Decorre da natureza das coisas. Não há investigação criminal bem sucedida, sobretudo na criminalidade organizada, complexa e sofisticada, sem uma componente de segredo.
E assim o nº 3 do artº 86º na actual versão estabeleceu como limitação á regra da publicidade, na fase de inquérito, a sujeição a segredo de justiça, por decisão do MºPº, validada pelo juiz, estipulando concretamente que “Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo de 72 horas”.
A limitação á regra da publicidade pode resultar também, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, da iniciativa do arguido, do assistente ou do ofendido, requerendo ao JIC a sujeição do processo, durante a fase de Inquérito, a segredo de justiça, por entenderem que a publicidade prejudica os seus direitos, podendo o JIC, ouvido o MºPº, determinar o segredo de justiça por despacho irrecorrível (nº 2 do artº 86º).
Estabelece depois no nº 4 que “No caso de o processo ter sido sujeito, nos termos do nº anterior, a segredo de justiça, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, pode determinar o seu levantamento em qualquer momento do inquérito”.
Prossegue o nº 5 estabelecendo que “No caso de o arguido, o assistente ou o ofendido requererem o levantamento do segredo de justiça, mas o Ministério Público não o determinar, os autos são remetidos ao juiz de instrução para decisão, por despacho irrecorrível”.
Estabelece depois o nº 6 do artº 89º que “Findos os prazos previstos no artº 276º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1º, e por um prazo objectivamente indispensável á conclusão da investigação”.
Ora, das disposições conjugadas dos artigos 86º e 89º do CPP resulta quanto á publicidade interna do processo que se o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil requererem a consulta do processo ou de elementos dele constantes, mas se o processo estiver em segredo de justiça, o MºPº pode opor-se por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos intervenientes processuais, requerendo então o adiamento de acesso aos autos, decidindo depois o juiz de instrução.
Como vimos, o legislador definiu os casos em que o segredo de justiça pode ser estabelecido e pela intervenção do juiz a quem a lei confia a sua adequação em cada caso, assim como o tempo de duração do segredo de justiça.
Ressaltam-se duas relevantes alterações instituídas pelo novo regime e que relevam para a decisão do caso em apreço.
A primeira, prende-se com o facto de a sujeição dos autos a segredo de justiça estar dependente de decisão nesse sentido (deixando de vigorar ex legis), decisão que compete à autoridade que dirige o inquérito (o MºPº), mas que terá de ser “validada” pelo Juiz de instrução (cfr. nº 3 do artº 86º). A intervenção judicial em sede de aplicação de excepções à regra da publicidade passou a ser uma constante. Na perspectiva legislativa já referida, também esta exigência de “validação judicial” visa conseguir um equilíbrio entre o direito de defesa do arguido e a preservação da prova ou os interesses da investigação.
A segunda, prende-se com a alteração dos limites temporais de vigência do segredo de justiça, agora estabelecidos em articulação com os prazos do inquérito.
No regime anterior o processo era secreto durante toda a fase de inquérito. Hoje, como vimos (nº 6 do artº 89º,CPP), o termo do segredo de justiça é estabelecido por referência ao termo do prazo normal de duração máxima do inquérito. O decurso integral do prazo do inquérito tem assim um efeito automático sobre o segredo de justiça: decorrido o prazo legal, o arguido, o assistente e o ofendido “podem consultar todos os elementos do processo”, quebrando-se assim o segredo interno, mantendo-se o segredo externo.
Contudo, a lei, temperando este sistema, admite que o prazo possa ser adiado pelo Juiz de Instrução, a requerimento do MºPº, por um período máximo de três meses, seja qual for a natureza do crime, admitindo ainda que o prazo possa ser prorrogado quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artº 1º, tratando-se de uma prorrogação excepcional, tendo em conta o tipo e gravidade da criminalidade em causa (terrorismo e criminalidade altamente organizada).
Neste caso, desta segunda prorrogação, estamos em crer que não tem um limite temporal, tendo a duração que for “objectivamente indispensável á conclusão da investigação” nas palavras da própria lei que assim o estabeleceu sem fixar qualquer prazo.
E bem se compreende que assim seja. Não seria concebível que o sistema processual não permitisse a prorrogação excepcional nos casos de maior gravidade e complexidade e que a lei reservou para situações de terrorismo e criminalidade altamente organizada. Depois, ao conferir tal decisão ao juiz de instrução que é o garante dos direitos, permite criar confiança na aplicação deste regime de prorrogação excepcional, assegurando-se que o interesse invocado pela entidade que dirige o inquérito não cerceia, de forma desproporcionalmente gravosa, os direitos de defesa do arguido, e é justificado.
Daqui resulta que o segredo de justiça interno pode ainda ser adiado, mesmo ultrapassados os prazos ordinários do Inquérito, vigorando assim para além do termo do prazo máximo do Inquérito.

10.Feita esta curta resenha dos regimes jurídicos em sucessão, no que tange ao segredo de justiça, na vertente do acesso aos autos, vejamos agora qual a repercussão das anotadas alterações na situação dos autos.
Esta sucessão de leis no tempo é abarcada no caso em apreço uma vez que o presente inquérito teve o seu início á luz do regime anterior, o que convoca o artº 5º do CPP que rege sobre a aplicação da lei no tempo.
O artº 5º do C.P.P. estabelece no nº 1 a regra tempus regit actum o que significa que os actos do processo criminal são regulados pela lei em vigor no momento da respectiva prática, “sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior”.
Se é verdade que a lei processual entra imediatamente em vigor, este preceito salvaguarda os actos validamente realizados no domínio da lei anterior, não permitindo que sejam atingidos retroactivamente pela lei nova. “In casu”, a sujeição do inquérito a segredo de justiça ocorreu validamente no domínio da lei anterior, e assim, quando entrou em vigor o novo regime, o inquérito encontrava-se já em segredo de justiça, não havendo, para esse efeito, que proferir qualquer decisão para fazer operar o segredo de justiça.
Estando o processo sujeito ao segredo de justiça aquando da entrada em vigor das referidas alterações, a questão subsequente prende-se com a aplicação dos novos prazos do inquérito agora previstos.
Como vimos, do confronto com o regime anterior verificou-se um encurtamento dos prazos, revelando-se assim a lei nova mais favorável, limitando temporalmente o regime de segredo de justiça. Assim sendo, nenhuma razão ocorre para que a regra geral de aplicação imediata da lei nova não operasse, passando-se agora a ter em conta na duração dos prazos do segredo de justiça, o que vem fixado na actual redacção do artº 89º, nº 6, do CPP.
E foi esse precisamente o sentido do decidido no douto acórdão da Relação de Lisboa de 23/01/2008. Da sua fundamentação resulta com clareza a consideração de que o inquérito se encontrava em segredo de justiça, sendo aplicável aos autos os novos prazos encurtados, por força do artº 5º, nº 1, do CPP.
E mostrando-se decorrido o prazo máximo do inquérito aquando da entrada em vigor da lei nova, e, tendo o MºPº, logo após a entrada em vigor do novo regime, requerido a prorrogação do prazo de vigência do segredo, por três meses, ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 89º do CPP/2007, opondo-se a que fosse permitido o “acesso aos autos” por parte dos arguidos que o haviam solicitado, e não tendo sido proferido despacho sobre tal requerimento do MºPº, determinou aquele douto acórdão, em 23/01/2008, que o tribunal a quo proferisse decisão sobre a requerida prorrogação do prazo, vindo o Mmº Juiz de instrução a deferir tal pretensão, por despacho proferido a 4/03/08.

11. E entramos finalmente na questão que é o cerne deste recurso: a de saber quando se iniciou a prorrogação do prazo de três meses, que o mesmo é saber se a decisão recorrida deveria ter permitido de imediato o acesso aos autos aos arguidos como solicitado, visto que afinal o prorrogado prazo de três meses já havia decorrido.

Vejamos:
Em primeiro lugar importa deixar claro que o processo nunca deixou de estar em segredo de justiça, contrariamente ao que afirmam os recorrentes. A sujeição do presente Inquérito a segredo de justiça ocorreu validamente no domínio da lei anterior como deixamos referido supra para cuja fundamentação remetemos, não havendo por isso que proferir qualquer despacho para produzir tal efeito. Daí que o despacho recorrido não enferme de qualquer nulidade.
Os recorrentes defendem a contagem sucessiva entre o prazo ordinário do Inquérito e o prazo do adiamento do acesso aos autos, conferido pelo artº 89º, nº 6 do CPP, e assim, este prazo de adiamento contar-se-ia a partir da data em que expire o prazo ordinário para a duração do Inquérito, pugnando, como corolário lógico, que a decisão que adiou o acesso aos autos por três meses se reporte ao passado, a Setembro de 2007, e assim, têm por findo tal prazo de prorrogação em meados Dezembro de 2007.
Uma coisa é certa. Esta tese da “contagem sucessiva dos prazos” não mereceu manifestamente o acolhimento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/01/08, bastando atentar que na data da sua prolação já tinha decorrido o prazo de três meses, donde não faria qualquer sentido que tivesse ordenado ao tribunal de 1ª instância para ponderar as razões invocadas para a eventual prorrogação do mesmo prazo se ele já tivesse decorrido.
Atentemos então na redacção do artº 89º, nº 6 do CPP.
Na interpretação do citado preceito legal temos de lidar com dois prazos: o prazo de duração máxima do inquérito, e o prazo de prorrogação do segredo interno, que neste caso foi de 3 meses. E a questão é justamente a de saber como os articular.
A interpretação preconizada pelos recorrentes levaria à necessidade de o Ministério Público ter forçosamente de requerer ao Juíz a prorrogação do prazo com alguma antecedência sobre o fim do prazo de duração do inquérito, pois findando o prazo do inquérito ainda não havendo decisão sobre tal requerimento, o segredo interno seria de imediato quebrado.
Mas, se bem olharmos, esta interpretação tem de ser de imediato afastada, pois não passa o teste do mais elementar bom senso. Começa logo por chocar frontalmente com a previsão legal, pois lendo com atenção vemos que em bom rigor a questão só se coloca quando o arguido, assistente ou ofendido vierem requerer a consulta dos autos, e tal pode suceder tempos depois, mais de 3 meses, após findo o prazo de duração máxima do inquérito. E aí, se seguíssemos esta tese da contagem sucessiva dos prazos, teríamos um resultado aberrante, que era o de suscitar a intervenção do Juiz de instrução, que concluiria que se justificava a prorrogação de 3 meses, mas como os mesmos se retrotraiem a um momento já passado, indeferia a pretensão do Ministério Público.
Por outro lado, iria obrigar o Juíz a um exercício intelectual diabólico, contraditório, e inútil, como seja o de saber se deveria analisar as circunstâncias que aconselhavam a manter ou a levantar o sigilo vigentes à data em que realmente a questão lhe foi colocada, ou antes à data em que findou o prazo de duração máxima do inquérito, para sempre concluir que até se justificava a manutenção do segredo mas como o prazo já decorreu, importa levantá-lo.
Entendemos assim que a interpretação da contagem sucessiva dos prazos não faz qualquer sentido e não tem qualquer apoio legal. Na verdade, não decorre da lei que o prazo tenha necessariamente que se suceder.
O que acontece é que a faculdade de consulta dos autos é conferida aos sujeitos processuais logo que decorridos os prazos ordinários do Inquérito. Mas a lei consagra a possibilidade de tal acesso ser adiado o que ocorre mediante decisão do Juiz de instrução (cfr. nº 6 do artº 89º,CPP).
Então, quando solicitado o acesso aos autos, o Ministério Público, analisando a questão nesse momento, pode requerer ao Juíz de Instrução que impeça o acesso aos autos por mais 3 meses. E se o Juíz concordar com os argumentos do Ministério Público, defere essa prorrogação, a qual, como é evidente, se conta a partir do momento da decisão. Porque, vendo bem, não se trata de somar mais 3 meses a um prazo que estava a correr, e que não comporta hiatos, antes se trata de adiar o acesso à informação contida no processo por mais um determinado período de tempo.
Esta a solução que nos parece por demais evidente.

12.Dito isto, temos de concluir que o tribunal a quo fez uma interpretação correcta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/01/2008, procedendo a uma correcta interpretação da lei, ao determinar a contagem para o futuro do prazo de três meses de prorrogação, não merecendo por isso a decisão recorrida qualquer reparo.

Improcede, pois o recurso.

*
III-Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 6 Ucs.
Notifique.

*

Lisboa, 17/09/2008

Elaborado, revisto e assinado pela Relatora Conceição Gonçalves e assinado pela Desembargadora Margarida Ramos de Almeida.
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