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 - ACRL de 22-02-2006   Incidente de quebra de sigilo bancário, valor supra individual, exclusão da ilicitude
I - No caso concreto, é licita a quebra do sigilo bancário como meio adequado para alcançar o fim em vista, sendo que os elementos abrangidos por tal sigilo se revelam absolutamente indispensáveis à investigação criminal, revelando-se de grande utilidade à comprovação dos ilícitos e respectiva autoria.
II - Não há dúvida que, o interesse em não deixar por punir um crime, que é de interesse público, tem um valor sensivelmente superior ao da manutenção da reserva da vida privada do cidadão consumidor de serviços financeiros e ao interesse da banca em manter uma relação de confiança com os seus clientes, interesses de natureza privada.

( nota: favorável ao parecer nº 623/06 do MP) consultar
Proc. 1637/06 3ª Secção
Desembargadores:  Conceição Gomes - Teresa Féria - Isabel Duarte -
Sumário elaborado por Maria José Morgado
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PROC. Nº 1 637/06 (3ª)

Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

1. RELATÓRIO.
1.1. Nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Loures (3º Juízo Criminal), corre termos o processo de inquérito nº 111/04.3PFLRS contra Desconhecidos com base no auto de denúncia de fls. 4 a 9, levantado pela PSP, por factos eventualmente integradores de um crime de furto, p. e p., pelo art. 203º, do CP, tendo por objecto um telemóvel, que vem funcionando na rede “Vodafone” mediante a utilização de um cartão pré-pago cujo carregamento é obtido através da conta bancária aberta junto do Banco Totta & Açores, Lda.
1.2. No âmbito do referido inquérito foram solicitadas ao Banco Totta & Açores, Lda informação sobre qual a identificação do (s) titular (es) da conta bancária através da (s) qual (is) foram efectuados os carregamentos
1.3. O Banco Totta & Açores, Lda recusou fornecer os elementos invocando o segredo bancário a que estão sujeitos tais elementos, nos termos do art. 78º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31DEZ (fls.36).
1.4. Face a tal recusa o MºPº requereu ao Mmº Juiz de Instrução, que se ordenasse ao Banco Totta & Açores, Lda, abrigo do disposto no art. 79º, nº2, al d), do DL nº 298/82, de 21DEZ, conjugado com o art. 182º, do CPP, a remessa aos serviços do MºPº de Loures os elementos bancários solicitados (fls. 43 e 44).
1.5. O Mmº Juiz de Instrução por despacho de fls. 47 a 48, requereu a este Tribunal decisão sobre a quebra do sigilo bancário, uma vez que há legitimidade na escusa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 135º, nº 3, do CPP
1.6. O Exmº PGA emitiu Parecer no sentido de que é o Mmº JIC a entidade competente para decretar a quebra do sigilo bancário, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos legais.
1.7. Foram colhidos os vistos legais.
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2. O DIREITO.
2.1. O Regime Geral de Instituições de Crédito e sociedades Financeiras, aprovado pelo DL. nº 298/92, de 31DEZ, prevê um conjunto de regras de conduta, cuja finalidade é proteger de forma eficaz a posição do consumidor de serviços financeiros. Nesta conformidade o art. 78º, nº 2, do citado diploma consagra que “estão designadamente sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e os seus movimentos”, constando o sigilo profissional dos arts. 78º a 84º.
Por seu turno o art. 87º, do mesmo diploma determina que “a violação do segredo profissional é punível nos termos do Código Penal”.
No entanto a garantia da confidencialidade dos dados na posse das instituições bancárias, não se estabeleceram em princípios absolutos, sem prejuízo de se assegurar o respeito pela reserva da vida privada dos cidadãos.
Com efeito, o art. 79º, nº 2, al. d), do citado DL. nº 298/92, de 31DEZ, permite a revelação dos factos e elementos cobertos pelo segredo profissional, nos termos previstos na lei penal e processual.
Conforme refere o Prof. Manuel da Costa Andrade (1) , “tanto o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve, como o direito ao sigilo que a lei processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra individual e institucional sobre o que deve assentar o exercício de certas profissões. Isto no contexto de relações de primado e hierarquia, concretamente modeladas e estabelecidas pelo legislador”.
2.2. No campo do direito processual, toda esta matéria tem de ser enquadrada no contexto de relações de primado de valores e hierarquia de interesses e deveres (2).
No Código Penal revisto pelo DL. nº 48/95, de 15MAR, o crime de violação de segredo profissional vem previsto no art. 195º, do CP, excluindo-se apenas do seu âmbito de aplicação a revelação de segredo profissional com consentimento.
Ao invés na redacção do CP/82, o art. 184º, excluía desse mesmo âmbito de aplicação a revelação de segredo com justa causa ou com consentimento de quem de direito, estabelecendo o art. 185º do mesmo Código, os pressupostos da exclusão da ilicitude da violação do segredo profissional e que servia de fundamento à quebra desse segredo, preceito este que não tem correspondência no Código Penal actualmente em vigor. Em resultado dessa revisão do CP levada a cabo pelo DL. nº 48/95, de 15MAR, em que foi eliminada a referida cláusula da exclusão da ilicitude constante da versão originária do CP/82, o CPP aprovado pela Lei nº 59/98, de 25AGO, o art. 135º, nº 2, consagra que “havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento”, preceituando o nº 3, do citado normativo que “o tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado (…) pode decidir da prestação de testemunho com quebra de segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento”, não tendo, porém, aplicação o preceituado no nº 3, ao segredo religioso (nº 4, do art. 135º, do CPP).
2.3. Do exposto resulta que, a intervenção do Tribunal Superior na resolução do incidente previsto no art. 135º, nº 3, do CPP, surge se o Tribunal considerar que a escusa é legítima mas, mesmo assim, entende que, no caso concreto a quebra do sigilo profissional se mostra justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante (3).
Ora, não há dúvida que o interesse em não deixar por punir um crime, que é de interesse público, tem um valor sensivelmente superior ao da manutenção da reserva da vida privada do cidadão consumidor de serviços financeiros e ao interesse da banca em manter uma relação de confiança com os seus clientes, interesses de natureza privada.
2.4. Assim sendo, no caso subjudice, é lícita a quebra do sigilo bancário como meio adequado para alcançar o fim em vista, sendo que os elementos abrangidos por tal sigilo revelam-se absolutamente indispensáveis à investigação criminal, revelando-se de grande utilidade à comprovação dos ilícitos e respectiva autoria.
A investigação em curso procura averiguar a eventual prática de um crime de furto, p. e p., pelo art. 203º, do CP.
Neste sentido, in casu, tem-se por excluída a ilicitude da violação do dever de sigilo bancário a que estava obrigada a instituição bancária, em causa, ou seja, o Banco Totta & Açores, Lda, considerando-se, ao abrigo do disposto no art. 135º, nº 3, do CPP, legítima a quebra do sigilo bancário.
***
3. DECISÃO.
Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em considerar legítima no caso dos autos a quebra do sigilo bancário, e em consequência determinar que o Banco Totta e Açores, Lda forneça os elementos solicitados pelo Digno Magistrado do MºPº.
Sem tributação.
***
Lisboa, 06-02-22
RELATORA: Conceição Gomes
ADJUNTOS: Teresa Féria /Isabel Duarte

1) - “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, pág. 53.
2) - vide Ac. da RL de 04DEZ96, in CJ 1996, Tomo v, pág. 154.
3) - vide Ac. da RL de 04DEZ96, in loc. cit.
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