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03-11-2011   Diversas
BURLA INFORMÁTICA, FALSIFICAÇÃO OU ACESSO ILEGÍTIMO. CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO. RESULTADO TÍPICO. LOCAL DO COMETIMENTO DO CRIME. ARTº 7 DO CP E ARTº 264 DO CPP.
Atribuiu-se a competência em razão da agência da conta bancária fraudulentamente debitada, pese a queixa ter sido feita em Lisboa, no desconhecimento do local onde o agente actuou.
PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

CONFLITO NEGATIVO
DIAP de Lisboa – Comarca do Funchal
NUIPC 561/11.9 S7LSB
PA. 39/2011

DESPACHO N.º 157/2011


É suscitada a minha intervenção na resolução de um conflito de competência opondo magistrados do Ministério Público do DIAP de Lisboa e da Comarca do Funchal, no inquérito com o NUIPC 561/11.9 S7LSB.

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O processo foi registado inicialmente no DIAP de Lisboa, na sequência de uma queixa apresentada em Lisboa por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de burla informática, p. e p. no art. 221.º do Código Penal, e, dependendo da forma de actuação do agente, de um crime de falsificação de moeda, p. e p. pelos artigos 262.º, n.º 1, e 267,º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma, ou um crime de acesso ilegítimo, p. e p. no art. 6.º da Lei 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime).

Em síntese, alguém, de forma e em local não apurado, em Portugal ou no estrangeiro, adquiriu bens e serviços mediante débito ilegítimo no cartão de crédito do ofendido, cartão este associado a uma conta bancária sedeada no Funchal onde as quantias foram ou serão debitadas. O ofendido, de nacionalidade portuguesa, reside na Áustria.

O DIAP de Lisboa entende ser competente para a realização do inquérito a comarca do Funchal, local onde se situa a conta bancária associada ao cartão de crédito.
Por sua vez, a comarca do Funchal entende ser o DIAP de Lisboa, primeiro a ter notícia do crime, não só por se desconhecer onde o agente actuou como, e aqui reside o essencial da divergência, considerar que o património de uma pessoa, como conjunto de direitos e obrigações avaliáveis em dinheiro, não pode ser associado à sede de uma conta bancária, mas antes ao sujeito das posições jurídicas, logo, ao local onde o ofendido se encontra fisicamente. Uma vez que se desconhece onde a vítima se encontrava na altura do crime, a competência deverá ser determinada pelo critério supletivo previsto no art. 264.º, 2, do Código de Processo Penal.

*
Nos termos do art. 264.º, 1, do CPP, é competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido.

Ao contrário do que consta no art. 19.º do CPP (competência do Tribunal para conhecer de um crime), em que o critério é o da consumação, o art. 264.º, 1, do CPP remete para o cometimento, conceito mais abrangente e mais adequado à eficácia da investigação.

Na verdade, o Código Penal refere no seu artigo 7.º que o facto se considera praticado tanto no lugar em que o agente actuou como naquele em que o resultado típico se tiver produzido, elementos que terão de ser investigados no inquérito e fazer parte de uma eventual acusação a proferir.
Ou seja, para que uma comarca seja competente para realizar um inquérito basta que algum daqueles elementos se situe na sua área de competência territorial. Apenas se poderá recorrer ao critério supletivo da notícia do crime, previsto no art. 264.º, n.º 2, do CPP, quando todas essas circunstâncias forem desconhecidas.

Vertendo ao caso dos autos, ambas as comarcas reconhecem desconhecer-se o local onde o agente actuou, até porque se desconhece como o crime foi praticado. A divergência surge apenas quanto ao local onde o resultado típico se produziu: o DIAP de Lisboa entende que o resultado se produziu no local onde a conta bancária se encontra sedeada e a comarca do Funchal entende que o resultado se produz onde o ofendido se encontrar no momento do crime.

Reconhecemos que a desmaterialização da actual realidade financeira, tanto do ponto de vista das entidades fornecedoras de serviços, muitas vezes sem “balcões” próprios, como do ponto de vista dos clientes, que passaram a ter em qualquer suporte informático e/ou de telecomunicações um “balcão” para fazer uma multiplicidade de transacções financeiras, poderá, em certos casos, fazer repensar o conceito de “local de produção do resultado típico”.
Em rigor, o património bancário de uma pessoa concretiza-se num registo informático e contabilístico nos serviços centrais de um banco, sendo os balcões meras extensões, algumas vezes desligadas da residência corrente do titular (pense-se, por exemplo, nas contas abertas por correio ou internet).

Mas, e cumpre ter em conta que estamos perante uma regra aplicável a todos os crimes contra o património, passar a desconsiderar o local onde os bens se encontram, para valorizar os direitos que sobre eles incidem e, por esta via, o local onde o titular se encontra no momento do crime, é um critério inadequado para a determinação da competência territorial em matéria penal.

A competência para a investigação passaria a ser determinada por um local que pode ser totalmente aleatório e transitório, como aliás o próprio despacho do Funchal reconhece, quando menciona desconhecer-se o local onde o resultado se produziu porque o ofendido, que estaria em férias em Portugal, “movimentou-se por grande parte do território Português”.
Este entendimento levaria ainda, como o presente caso evidencia, a uma aplicação muito frequente da regra prevista no art. 254.º, 2, do CPP, contrariando a sua natureza supletiva, ou a criar uma regra de competência – a residência do ofendido -, não prevista na lei.


Acresce que, apesar da crescente “desmaterialização” do património financeiro, o local da sede da conta ainda é, sociologicamente, o local de residência do ofendido – sendo comum o pedido de transferência da conta quando o titular muda de residência.

Pelo exposto, ao abrigo da norma do n.º 1 do art. 264.º do CPP, decido atribuir a competência para o inquérito com o n.º 561/11.9 S7LSB ao Ministério Público a exercer funções na Comarca do Funchal.

Comunique à Directora do DIAP de Lisboa e à Magistrada Coordenadora do DIAP da comarca do Funchal.

Cumprido, arquive.

Lisboa, 3 de Novembro de 2011

A Procuradora-Geral Distrital


Francisca Van Dunem
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