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15-12-2004   Temáticas específicas
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Reflexão sobre boas práticas judiciárias no Tribunal da Relação, face ao novo regime da Lei n.º 65/2003, de 23/8.
Com o presente texto pretende-se reflectir sobre as boas práticas judiciárias susceptíveis de serem aplicadas nesta Relação, face ao novo regime introduzido pela dita Lei 65/03 de cujo regime geral da extradição - constante da Lei 144/99, de 31/8 -, aquele foi autonomizado, tornando-se necessário aplicá-la em sintonia com o princípio do reconhecimento mútuo [1] e a Decisão Quadro (DQ) n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13/6, que foi publicada no JOCE L 190/1, de 18/7.

O dito novo regime projecta-se, especialmente, nos crimes inseridos nos núcleos do art. 2.º n.º 2 da Lei - a todos os quais corresponde a privação da liberdade superior a 3 anos -, e a outros relativamente aos quais não existe a possibilidade de recusa de entrega de pessoas, pelo menos com certos fundamentos, como são os respeitantes a contribuições e impostos, alfândegas e câmbios - cfr. ainda art. 12.º n.ºs 1 al. a) “ a contrario” e 2 da Lei 65/03.

Importa precisar, na medida do possível, em que casos e em que termos se pode/deve condicionar a entrega pedida, nomeadamente, em função dos sujeitos, em que se inclui a de cidadãos nacionais, e de um sistema de garantias judiciárias no quadro do previsto nos arts. 33.º n.ºs 3, 4 e 5 da Constituição, assim evitando situações de eventual repercussão negativa, inclusivamente pública, ou a nível internacional, que também podem existir quanto a bens que com os mesmos tenham de ser entregues, nos termos do art. 32.º da Lei 65/03.

Assim, e face ao formalismo instituído, são de salientar os seguintes aspectos, segundo o trajecto previsível do respectivo pedido e documento/ notação em que o mesmo assente:


I – Transmissão do mandado de detenção (art. 4.º da Lei 65/03).

Sendo a Lei 65/03 aplicável aos pedidos de detenção originados em qualquer dos Estados membros da União Europeia, e desde já aos que transpuseram a DQ, os mesmos são de aceitar, se formulados através da:

- transmissão, após 1/1/04, do original de um mandado de detenção emitido por uma sua autoridade competente, directamente ou através de contacto da Rede Judiciária Europeia, nos termos dos arts. 9.º n.º 1 da DQ, 4.º n.º 1 e 5.º n.ºs 1 e 4, e 40.º da Lei 65/03;

- indicação inserida, após a mesma data, no sistema de Informação de Schengen (SIS), após 1/1/04, da qual constem os elementos constantes do modelo anexo à referida DQ ( semelhante ao que consta em anexo à Lei n.º 65/2003).

Os sujeitos do mandado de detenção podem ser qualquer pessoa maior de 16 anos (art. 4.º n.º 6 da LQ, 11.º al. c), 12.º n.º 1 al. g) da mesma Lei e 19.º do C. Penal), com ou sem entrega de objectos, sejam eles:

- cidadão “nacional”;

- cidadão estrangeiro, “residente” no país;

- cidadão estrangeiro que se “encontre” no país.

O objecto do dito mandado de detenção é, em geral:

- procedimento penal, por crime punível com prisão não inferior a 12 meses; ou

- cumprimento de pena de prisão não inferior a 4 meses; ou

- cumprimento de medida de segurança não inferior a 4 meses.


II - Audição do detido, pelo Ministério Público (art. 18.º da Lei 65/03):

Não sendo indicado sobre o que o detido é de ouvir, e não constando se o mesmo pode ser solto, é de considerar que é de proceder à audição para despiste dos casos previstos no art. 261.º do C.P.P., nomeadamente de erro sobre a pessoa, sendo ainda subsidiariamente aplicável o disposto nos arts. 92.º, 141.º n.º 3 e 143.º do C.P.P..

Sendo necessário proceder à nomeação de defensor e/ou de intérprete, é de obter a indicação de defensor, através da Ordem dos Advogados, e de intérprete, contactando empresa idónea, e anexando ao auto de audição, pelo Ministério Público, a respectiva nota de despesa.

Considerando ainda que se encontra previsto que a audição judicial tenha lugar em acto seguido àquela audição pelo Ministério Público, convém que o detido seja em concreto questionado sobre se é nacional português, ou se, sendo estrangeiro, é residente no país, e se é portador de documentação oficial, provisória ou definitiva, sendo de o ouvir sobre a possibilidade de devolução, a que alude o art. 13.º al. c) da Lei 65/03.

Posteriormente, é de proceder, em princípio, à promoção e entrega do expediente e do detido ao tribunal da Relação, a fim de todo o expediente ser de distribuir como processo de cooperação judiciária internacional em matéria penal e se proceder à apreciação liminar do processo de execução, e ao 1.º interrogatório judicial do detido, nos termos do art. 18.º n.º 2 da Lei 65/03.

No entanto, no caso de ter sido comunicada a detenção, mas não ser possível, ou não ser previsível, que a audição do detido pelo juiz relator no prazo de 48 horas [2], é de dar lugar à aplicação do disposto no art. 19.º da Lei 65/03, sendo de comunicar tal à entidade policial que tiver procedido à detenção.


III – Apreciação liminar do processo de execução (art. 16.º da Lei 65/03).

Conforme acima exposto, o juiz relator tem de proceder à apreciação liminar sobre a suficiência de informações constantes do art. 16.º da Lei 65/03, o que implica, segundo esta:

a) Um controlo formal, sendo de verificar se existe:

- a recepção de um mandado em boa e devida forma – art. 39.º;

- a tradução para português;

- a integração da infracção imputada ao arguido num dos núcleos de previsão do art. 2.º, respeitante a infracção a que seja aplicável pena de prisão ou medida de segurança não inferior a 3 anos;

- a conformação do conteúdo do mandado com o disposto no art. 3.º n.º 1;

- lugar a um benefício decorrente da regra da especialidade, nos termos do art. 8.º;

- uma regra de privilégio ou imunidade, nos termos do art. 27.º.

b) A verificação da não existência de motivos de recusa obrigatórios:

- quer o previsto no art. 2.º n.º 2, com a ressalva constante do art. 12.º n.º 2;

- quer os referidos no art. 11.º.

c) Verificação da não existência dos motivos de recusa facultativos mencionados no art. 12.º.

d) Verificação se a situação se enquadra numa das situações em que se impõe à autoridade judiciária portuguesa exigir a prestação de garantias e que se encontram previstas no art. 13.º.

e) Verificação se, por via da utilização do mandado se não colocam em causa os “direitos fundamentais” da pessoa procurada, tal como estabelecidos no art. 6.º do Tratado da União Europeia - art. 1.º n.º 3 da DQ.

Assim, explicita-se que, quando a detenção for efectuada com base numa indicação SIS, é de solicitar a obtenção de mandado, o qual, em regra, não constará quando a detenção tiver sido efectuada com base na indicação SIS, nos termos do art. 4.º n.º 4 da Lei 65/03 - segundo o que resulta do art. 4.º e 39.º da Lei 65/03, tal indicação “produz os mesmos efeitos” daquele mandado, apenas “enquanto se aguarda a recepção do original em boa e devida forma”.

Também se torna necessário que o mesmo seja traduzido para português. Não constando, entende-se ser, em princípio, de a solicitar, sem prejuízo de poderem ser aceites os anteriores acordos a dispensá-la, nomeadamente, com a Espanha [3].

De notar que várias regras de recusa facultativa são de acolher, nomeadamente, quanto à constante na al. a) do art. 12.º, face à referência expressa nesse sentido constante do art. 2.º n.º 3 da Lei 65/03. Quanto às alíneas b) a d) e f), de acordo com o que vier a ser declarado e das eventuais diligências que se imponham.

Assim também relativamente à prescrição, constante da alínea e) desse dispositivo, em que se admite a aplicação de regras decorrentes de sistemas, como o português, que se regem por princípios próprios, como o da legalidade – art. 2.º do C.P.P..

Igualmente é de dar lugar a recusa nos casos da al. g) - factos praticados no território nacional, ou equiparado, ou relativamente a factos cometidos fora do território do Estado de emissão e a que não seja aplicável a lei portuguesa – afr. art. 6.º do C. Penal.

Nos termos da al. f), consagra-se ainda outra causa de recusa, com aplicação, pois, a factos cometidos no Estado de emissão, não excepcionados na al. g): a mesma poderá ainda ser de aplicar relativamente a crimes do núcleo do art. 2.º n.º 2, ou que não fiquem abrangidos pela ressalva do art. 12.º n.º 2 da Lei 65/03 - cfr., nomeadamente, quanto a cidadãos nacionais, os termos dos arts. 33.º n.ºs 3 e 5 da Constituição, 2.º n.º 2 da DQ e 2.º n.º 3 da Lei 56/03.

Com efeito, essa recusa, projectando-se em cidadãos portugueses, é de aplicar, desde que seja possível prestar o compromisso a que alude o dito art. 12.º n.º 1 al. g), entendendo-se que é de praticar relativamente a crimes que sejam puníveis, segundo a lei portuguesa. Trata-se de requisito que, vinculando também os cidadãos estrangeiros que residam em Portugal, ou que se encontrem no país, pode ainda sofrer nestes casos outras limitações, como as decorrentes de os crimes terem sido praticados contra portugueses – cfr. ainda art. 12.º n.º 2 al. g) e 5.º do C. Penal.

No caso de pedidos de detenção, que digam aos mesmos respeito, mas para procedimento criminal, não funciona, pois, tal regime de recusa. Assim, relativamente a todos esses pedidos, incluindo os que digam respeito a crimes do núcleo do art. 2.º n.º 2 ou que fiquem abrangidos pela ressalva do art. 12.º n.º 2, apenas é de exigir garantia de devolução da pessoa entregue, e de acordo com a vontade da mesma, no caso de ser cidadão português [4] ou estrangeiro residente que se tenha manifestado expressamente nesse sentido – cfr. art. 13.º al. c) da Lei 56/03.

Entende-se ainda, e quanto a garantias que:

- As relacionadas com julgamento na ausência, são, em princípio, de aceitar, de acordo com o que constar do modelo remetido, mas, tendo de ser prestadas pela autoridade judiciária de emissão, devam constar de decisão irrevogável – al. a) do dito art. 13.º;

- as respeitantes à aplicação de pena ou medida de segurança perpétua, sejam também de aceitar, de acordo com o que já consta do modelo remetido, sendo, para além do mais, de solicitar cópia das normas nos casos que se configurem como duvidosos – al. b) do mesmo.

Assim, sempre que seja, pois, de completar as informações prestadas, ou seja de prestar garantia, nomeadamente quanto a procedimentos respeitantes a cidadãos portugueses, é de promover que seja fixado prazo, sendo aconselhável que o mesmo seja fixado em 10 dias, prorrogável, nomeadamente, em caso de oposição do detido, em princípio, até 30 dias, contados desde a detenção (anteriormente dispunha-se no art. 64.º n.º 3 da Lei 144/99, o prazo de 18 dias, eventualmente prorrogável até 40 dias) - atente-se ainda a tramitação subsequente e o prazo máximo previsto no art. 30.º da Lei 65/03.

Neste caso, é ainda de promover que se solicite o que constar em falta, via FAX, seguida de correio urgente, indicando o prazo fixado, com a advertência, à autoridade judiciária de emissão, que o não envio do que se encontra em falta, no prazo fixado, salvo motivo que seja invocado, poderá acarretar a libertação do detido e o eventual comprometimento do procedimento, o que pode ser efectuado por comunicação:

- à autoridade emitente, sempre que possível, nomeadamente, face às necessidades de tradução; ou

- através da P.G.R., expressando a necessidade de tal ser transmitido ao Estado emitente, com a respectiva tradução.

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IV - Audição do detido pelo juiz relator, oposição e decisão, com ou sem entrega de bens ( art. 18.º e 20.º, 21.º e 32.º da Lei 65/03).

A dita audição obedece a um formalismo semelhante ao anterior – cfr. actualmente o dito art. 18.º n.ºs 3, 4 a 6.

Contudo, tendo o detido dado “consentimento de forma irrevogável em plena consciência das consequências do seu acto” à execução do mandado, é de dar lugar à homologação do consentimento, em 10 dias, prazo em que é, pois, de conter aquele que seja eventualmente fixado para completar o pedido – art. 17.º n.º 2 da DQ e 26.º n.º 1 da Lei 65/03.

No caso de oposição à execução do mandado, nos termos do art. 21.º da Lei 65/03, é de levar em conta que o prazo a fixar, segundo o seu n.º 4, não pode ser inferior ao que esteja em curso prazo para se completar o pedido – eventualmente razoável então o de 12 dias -, a que se segue a decisão, em 5 dias – art. 22.º n.º 1 da Lei 65/03.

A decisão tem lugar em conferência – art. 419.º n.º 4 al. d) do C.P.P..

A mesma deve englobar matérias específicas, como as respeitantes a garantias e outras como a referente à entrega judicial de bens apreendidos, se for caso disso.

No caso do processo de execução/detenção ter lugar com apreensão de bens, o que pode ocorrer:

- a pedido expresso do Estado emitente do mandado; ou

- por iniciativa das autoridades judiciárias ou policiais portuguesas;

a mesma necessita de ser validada, nos termos do art. 178.º n.º 5 do C.P.P., o que compete ao juiz relator.

Após a mesma ocorre ainda decisão de entrega, a qual deve incidir sobre se existem direitos do Estado Português ou de terceiros a salvaguardar, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 3 e 4 desse dispositivo.

Finalmente, é de levar em conta que a detenção não se pode manter por prazos superiores aos previstos no art. 30.º da Lei 65/03. Assim, não sendo interposto recurso, tal prazo é de 60 dias, findo o qual, sem que tenha sido proferida decisão pelo tribunal da Relação, o detido tem de ser solto.


VI – Entrega (art. 29.º da Lei 65/03).

O prazo da entrega encontra-se previsto no art. 29.º da mesma, sendo de 10 dias, findo o qual o detido tem também de ser solto, salvo caso de força maior de qualquer dos Estados membros.

Neste caso, procede-se a comunicação com a autoridade judiciária de emissão, no sentido de ser acordada nova data de entrega em mais 10 dias, findo o qual o detido tem de ser solto.

Contudo, é de entender que a entrega pode ser suspensa, conforme previsto no n.º 4.º, por motivos humanitários graves. Sendo relacionados com a pessoa do detido, é subsidiariamente aplicável o disposto no art. 211.º do C.P.P., embora se justifique efectuar o controle do evoluir da situação com a periodicidade de 10 dias, até que o perigo para a vida ou saúde cesse, com comunicação ao fim de 30 dias ao Estado de emissão do mandado – espírito do dito art. 29.º e art. 17.º n.º 4 da LQ.


VII - Nova decisão sobre a regra da especialidade (arts. 7.º e 8.º da Lei 65/03).

Quando se torne necessário tomar nova decisão sobre a regra da especialidade, por respeitante a pessoa já anteriormente entregue, quer para ser julgada por outro processo, quer noutro país aderente ao regime do MDE, é de entender que:

1 - continua a ser necessário instruir os respectivos pedidos com os 'autos de consentimento' dos visados e sendo de os obter, ou outros elementos, é de promover que os mesmos sejam remetidos em 15 dias, aplicando-se por analogia o art.º 16.º n.º 3 da Lei 65/03;

2 - o decurso do prazo previsto no art. 7.º n.º 4 al. e) e no art. 8.º n.º 4 al. c) da Lei 65/03, não dispensa a necessidade de se proferir decisão sobre o respectivo pedido, sendo de proceder também a comunicação nesse sentido ao Estado de emissão do pedido ao fim de 30 dias.


Processado e revisto a 15/12/04.

Procurador-geral-adjunto,

(Paulo J. R. Antunes)

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[1] Segundo informações recolhidas nesta data, é, para já, aplicável na Bélgica, Espanha, Finlândia, Irlanda, Portugal, Reino Unido, Suécia, França, Hungria, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Polónia, Eslovénia, Áustria, Malta, Chipre, Letónia, Alemanha, Estónia, Grécia, Eslováquia, República Checa, Itália, Dinamarca, Roménia e Bulgária. Quanto a futuras adesões, e num quadro de uma Comunidade alargada, a partir de Julho, cfr. o site www.atlas.mj.pt, acessível com a “password” já divulgada pela circular n.º 4/02-Lº RC/Procº 0233/02 Lº115, de 2002-03-01, da PGR; contactos que sejam necessários podem também ser estabelecidos com a P.G.R., Tel. 21 392 19 00, ou Fax 21 382 03 01.
(nota actualizada em 28-04-2008)

[2] O que pode acontecer, nomeadamente, às 6.ªs feiras à tarde, atenta a hora tardia da apresentação, e a inexistência de turnos neste Tribunal aos fins-de-semana.

[3] Cfr. ponto 5 al. b) da circular n.º 4/02-Lº RC/Proc º 0233/02 Lº 115, de 2002-03-01, da PGR, com a indicação de alguns endereços de autoridades judiciárias espanholas.

[4] Com efeito, quando a garantia incida sobre a aplicação da condição do cidadão português, pode mesmo presumir-se ser essa a sua vontade, salvo manifestação em contrário, conforme resulta da doutrina subjacente à Convenção de Dublin, aprovada pelo Decreto do Presidente da República 40/98, de 5/9.

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