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26-03-2003   Temáticas específicas
REFLEXÕES SOBRE O CRIME DE CHEQUE SEM PROVISÃO
Proposta para reanalise das vantagens e inconvenientes de se manter o regime jurídico penal vigente
MEMORANDO
REFLEXÕES SOBRE O CRIME DE CHEQUE SEM PROVISÃO
*
O regime jurídico penal vigente do crime de cheque sem provisão consta do Decreto-Lei n.º 454/91 de 28 de Dezembro, com as alterações operadas, em vários de seus artigos, pelo Decreto-Lei n.º 316/97 de 19 de Novembro.

O diploma que procedeu às alterações (o D.L. 316/97) enunciava no seu relatório os objectivos a que se propunha, escrevendo-se, nomeadamente que a alteração procurava “extirpar as causas que mais terão contribuído para a menor eficácia do regime vigente, quer pela simplificação e clarificação dos deveres impostos às instituições bancárias e pela prescrição de sanções para o seu incumprimento, quer pelo aperfeiçoamento das normas incriminadoras (artigo 11.º), e tornando mais claro que o cheque emitido para garantia de pagamento ou emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador não goza de tutela penal (artigo 11.º n.º 3) por, em qualquer dos casos, não constituir meio de pagamento em sentido próprio”.

E os propósitos enunciados foram em grande parte atingidos, com benéficos efeitos no sistema, essencialmente pela descriminalização dos cheques pré-datados e daqueles de valor igual ou inferior a 12.500$00.

Para demonstrar os efeitos benéficos produzidos no sistema de justiça bastará deixar consignado o seguinte: Quando da edição do Decreto-Lei n.º 316/97, na comarca de Lisboa, o número de inquéritos penais iniciados no período de um ano situava-se em cerca de 20.000; com o regime legal instituído de novo, o número de inquéritos iniciados também no período de um ano baixou praticamente para cerca de 4.000, também na comarca de Lisboa.

Mas o decorrer do tempo vem procedendo à recuperação de uma situação que já consente ser qualificada pelo menos de preocupante.

É essa realidade nova que é causa próxima das presentes reflexões que se traduzem de um lado em enunciar dados estatísticos recentes, de outro numa observação, de outro ainda em perguntas que serão deixadas sem respostas, por fim na formulação de proposta de reanálise para quem detém o poder político legislativo.

Iniciemos pela análise DE DADOS ESTATÍSTICOS, todos eles reportados à comarca de Lisboa e referentes ao ano de 2002.

Iniciaram-se 8.209 inquéritos que tinham por objecto o crime de cheque sem provisão, o que representa cerca de 9% do número de inquéritos iniciados;

Deram-se 3.463 despachos de acusação por crimes de cheque sem provisão, o que representa 42% do número de inquéritos iniciados tendo esse crime por objecto, e 32% das acusações dadas em inquéritos;

Aos Juízos Criminais foram distribuídos 3.260 processos dessa espécie, para julgamento, o que representa cerca de 36% do número de processos distribuídos para essa fase processual;

Nos mesmos Juízos Criminais julgaram-se 3.349 processos dessa natureza, percentagem de 45% dos processos julgados.

Estes dados consentem a seguinte OBSERVAÇÃO:

Para tratar este volume processual, pode calcular-se, pelo mínimo, que é necessário empenhar durante um ano, em exclusividade, 20 magistrados (Judiciais e do Ministério Público) e 40 oficiais de justiça.

Ainda os dados estatísticos e a observação feita fundamentam as seguintes PERGUNTAS:

Os interesses acautelados pela incriminação do cheque sem provisão justificarão prosseguir-se com a protecção criminal que a lei lhes confere?

O dispêndio de meios do sistema judiciário e o evidente contributo, não negligenciável, para a morosidade da Justiça, não aconselharão repensar a problemática do crime de cheque sem provisão?

Sem pretender responder directamente às perguntas formuladas, mas também sem esquecer os dados estatísticos enunciados e a observação feita, permitimo-nos formular a seguinte PROPOSTA:

Se reanalisem todos os factores que vêm sustentando a criminalização do cheque sem provisão de modo a perspectivarem-se as vantagens e inconvenientes de se manter o regime jurídico penal vigente.

Lisboa, 26 de Março de 2003
O Procurador-Geral Distrital
(João Dias Borges)
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