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04-05-2006   Temáticas específicas
O INSTITUTO DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Perspectiva da actuação do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento e em sede de Processo Sumário

O INSTITUTO DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PERSPECTIVA DA ACTUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DO TRIBUNAL COMPETENTE PARA O JULGAMENTO E EM SEDE DE PROCESSO SUMÁRIO



I)
O Art.281º DO C.P.P. consagra os requisitos de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo e insere-se no Livro VI (Das Fases Preliminares), Título II (Do Inquérito), Capítulo III (Do Encerramento do Inquérito), fase esta preliminar presidida pelo Ministério Público.

Igualmente na fase preliminar de Instrução (Título III, Capítulo IV) se prevê, no art.307º, nº2, do C.P.P., a aplicação (“correspondentemente aplicável”) do disposto no art.281º, fase esta presidida pelo Juiz de Instrução.

Também se prevê no normativo do art.384º do C.P.P. a aplicação em Processo Sumário do disposto, nomeadamente, nos arts.281º e 282º do C.P.P.

Tal previsão legal está sistematicamente inserta no Livro VIII (Dos Processos Especiais), Título I (Do Processo Sumário), e tem âmbito de aplicação num Processo Sumário, naturalmente já autuado como tal e, porque jurisdicional, presidido por um Juiz de Julgamento.

Obviamente que a remissão efectuada pelo art.384º do C.P.P. para o normativo dos arts.281º e 282º do C.P.P. tem de ser vista com as necessárias adaptações (“correspondentemente aplicável em processo sumário”), face à referida inserção sistemática destes preceitos legais na fase de Inquérito (o mesmo acontece, como supra referido, na fase de Instrução).

Tal apreciação da inserção sistemática dos preceitos legais tem interesse desde logo para se saber quem tem competência para decidir a aplicação do instituto e legitimidade para se pronunciar sobre a mesma (concordando ou discordando em concreto da sua aplicação).

Parece ter sido preocupação do legislador que em todos os mencionados momentos processuais possa quem é o “dominus” do processo decidir-se pela aplicação do instituto em causa, a quem cabe sempre o respectivo impulso.

O impulso cabe a quem é o “dominus” do processo em cada momento processual, o qual pode decidir-se pela aplicação do instituto devendo diligenciar por obter as concordâncias previstas na lei.

Não resultando expressamente da lei processual penal a aplicação do instituto em causa a requerimento, a nosso modesto ver nada impede que o arguido, em qualquer dos mencionados momentos processuais, possa manifestar a sua concordância em que tal instituto lhe seja aplicado uma vez que em tais momentos é sempre necessária a sua concordância para a respectiva aplicação, ainda que manifestada sob a forma de requerimento.

Tais considerações são igualmente válidas para a actuação do Ministério Público, com excepção da fase de Inquérito na qual lhe cabe decidir a aplicação do instituto em causa.

Na verdade, está-se na presença de um importante instituto posto à disposição do Ministério Público e do Juiz, através do qual têm o poder-dever de resolver grande parte das bagatelas penais, como se acentua no relatório do Código, nº6, al.a), e como resulta das exposições do Prof. Figueiredo Dias e do Dr. Costa Andrade citadas por Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado, 11ª Edição, 1999, p.p.537-541.
Trata-se de uma decorrência da introdução de limitações no princípio da legalidade, inspiradas pelo princípio da oportunidade ou discricionaridade, que não repugna atendendo a que abrange apenas a pequena criminalidade e à base consensual em que pode ser determinada a suspensão provisória do processo.
Por um lado, discricionaridade não sinónimo de arbítrio, mas concessão de uma faculdade que deve ser utilizada em direcção ao fim que a própria lei teve em vista ao concedê-la: no caso, a preservação, em último termo, dos verdadeiros interesses da comunidade jurídica e dos valores nela prevalecentes (em certos casos concretos, a promoção e a prossecução obrigatórias do processo penal causam à comunidade jurídica maior dano que vantagem, maxime atento o pequeno significado da questão para o interesse público).
Por outro lado, impõe-se sempre não esquecer o asseguramento da esfera dos direitos de personalidade das pessoas.
Daí a necessidade de se verificar sempre a intervenção de um Juiz, como entendeu o Tribunal Constitucional ao julgar inconstitucionais as normas dos nºs.1 e 2 do art.281ºdo C.P.P. na versão do Código de Processo Penal sujeita a fiscalização preventiva de constitucionalidade, na medida em que não previam essa intervenção, e daí a introdução na versão final do Código, no nº1, da expressão “com a concordância do juiz de instrução”.
Também a inconstitucionalidade radicava na extrema gravidade das injunções e regras de conduta que podem ser impostas ao arguido, sendo certo que algumas das injunções previstas no nº2, designadamente a de não exercer determinadas profissões, não frequentar certos meios ou lugares e não residir em certos lugares ou regiões, restrigem ou anulam direitos fundamentais dos cidadãos, como o de emprego e de liberdade, em termos que tornam inadmissível a sua imposição por parte de quem não exerce a função jurisdicional – cfr. Mário Torres, O Princípio Da Oportunidade No Exercício Da Acção Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, in Revista do Ministério Público, p.p.221 e s.s.

Impõe-se ter sempre presente que o instituto em causa tem aplicação, apenas, em sede de Inquérito, Instrução ou Processo Sumário, e a pretensão da autoridade judiciária na sua aplicação não é nunca fundamento legal para o início de qualquer destes momentos processuais (cfr. respectivos requisitos ínsitos nos arts.241º e s.s. e 262º; 286º e 287º; e 381º, todos do C.P.P.).

O entendimento do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento de que é de aplicar ao caso concreto o instituto em causa não é fundamento de decisão sua prévia a apresentar o expediente e detidos a este Tribunal ou a determinar a tramitação sob outra forma processual, sendo antes tal aplicação uma decorrência da tramitação do Processo Sumário ou Inquérito, já no âmbito destes, e uma competência do respectivo Magistrado titular.


II)

Quanto à aplicação do instituto em processo sumário, prevista no art.384º do C.P.P.

No caso do processo sumário parece-nos incontornável que o disposto no art.384º do C.P.P. não consubstancia qualquer dos requisitos de aplicação de tal forma de processo, aqui importando atentar nos termos do normativo do art.381º do C.P.P.

Verificados os requisitos de aplicação do Processo Sumário, o Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento tem de apresentar o expediente e os arguidos a este Tribunal (detidos, nos termos do art.382º, nº2, do C.P.P., ou libertados, nos termos do art.387º do C.P.P.), deduzindo uma acusação para julgamento dos arguidos sob essa forma de processo ou substituindo a apresentação da acusação pela leitura do Auto de Notícia nos termos do art.389º, nº3, do C.P.P.

Será então, a nosso modesto ver, boa prática que o Ministério Público apresente o expediente e arguidos ao Tribunal competente para o julgamento, assim assegurando o início do Processo Sumário, manifestando desde logo a sua concordância com a aplicação do instituto nesta fase processual pelo Juiz de Julgamento, caso este Juiz entenda dever aplicá-lo, fundamentando fáctica e legalmente a sua concordância.

A posição do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento de concordância com a aplicação do instituto será então manifestada em função dos elementos constantes do expediente que lhe é apresentado ou de diligências que entenda realizar: solicitar o C.R.C. dos arguidos, ouvir sumariamente os arguidos detidos, etc.

Então, o Juiz de Julgamento determinará, em despacho “liminar”, a autuação do Processo Sumário (um processo jurisdicional), que só assim se inicia, e decidirá:
- ou suspender provisoriamente o processo nos termos já supra expostos;
- ou realizar o julgamento sumário, substituindo o Ministério Público a apresentação da acusação pela leitura do Auto de Notícia nos termos do art.389º, nº3, do C.P.P..

Não cumpridas pelos arguidos as injunções/regras de conduta, o Juiz de Julgamento remeterá os Autos para outra forma processual nos termos do art.390º do C.P.P., desde logo face à impossibilidade da observância do prazo previsto no art.386º do C.P.P.

XXX


NOTAS

1- No âmbito do Processo Sumário, cabe ao Juiz de Julgamento decidir-se pela aplicação do instituto, devendo para tal obter a concordância do Ministério Público e do arguido, bem como do assistente.
Em contrário, esvaziar-se-ia de conteúdo e aplicação prática o normativo do art.384º do C.P.P., que pressupõe a intervenção decisória do Juiz de Julgamento titular do Processo Sumário, já autuado como tal por sua determinação e depois da intervenção do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento em momento prévio à existência de tal processo e impulsionador da sua instauração, e antes da fase de julgamento.

2- Pode o Ministério Público junto do Tribunal de julgamento decidir não se verificarem os requisitos do julgamento sumário previstos no art.381º do C.P.P. e, assim, determinar a não apresentação do expediente e arguidos a este Tribunal, ordenando a tramitação sob outra forma processual nos termos do disposto no art.382º, nº3, do C.P.P..

Será então o Inquérito ( a fase geral e normal de apuramento indiciário dos factos, investigando-se a notícia do crime) a sede para a ponderação da aplicação pelo Ministério Público do instituto da suspensão provisória do processo com a concordância do Juiz de Instrução e do arguido, bem como do assistente.

3- Poderá ainda levantar-se a questão de saber se, face ao Acórdão de fixação de Jurisprudência nº5/99 do S.T.J., não se estará a violar a Jurisprudência fixada ao não se aplicar a pena acessória de inibição de conduzir no que concerne ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos arts.292º e 69º/101º e 102º do C.P., pena esta que, nos termos daquele Aresto, é de aplicação obrigatória, como, aliás, já em tempos defendemos.

Ponderando melhor a questão, na verdade, a aplicação do instituto em causa precede qualquer apreciação e aplicação da pena.

A pena acessória é de aplicação obrigatória nos termos da Jurisprudência fixada mas apenas em sede de aplicação concreta das penas em sede de sentença, uma vez realizado o julgamento (penas principal e acessória, esta acompanhando sempre aquela).

4- Por último, as posições expressas resultam do posicionamento pessoal do signatário em resultado do estudo por si efectuado.
Chama-se a atenção para a posição doutrinária de Leal-Henriques e Simas Santos in Código de Processo Penal Anotado, 2000, e Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado, 11ª Edição, 1999, anotações aos artigos 382º e 384º, que entendem que no âmbito de aplicação do art.384º do C.P.P. é o Ministério Público que decide a aplicação da suspensão provisória do processo.
Não explicam tais Autores, a nosso modesto ver, como na prática tal acontece em sede de Processo Sumário, ou seja:
- Quem ordena a Autuação do processo como tal?
- Onde corre termos tal processo?
- Quem é o respectivo “dominus”?
- Limita-se o Juiz de Julgamento, no âmbito já de um processo jurisdicional, a apenas expressar a sua concordância/discordância em despacho não decisório?

Pretendeu-se aqui levantar questões, e encontrar algumas respostas para tais questões práticas que, salvo o devido respeito, não se nos apresentam doutrinária e jurisprudencialmente escalpelizadas em toda a sua profundidade na aplicação prática do instituto em causa face ao dispositivo legal vigente.

Lisboa, 4 de Maio de 2006

O Procurador-Adjunto

Paulo Jorge Torres Goulart Marques Maurício

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